Havia na casa de meu pai – de Santa Marinha (Gaia), – moça, que auxiliava no meneio doméstico.
Entrou ao serviço, ainda adolescente, na flor da idade, e ficou décadas…
Cuidou com esmero de minha mãe, na prolongada doença que a vitimou; e após a morte desta, tratou de meu pai, com tanto carinho e dedicação, que passou a ser considerada, como se fosse da família.
Sentindo-se doente e receoso que a Ilda – assim se chamava a empregada, – ficasse desprotegida, meu pai, resolveu deixar-lhe, por escritura, o direito de residência, e escassos meios, que permitissem sustentar-se, pelo menos, nos meses seguintes ao funeral.
Mas, receando que não lhe fosse fácil encontrar emprego, condigno, e a protecção que desejava, assentou escrever carta, dirigida a Senhora, extremamente religiosa, de alma caritativa, e influente na sociedade portuense.
Tanto a escritura – que lhe permitia ficar com a casa, – e a carta, foram colocadas numa gaveta da cómoda de pau-santo, que se encontrava no seu quarto, com conhecimento da Ilda.
Até aqui nada foi dito merecedor de ser passado a letra de forma.
Aconteceu, que dias após o funeral, foi recebido telefonema da destinatária da carta, narrando: que soube do falecimento, pelos jornais, e que nessa mesma noite, tivera um sonho muito estranho:
Sonhou, que meu pai lhe aparecera, dizendo que procurasse uma carta, que lhe escrevera.
Como não sabia do que se tratava, nem conhecia, que alguma vez lhe tivesse escrito, pensou ser apenas um sonho…
Mas, como o “ pedido” não lhe saísse da cabeça – segundo contou, – resolveu telefonar, para perguntar se sabiam da existência de recado ou carta, que lhe tivesse escrito.
Esclareceram-na que havia realmente sobrescrito, endereçado a seu nome, e que não lhe tinha ainda sido entregue, porque aguardava-se oportunidade propícia.
Este facto ou fenómeno, deixou-nos deveras impressionados, e foi muito comentado; depois caiu no esquecimento.
Trago-o aqui, por o considerar bastante curioso, e merecedor de se tornar publico.
Seria pura coincidência, ou o sonho foi “provocado” por meu pai? É mistério difícil de compreender, e deixa muitas interrogações, sem resposta.
Coincidência ou não, certo é, que a missiva foi entregue.
O conteúdo era manuscrito, pedindo que cuidasse do bem-estar da empregada, procurando protege-la no que lhe fosse possível; pois receava morrer brevemente, e não a queria deixar, sem ter a certeza que ela iria cuidar da Ilda, como merecia, pela dedicação e provas de lealdade que demonstrou nos anos que esteve em sua casa.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
OS MEUS LINKS