A humildade de um Deus que, através de seu filho, solidariza-se com a humanidade e assume a sua dor para estabelecer conosco uma nova aliança, apontando o caminho da comunhão, da doação e da solidariedade como um ideal de vida possível, é revelado na celebração do Natal. Assim, os votos sinceros de que a humanidade assuma uma vida fraterna e que todos, indiscriminadamente, possam ter seus anseios e direitos fundamentais devidamente atendidos.
Na próxima quinta-feira é Natal e mais uma vez, com ele, nos é oferecido um momento especial para refletir sobre o significado desta data e renovar o compromisso de guiar nossas vidas tendo como lume a solidariedade ao próximo, circunstância tão afastada de nossos dias e essencial para alcançarmos a realização de aspirações básicas dos seres humanos.
É inegável que, ao longo do tempo, os apelos comerciais têm conseguido deturpar muitas vezes o verdadeiro significado desta celebração. As preocupações para alguns se resumem em perambular pelas lojas à procura de presentes ou em se esmerar na organização de fartas ceias e almoços natalinos. É preciso, contudo, alertar para o fato de que tais preocupações deveriam ser periféricas, deixando-se no centro desta comemoração, uma reflexão, íntima e familiar, a respeito das mensagens de amor, humildade e esperança expressas no nascimento de Jesus Cristo.
Efetivamente, num sistema capitalista, ele é festejado de modo diferente do seu conteúdo original. No esforço para recuperar o seu verdadeiro espírito, é importante preparar-se para comemorá-la através do Advento e descobrir seu significado mais profundo. É certo que num país como o Brasil - aprisionado a uma gama de fatores que vai da concentração fundiária e péssima distribuição de renda até o mau uso do dinheiro público e a corrupção desenfreada-, a reversão do quadro de seus problemas implica em mudanças estruturais profundas.
Tais transformações, no entanto, não ocorrerão em curto prazo. Mais que isso: não acontecerão se a sociedade brasileira não conseguir superar os grupos encastelados, alguns deles há séculos no poder e que não desejam qualquer modificação no “status quo”. O que fazer, então, até conseguir vencer as resistências desse modelo de desenvolvimento que produziu um estado de miséria vergonhoso e abrir para o País a perspectiva de um futuro mais digno?
A celebração natalina nos chama a uma meditação profunda para tentarmos modificar, através de ações fraternas, consistentes e participativas, este triste quadro atual, apresentando-se como uma importante etapa dessa luta que deve ser permanente e persistente. Já se proclamou que somente quando nos desprendemos de nosso acúmulo de posse, de poder, de prazer, inclusive no nível espiritual, é que podemos nos ajoelhar, na noite de Natal, diante do presépio, e celebrar, de fato, o nascimento do senhor Jesus.
São Gregório, bispo de Nazianzo no século 4º, dizia às comunidades das quais era pastor: “Celebrem o Natal de um modo divino! Não à maneira do mundo, mas de uma maneira diferente da do mundo! Não como a nossa festa, mas como a festa que é nosso mestre!”
No mundo de hoje, manchado por tantas formas de ódio, violência e discriminação, o aparecimento de Jesus e toda sua caminhada sobre a Terra devem servir como sinais de que perdão, fraternidade e doação não são palavras fúteis, mas possíveis de serem exercitadas em nosso cotidiano, para que os direitos fundamentais alcancem indiscriminadamente todos os seres humanos.
SETE MOTIVOS
PARA REFLEXÃO
A título de meditação à época natalina, vale destacar que no túmulo de Ghandi, estão escritos os sete pecados da humanidade moderna: 1) política sem princípios, 2) riqueza sem trabalho, 3) prazer sem consciência, 4) conhecimento sem caráter, 5) economia sem ética, 6) ciência sem humanidade e 7) religião sem sacrifício. Por outro lado, o saudoso Papa João Paulo II, em jornada ecumênica, apontou sete condições para o restabelecimento da paz: 1) educação e consciência ecológica; 2) o respeito pela vida desde o útero materno até o seu fim natural; 3) a dignidade da pessoa humana que supõe a igualdade de dignidade de todos, 4) o zelo pelos direitos humanos, 5) uma nova ordem econômica, 6) a ética na política e 7) diálogo inter-religioso em favor da unidade.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - é advogado, jornalista, escritor e professor universitário
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