Durante um tempo, eu me debati, eu me rebelei. Não fui, como ainda não sou, capaz de aceitar uma pena sem ter cometido qualquer crime. Tentei, com todas as minhas forças, recuperar a liberdade, voltar ao convívio dos meus. Gritei, gritei, mas ninguém me ouviu ou, se me ouviram, não me entenderam...
Sei que a alegação de inocência é moeda comum dos aprisionados, mas, no meu caso, de fato, é a mais pura verdade. Não tive direito ao contraditório, a uma defesa, sequer a um julgamento. Fui privado da minha família, da minha liberdade e de tudo aquilo que eu conhecia por vida. Sequer a um advogado eu tive direito, alguém que, ao menos, pudesse ouvir e sustentar o meu clamor. Vez ou outra eu sentia que se compadeciam de mim, mas seja como for, nunca tomaram a minha causa nas mãos.
Por mais que eu pense, que eu me esforce, não tenho lembranças de nada que pudesse ter me desabonado, que justificasse esse cumprimento de pena. Não tenho direito à progressão. Jamais irei ao semi-aberto, jamais terei indultos de Natal ou liberdade assistida. Nada há aqui que me dê esperanças de dias melhores. Tudo o que me resta é esperar pelo fim dos meus dias.
Não me falta água ou comida, contudo. Não corro perigos além daquele de enlouquecer, porque além de preso, estou na solitária. Há tempos não toco um semelhante, não sinto dele o calor, o bater do coração. Somente os vejo e os invejo, livres para ser o que eu poderia ter sido. Da minha família jamais tive notícias e, tal como me encontro, também não terei qualquer chance de formar outra...
O que falta é ver o céu azul, é sentir o vento me bater na cara, é sentir o mundo um lugar imenso, infinito. Aqui os dias são iguais, marcados somente pelo existir, mas não pelo viver. Se eu tivesse companhia, talvez a dor que sinto pudesse encontrar algum alívio, mas a solidão, ao contrário, fez de mim um ser melancólico, taciturno, desiludido.
Creio até que nem mais sei ser livre. A liberdade já me é uma estranha e, depois de tantos anos, já me resignei, já entendi que minha prisão é perpétua e vai durar enquanto eu respirar. Algumas injustiças se perpetuam no tempo e, na minha cela, somente desejo que outros não passem por isso, que as pessoas se apiedem dos meus semelhantes.
Quiçá um dia compreendam meu pranto e não o confundam com canto. Da minha gaiola, vendo o céu ao longe, só faço pensar nos dias que pertenceram às minhas asas, enquanto eu podia rasgar o azul, enquanto eu pude ser simplesmente, um pássaro...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA- Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo
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