O que fica de tudo é a memória. Viver consiste em edificar história.
Não importa mais nada. Nada além, é claro, do que o que importa à pessoa amada.
A memória é construída em função dela, e, nisso, a própria vida, que depende – que ironia – da pessoa amada, justamente dela.
Justamente, embora não justo, haja vista nem sempre ser a tal pessoa amada a que nos ama. É uma baita cama!
Ironia ou injustiça, o jeito é ir levantando parede a parede, sem preguiça! Senão, onde é que se vai estender uma boa rede?
Que seja. Amemos.
Amemos, pois, quanto mais se ama, mais feliz se é. Seja homem ou mulher.
Ademais, nessa vida só com amor a gente aprende, não obstante o arrependimento (e como! e quanto! a gente se arrepende) – haja unguento.
É ou não é uma emboscada que a vida seja morte anunciada?
Matem-me. Roubem-me.
Levem tudo que tenho. Não é disso que me mantenho.
Sustento-me do que escrevo. Nisso a ninguém devo.
Tanto não devo que até me sobra. Dou a quem quer e a quem não.
Dou, pois, tenho – de sobra, de sobra e à mão.
Uns recebem-me com pronta pedra. Uns com doces de algodão.
Escrevendo sou tão sincera: inscrevo-me em você... e em você... e em você, inclusive, em quem faço da vida a vida que não tive.
Prescrevo-me.
Então, reescrevo-me na história de outros. Pelas memórias que faço descritas, descrevem-se meus pensares soltos.
Eles é que são livres de fato. Bestas, porém, livres! Muito mais homens do que ratos.
Dizem a que vieram, mesmo quando estão errados. Eles são do bem: bem mais verborrágicos do que bem lapidados. Dão nas fuças em cheio. Tanto os que vêm inteiros, como os que vêm talhados ao meio.
Ah! Vou lhes contar – eu sou repleta de palavras neste seio!
Depois do leite com que amamentei filhos meus e de outras mães, são palavras que cá do peito brotam feito pães.
Sou uma vasilha donde leite, prosa e verso caem, polvilham displicentemente o entorninho do próprio universo à frente.
Assim seja! Proseando, universemos.
Antes que, na reforma de seus ninhos, sob escombros das paredes das memórias, aos amigos, inimigos e vizinhos, sejamos somente lembranças. E lembranças apagadas!
E, ali, nós – supostamente memoráveis – venhamos a ser pó ou, no máximo, rabiscos indecifráveis.
Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br
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