Creio que muitas das pequenas alegrias que tenho hoje, nos meus 56 anos, devem-se à proteção da ingenuidade, na minha infância e adolescência, por meus pais. O meu dia a dia era povoado por “Alice no País das Maravilhas”. As aventuras engraçadas do Pica-Pau e Walt Disney também entravam em meu mundo com todos os seus personagens. Criaram-me sem que perdesse lado algum: de criança, de jovenzinha, de quem se dirigia à idade adulta e o das responsabilidades. Educaram-me pensando sério na escola e permitindo que enfeitasse os cadernos com carimbos que coloria e decalques de bichinhos. O Magistério me fez reviver inúmeros contos infantis, para passar, futuramente, aos alunos. As caixas de lápis com 36 cores e as aquarelas reforçavam os tons de minha vivência. Que exercícios bons! A lenda da Sereiazinha, que se sacrificou pelo amado, na fronteira para a adolescência, misturou-se às fantasias de antes e depois, à espera de um possível príncipe encantado. Havia curiosidade sobre os relacionamentos amorosos, porém sem perder a perspectiva de que fossem fiéis.
Hoje, surpreendo-me com uma felicidade imensa diante do vôo de borboletas, de uma pedra bonita, sem forma determinada, que encontro pelos caminhos, ao folhear um livro com gravuras de meus primeiros anos. Emociono-me com relatos de amor feitos de renúncia, coragem e abraço. Tenho pena de crianças, púberes e adolescentes, que na convivência em casa, diante da TV, no uso de celulares e da internet, ou nos quartos escancarados, dos que o rodeiam, .deparam-se com impulsos sexuais animalescos, sem ternura, fechados para a vida. Empurram-nos para a promiscuidade sexual, para uma visão deturpada do ser homem e do ser mulher e lhes negam a ingenuidade, que lava a alma até mesmo quando, infelizmente, se passa pelos pântanos.
Recentemente, revi o filme”Marcelino Pão e Vinho” (1955), do diretor Ladislau Vajda. O filme ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim e o prêmio católico OCIC em Cannes. Guardava apenas algumas recordações dele, como a música com versão da cantora Wilma Bentivegna: “Sonha, sonha, Marcelino, já começa a clarear/ Doces santos cuidam seu dia, guardam tua alma contra o mal. (...) Vai à torre, toca o sino chama todo o povo à oração/ Guilin dalão... guilim dalão...”. É a história de um menino abandonado, ainda bebê, na porta de um mosteiro e criado por 12 monges sem uma mãe. Garoto travesso até se tornar o protagonista de um milagre que marcará para sempre o vilarejo espanhol onde passa a história. Certo dia, ele ofereceu, durante sua refeição, um pedaço de pão e um pouco de vinho a uma imagem de madeira de Jesus, que aceitou a oferta e passou a conversar com ele. É o início de uma grande amizade. Parece ser um menino que nasceu com uma missão especial a ser cumprida: demonstrar que os de coração puro verão a Deus..
É uma pena que filmes, como esses, não são mais produzidos e, talvez, fizessem pouco sentido no mundo atual. É uma pena que o mundo atual se perdeu da ingenuidade e da pureza.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - É educadora, coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher/ Magdala e cronista
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