Continuo a matéria da última semana, sobre o fino humorismo do jornalista católico e monarquista Carlos de Laet (1847-1927). Sua inventividade era incrível, não havia recurso jornalístico que ele não usasse para defender com igual paixão suas ideias religiosas ou políticas, e até mesmo suas preferências gramaticais e literárias. Ainda hoje, mais de um século depois de escritos, seus artigos são em extremo atraentes e surpreendem pela originalidade e variedade de recursos jornalísticos. Como registra Homero Senna, “Laet inventava os mais diversos expedientes para encher a sua coluna de jornal. Ora forjava cartas de leitores imaginários; ora atribuía o que se ia ler a um cidadão desalojado de uma das favelas da cidade; ora fantasiava um colóquio com animais do Jardim Zoológico. Certa feita, chegou a dar a sua crônica como reproduzida de um jornal de circulação restrita, lançado por um grupo de doentes do Hospício da Praia Vermelha” (Introdução a “Obras Seletas de Carlos de Laet”. Rio: Fundação Casa de Rui Barbosa/Agir, 1983, vol. 1, p. 17).
Em torno de Laet criou-se um verdadeiro mito. É imenso o anedotário verdadeiro ou falso que se lhe atribui. Aqui vão alguns exemplos do que disse... ou do que se disse que ele disse.
* Conta-se que D. Pedro II certa vez lhe mostrou um soneto que fizera, no qual observara todas as regras da rima, da métrica e do ritmo, mas em que era irremediável a falta de inspiração.
─ Que tal os meus versinhos, “seu” Laet?
─ Muito bons... Mas Vossa Majestade bem que poderia fazer coisa melhor.
* Um escritor jovem, polemizando com Laet, à falta de melhor argumento, chamou-o velho. A resposta foi cortante: ─ Na escala zoológica, meu jovem, velhice é um conceito muito relativo. Um homem de sessenta anos, como é o meu caso, ainda está forte e lúcido. Mas um burro de vinte e tantos anos, como o Sr., não presta para mais nada.
* Durante uma aula, enquanto lecionava no Colégio Pedro II, Laet fez referência à criação do homem. Um aluno atrevido ousou interrompê-lo: ─ Professor, o Sr. está muito desatualizado. O meu pai disse lá em casa que todos nós descendemos do macaco.
Laet, com sua voz fanhosa e terrível, deu pronta resposta: ─ Eu não me meto em questões de família, menino. Seu pai deve saber melhor do que eu de onde ele veio...
* Ao sair de uma conferência realizada no Círculo Católico, verificou que alguém havia furtado seu guarda-chuva. Imediatamente pegou uma folha de papel e afixou um aviso, com estes dizeres: ─ Peço ao ladrão católico apostólico romano que furtou meu guarda-chuva o favor de devolvê-lo.
* As sociedades protetoras de animais começavam a fazer suas propagandas. Ainda não havia propugnadores dos chamados “direitos dos animais”, como os há hoje, mas já havia quem sustentasse que deviam ser proibidos os freios, as esporas e os chicotes.
Um desses tentou, certa vez, impressionar Laet com sua pregação: ─ É realmente uma desumanidade torturar um pobre animal. Devia haver cadeia para esses desalmados que usam freios, esporas e chicotes.
Carlos de Laet ponderou: ─ Mas se eu montar sem esporas, num cavalo sem freios, arrisco-me a levar um belo tombo.
─ Não seria nenhuma tragédia...
─ A tragédia é que eu sairia machucado... E eu tenho o direito de ser protegido, porque sou um animal racional, como também são animais o Sr. e o cavalo...
* Laet havia impiedosamente ridicularizado o médico Dr. Oliveira de Menezes, que também era professor no Colégio Pedro II. Alguns dias depois, durante uma reunião do corpo docente do colégio, Menezes não se conteve e investiu furiosamente contra o colega: ─ O senhor é um decrépito, um decadente, um moribundo! Não quer se convencer de que já está com os pés na sepultura!
Enquanto ouvia esses insultos, Laet calmamente chupava seu charuto, sem se abalar. Quando o outro parou, perguntou: ─ É como inimigo ou como médico que o Sr. diz está dizendo essas coisas?
─ Falei como médico.
─ Ainda bem! Posso então ficar tranquilo...
* Uma das decepções do grande Laet foi não ter conseguido arrastar Rui Barbosa para uma polêmica. Não foi por falta de tentativas... Laet provocou Rui repetidas vezes, mas este não quis correr os riscos de enfrentar Laet no seu terreno preferido.
Rui era Conselheiro de Estado do Imperador, mas foi um dos membros do primeiro Governo republicano, e essa traição Laet jamais lhe perdoou: Rui ─ dizia ele ─ foi um conselheiro que aconselhou mal o seu aconselhado...
Certa vez, Rui, conhecido pela sua prolixidade, fez uma conferência sobre Camões. No dia seguinte, Laet registrou o fato, elogiou a eloquência do orador, seu vocabulário prodigioso, sua cultura invejável, seu brilho inigualável etc. etc. E, no final da crônica, concluiu venenosamente com estas palavras que toda a gente repetiu e glosou: ─ Às 4 horas da manhã, para grande alívio de toda a assistência, afinal morreu Camões...
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
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