Infelizmente muita gente deixa para o Natal as reflexões sobre seus erros e acertos, sobre aquilo que poderia ter sido e não foi, sobre o carinho que não se deu, sobre o amor que não se achou tempo para ser. A maior parte de nós, entre os quais não tenho sequer a audácia de me excluir, vive ocupada com os assuntos corriqueiros, com os problemas que afetam nosso modo de viver, sobre as dores tão humanas das quais padecemos. Assim, vamos negligenciando outros tantos sentimentos, reféns do tempo que parece nos arrastar e nos alienar.
Devo confessar, como, aliás, já o fiz tantas outras vezes, que não sou lá uma pessoa extremamente religiosa. Tenho várias dificuldades nessa área, tais como perguntas as quais não encontro respostas, sentimentos que não posso evitar e outras tantas coisas nas quais não consigo crer. Por outro lado, instituições religiosas à parte, sempre acreditei no Deus Criador de todas as coisas e de todos os seres. Talvez porque eu também seja pequena demais, costumo vislumbrá-Lo muito mais nas pequenas coisas desse mundo. Ainda que eu me esqueça de rezar, não consigo deixar de me maravilhar, todos os dias, quando olho meus animais de estimação, quando descubro uma flor que desabrochou sem que eu a conhecesse botão, como se estivesse brincando de esconde-esconde.
Na proximidade das festas de fim de ano, quando, no fim das contas, damos graças por estarmos ainda do lado de cá, é compreensível que também façamos uma análise de mais um período que se vai findando. Muitas vezes eu penso que somos como uma casa. Na correria das horas, ficamos sempre adiando o momento de ajeitar um armário, separar o que não mais nos serve, até que um dia as coisas começam a cair sobre nós assim que tentamos abrir uma porta ou as gavetas começam a não mais se fechar, entulhadas que estão.
Dia desses passei por uma situação bem desagradável, relativa a questões profissionais. Cansada, não fui forte o suficiente para não desanimar. Ainda que eu me considere uma pessoa forte, batalhadora, minha vontade era de baixar minhas armas, de entregar os meus pontos. Seguia eu com meus demônios pessoais quando ao passar pela cozinha olhei para um dos quatro aquários que mantenho e notei Netuno, meu peixinho Beta, movimentando-se freneticamente, esperando por comida. Menos de um mês atrás, eu estava prestes a dá-lo como morto. Acometido de uma síndrome que já levara seu antecessor, Nemo, ele estava com sua habitual cor azul se transformando em marrom opaco, inchado, com as escamas eriçadas e, segundo minhas pesquisas, com os órgãos internos em processo de paralisação. Seu sofrimento era visível e eu me peguei pensando se não deveria poupá-lo de uma morte lenta e triste.
Como não costumo desistir de tudo que amo, sejam pessoas, animais, plantas ou ideais, fui até uma loja especializada e ouvi que não havia o que fazer. Com certeza, nesse estágio, em pouco tempo ele morreria. Desolada, lancei-me a buscar na internet e vi algumas dicas. Resolvi tentar. Fosse como fosse, estaríamos juntos até o final. Para minha alegria, em uma semana ele já era o Netuno de antigamente. Comilão, reluzindo de tão azul, ele estava inesperadamente curado. Para mim, ele simboliza um milagre. O milagre da esperança.
Em meio a tristeza que se instalara em mim, ao olhar para aquele aquário, ao ver meu pequeno milagre, eu fui obrigada a desentulhar minhas gavetas. Havia coisa demais sobrando, coisas sem importância. Talvez eu precise rever as minhas prioridades, ajustar meus espaços. Ter mais esperança e, assim como fiz com o Netuno, também não desistir e não me esquecer do que realmente faz a vida valer a pena. Estou certa, agora, que, em pouco tempo, também estarei azul novamente. Feliz Natal a todos! Que a Esperança possa visitar os espíritos de todos, renovando as forças para os dias que virão...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA --Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo
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