Concluo hoje a série, que já vai longa, sobre a reforma do Ensino Médio. Foi indispensável fazer nos artigos anteriores um retrospecto histórico, para se entender a situação do ensino no momento atual. Como já assinalamos, a débâcle do ensino brasileiro é, hoje, fato incontestável, ninguém ousa sequer pô-lo em dúvida. Em todos os exames internacionais que comparam alunos de mesma faixa etária e idêntico tempo de escolaridade, provenientes de muitos países, o Brasil sempre é o último ou o penúltimo classificado.
Já tratamos do problema da indisciplina. Enquanto prevalecer a ilusão "politicamente correta" e de vaga inspiração rousseauniana de que é possível educar deixando o educando sempre fazer o que tem vontade de fazer, sem nunca lhe impor regras, limites e balizas, não vejo solução. Isso vale para a educação formal, nas escolas, mas vale também (e até muito mais) para a educação não-formal, sobretudo aquela recebida em casa, no ambiente familiar.
O Chile é um país que seguiu um caminho paralelo ao nosso, mas passou por experiências traumáticas muito mais violentas do que as nossas. Teve três anos de regime comunista de fato, seguido de um longo período de ditadura militar verdadeiramente violenta, nem de longe comparável à brasileira. Sucederam-se, depois da redemocratização, governos de direita e de esquerda, mas sempre mantiveram inalterada uma política educacional baseada em princípios diametralmente opostos aos que vigoraram (e ainda vigoram) no Brasil: disciplina séria, rígida meritocracia e ampliação da escolaridade sem diminuição do nível de ensino. Os bons resultados são visíveis lá, em contraposição ao que temos aqui.
A par do problema da indisciplina, há outro, de fundo, que precisa ser considerado. Qual deve ser o papel do Estado em matéria de educação e ensino? Respondo que esse papel não deve corresponder à visão hobbesiana de um gestor e protetor universal, mas apenas de órgão fiscalizador do bom desempenho geral. O papel formativo e educativo compete, antes e acima de tudo, à família. É ela, e não o Estado, que está no início do processo educativo. Ao Estado apenas supletivamente cabe o dever da educação, mas fundamentalmente é à família que esse dever incumbe. O Estado não pode se colocar no papel de educador universal, passando por cima dos legítimos direitos e deveres da família e pretendendo legislar até sobre os modos com que os pais devem ou não devem educar os seus filhos. Muito dos descaminhos pelos quais vem trilhando o sistema educacional brasileiro nas últimas décadas tem origem na intelecção hobbesiana e hipertrofiada do papel do Estado na educação.
Concluo estas considerações, em função do que foi exposto e no contexto que acabo de mostrar, dizendo que, no meu modo de entender, há duas urgentes demandas a serem atendidas na indispensabilíssima reforma educacional brasileira:
1) Repensar os currículos escolares em função da realidade cultural dos alunos, em cada ambiente específico. O desafio é fazê-lo de modo orgânico, natural, sem dirigismos, sem imposição de ideologias e modismos pedagógicos etc., e mantendo um mínimo de unidade nos parâmetros escolares do Brasil inteiro.
2) Ampliar quantitativamente o acesso às escolas das faixas de população ainda não atingidas. O desafio é fazê-lo conservando um nível qualitativo suficiente.
No momento em que redijo este artigo, continua sendo amplamente discutido o projeto de reforma de Ensino Médio, proposto por Medida Provisória pelo Presidente Michel Temer. Segundo o próprio Presidente, a meta de sua MP foi trazer à ordem do dia e despertar debates sobre projetos que, há anos, dormitam nos escaninhos do Legislativo. Se essa foi a meta, é preciso reconhecer que está sendo atingida. Entrando mais no mérito do que foi proposto, confesso que vejo com simpatia a proposta de reduzir a carga (desnecessária e prejudicial) de matérias obrigatórias do Ensino Médio, reservando a segunda parte desse ciclo escolar a matérias optativas, mais adequadas ao curso superior que cada aluno tem em vista seguir posteriormente.
Curiosamente, o que ele propõe é, de certa forma, um retorno parcial ao modelo do velho e saudoso Capanema...
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
OS MEUS LINKS