Conta D. Francisco Manuel de Melo, nos “ Apólogos Dialogais - Escritório do Avarento”, que certa vez, Alexandre, o Grande Conquistador, injuriou um pirata, dono de duas barcas, movidas a remos, que infestava as costas do reino.
O corsário era modesto e manhoso, e após a reprimenda, falou-lhe deste jeito:
“ Tá, tá, senhor Alexandre! Não me maltrates, que tu e eu, ambos temos um próprio oficio, mas com tal diferença: que a ti, porque roubas o mundo cercado de exércitos, te saúdam as gentes por monarca, e a mim, que com poucos companheiros faço pequenos danos, me infamam de corsário”. E remata o nosso clássico: “ Eis aqui como os homens fazem suas medidas! “
Na verdade, invadir e subjugar, cercado de militares, não faz muita diferença do salteador, que pela madrugada, sumido na sombra do arvoredo ou abrigado no cotovelo de estrada, aguarda, como araquenidio, a presa, para a despojar de bens. A diferença está na lei. Um é fora de lei; o outro é protegido por ela.
Se pobre diabo é apanhado a roubar é ladrão; se empresário ou gestor diplomado, pratica falcatrua, chamam-lhe: desvio.
Se alguém aparece mal entrajado, pergunta-lhe: “ Que queres?”. Se veste com elegância, passa a ser Senhor e até, em certos meios, de doutor ou Excelência.
Ladrão, rato, vigarista, vagabundo, gatuno, e termos como tal, só se empregam tratando-se de indivíduos que vivam sem posses. Quando o rico é aprisionado pelas alicantinas que praticou, há diferença de tratamento. No Brasil basta possuir curso superior, para que as condições se modifiquem; nem é preciso “ enricar”, como diz o caipira, para ser respeitado.
O trajo, a posição social, o cargo que exerce, é que faz a diferença, e não, como devia ser: a cultura, a educação, a bondade a moral e sobretudo a justiça.
Assim se julgam e se avaliam as pessoas, catalogadas e apartadas, consoante as funções que ocupam.
Alexandre “ roubava”, despojava, matava, para ser Grande. O corsário fazia o mesmo, mas como não era rei, nem valido, a justiça punha-o a ferros, enquanto venerava e reverenciava o rei.
Infelizmente a vida é isto!, como disse Guerra Junqueiro “ No Bouvevard ( in Musa em Ferias)”:
O ponto essencial é não trazer grilheta.
Uma camisa branca, uma consciência preta.
Um ar pouco sério, um nome, algum dinheiro.
Eis tudo que se exige a qualquer bandoleiro
Para representar a farsa desta vida.
A virtude consiste em ter folha corrida.
A moral é um blague; apenas se suporta
Num drama ou num sermão; de resto é letra morta.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
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