Deambulava, distraidamente, pelas nove horas do dia 21 de Novembro, do ano de 1903, pela rua do Triunfo, o Sr. Franz Burmester. Em sentido inverso, caminhava a passos largos, Tomaz Cardoso. Cumprimentam-se efusivamente e entabulam animada conversa.
Entusiasmado com a proeza de Belchior da Fonseca, Tomáz Cardoso revela eufórico que nesse preciso momento, nos jardins do Palácio de Cristal, estavam a encher o “Lusitano”.
Burmester fica surpreso e pressuroso encaminha-se para o Palácio em busca de Belchior, que assistia ao enchimento do balão, e prontamente oferece-lhe o apoio de potentes rebocadores.
Agradeceu Belchior a generosa gentileza e declara que não se incomodasse, pois tomaria a direcção de Vila da Feira, e caso o vento não fosse favorável, não se realizaria a ascensão.
Conhecedor do espírito aventureiro do aeronauta, Burmester instou, advertindo-o:
- “Senhor Belchior, com a sorte que tem tido receio bem que seja descuidado. “
Contraveio, sorrindo, o aeronauta, convicto dos seus conhecimentos e do sucesso obtido em anteriores ascensões:
- “ Considero estes ares como meus! … ”
Eram onze horas e cinquenta minutos quando mansamente se elevou o “Lusitano”. Na barquilha seguiam: Belchior da Fonseca, José António de Almeida, morador na rua do General Torres (Gaia) e César Marques dos Santos - conhecido por “ Menino de Oiro”,- filho do capitalista João Marques, que vivia num chalet em Vilar do Paraíso, na antiga estrada Porto - Espinho.
Cerca de uma centena de espectadores, na maioria amigos dos aeronautas, assistiam à ascensão.
Amanhã estava amena, o céu lavado de nuvens e o vento moderado não previa perigosidade.
Elevou-se o “Lusitano” perante o pasmo de todos e ruidosa salva de palmas saudou os aeronautas.
Neste em meio o balão, ganhando altura, atravessa serenamente o rio, em direcção ao Candal; inexplicavelmente guina de súbito para a Foz do Douro, tomando a direcção do Atlântico.
Verificando a alteração, não prevista o irmão de Tomaz Cardoso apressa-se a solicitar a Burmester que, sem tardança, faça sair um rebocador, pois presente presságios funestos.
Imediatamente o “Lusitano” e o “Mindelo” fazem-se ao mar e logo a seguir, do Porto de Leixões, um vapor salva-vidas sai, tentando localizar os aeronautas.
Mas o balão do Belchior, adquirido em Paris, jamais foi encontrado, apesar de aturadas buscas. O “ Lusitano” misteriosamente sumira-se na imensidão do Oceano.
Eram dezassete horas, cinco após a partida do balão do Palácio de Cristal - já se pensava o pior, - quando chega à redacção de “ O Primeiro de Janeiro” a alegre nova de Jaime Teixeira da Mota e Silva. A novidade era a seguinte: O “Lusitano” caíra no mar, ao largo da Figueira da Foz, salvando-se a tripulação.
Mas a notícia era falsa.
Pela cidade do Porto, mormente na Praça de D. Pedro, onde havia maior concentração de pessoas e principalmente no “ Café Restaurante Porto Club”, comentava-se que o balão chegara a Marrocos; outros asseveravam que havia seguras notícias que estavam sãos e salvos nos Açores e que em breve regressariam coroados de glória.
Quando a esperança de os encontrar já esmorecia, surge a feliz nova de Keeping, capitão do navio inglês “ Searchlight”, declarando que os vira junto a Aveiro e que estavam tranquilos e sem problemas.
As horas e os dias iam passando. Inquietavam-se os familiares e amigos e começava-se a crer que algo de anormal se passara. Como por magia, o balão de Belchior “evaporara-se” para sempre misteriosamente no céu azul.
Belchior da Fonseca era farmacêutico e residia na rua Cândido dos Reis, em Vila Nova de Gaia, num prédio que ficava defronte à Fonte do Cabeçudo, que tinha no rés-do-chão a farmácia.
Pouco se conhece da sua biografia. Sabe-se que era natural de Castro Daire, filho de Constantino da Fonseca, que ao tempo do acidente ainda era vivo.
Em 1912, segundo afirma Alberto Pinho Vargas, em missiva a familiar, a farmácia ainda existia e era dirigida por um tal Camacho.
A primeira ascensão de Belchior foi em Agosto de 1903, com Cartom.
Após o desaparecimento do “ Lusitano”, Cartom - famoso aeronauta gaulês, - declarou na “ Sociedade Francesa de Navegação”, que apenas dera uma aula prática a Belchior. Acrescentou ainda que o aeronauta português realizara depois várias ascensões, mostrando grande mestria.
Testemunhar disso é Mariotte, jornalista de “ A Palavra” que viajou de balão a Fiães, na companhia de Tomaz Cardoso, Corregedor da Fonseca da “Voz Pública” e Belchior, onde este mostrou possuir profundos conhecimentos a manobrar o aeróstato.
Certo é que jamais se soube o que aconteceu ao “Lusitano” após haver ultrapassado a barro do Douro. Para sempre tudo ficou mergulhado num misterioso silêncio nunca revelado.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
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