Penso que, na vida, vamos mudando não somente a forma como vemos as coisas, mas também o significado que as coisas possuem. Natal, por exemplo, durante a minha infância, representava chegada de parentes distantes, mesa farta, reuniões familiares, roupa de festa e presentes.
Eu e minha irmã íamos dormir ansiosas, à espera do Papai Noel. Eu bem que tentava, mas nunca conseguia acordar para dar o flagra no bom velhinho. Ele estava sempre de olho, vigiando meu sono e meus sonhos. Naquele tempo, não tínhamos idéia de que o Papai Noel não entrava em todos os lares, tampouco que nem todas as casas eram o que conhecíamos por lar...
O tempo passou, levou com ele muita gente querida, afastou algumas amizades, mudou as cores das nossas árvores de Natal. Descobrimos a identidade secreta do Noel e qual era a extensão da conta bancária dele. Fomos apresentadas aos limites do cheque especial e, em silêncio, sepultamos Rudolph e seu nariz vermelho...
A família foi crescendo em ramificações e, por isso, as comemorações passaram a ser feitas em locas distintos. Tínhamos que não apenas nos dividir, mas fazer de um jeito a não magoar ninguém, a não deixar ninguém se sentir preterido. O Natal, desse jeito, nem comportava Papai Noel, ainda que, na maior parte das vezes, fosse feliz.
Como tudo na vida se ajeita, conforma-se à situação, ajusta-se com o tempo, os Natais também foram se re-significando. Entendi que a distância física importa muito menos, mas muito menos mesmo. Há uma outra espécie de conexão que une as pessoas no Natal. Posso estar a milhares de quilômetros das pessoas que amo, mas ainda assim, sentir-me ao lado delas. Em um telefonema, em poucas palavras, não só “viajo” em pensamento, mas em sentimentos.
Os presentes também mudaram de cores. Sempre são bem-vindos, mas não são imprescindíveis. Os pequenos gestos, como um cartão, uma ligação, um e-mail, um abraço, valem tanto quanto, quando não valem mais... Gosto de sentir que minha árvore está repleta, repleta de boas emoções, de boas amizades, de amigos, de afeto e de amor.
Entendi porque tantos amigos dos meus pais freqüentavam as nossas comemorações de fim de ano. Muitos deles já eram figuras constantes, pessoas com as quais contávamos sem pestanejar. Compreendi que eram parte da família, por mais que eu já os sentisse assim, não os sabia nomear. Creio que somente alcancei essa compreensão quando meus próprios amigos vieram a integrar meu ambiente familiar.
Meu conceito de família expandiu-se quase ao infinito. Entendi que as pessoas se unem por laços muito mais especiais e fortes do que os de sangue ou legais. Não me importa mais onde passo o Natal, mas onde passo a minha vida, onde moram os meus sentimentos e os sentimentos das pessoas por mim.
Algumas coisas, sem dúvida, somente chegam com certo amadurecimento. Uma delas, para mim, ao menos, é a importância da PAZ. Hoje, quando desejo PAZ às pessoas, não o faço da boca para fora, usando palavras esvaziadas de significado. Desejo, de coração, mesmo sabendo que em parte isso é uma utopia, que esse Natal, para todas as pessoas, seja marcado pelos bons sentimentos, pela Paz, pela União, pela misericórdia, pelo amor e pelo espírito de família.
Eu, outra vez, deixo as portas de minha alma abertas, para que o Rudolph possa retornar...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA- Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo
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