A chave para resolver todos os problemas brasileiros é a educação. Assunto em que há muitos especialistas, inúmeros técnicos e destinação expressiva de verba pública. Mas o setor em que o fracasso é manifesto. As avaliações nacionais e internacionais comprovam o óbvio: a escolarização não ensina a pensar. Obtém-se diploma, porém não discernimento. Talvez os pedagogos devessem voltar os olhos para lições de há quase cinco séculos, ministradas pelo Senhor de Montaigne, nosso amigo Michel Eyquem. Seus “Ensaios” contêm uma sapiência concentrada, à qual se adiciona um atributo hoje de manifesta carência em nossa Pátria: a humildade.
Sobre sua obra, não tem pudor em afirmar: “… quero dizer, e quaisquer que sejam estas inépcias, que decidi não escondê-las, como tampouco esconderia um retrato meu calvo e grisalho em que o pintor tivesse posto não um rosto perfeito mas o meu. Pois bem, aqui estão meus humores e opiniões: escrevo-os por serem aquilo em que creio, não por serem aquilo em que se deva crer”.
Seu objetivo é “descobrir a mim mesmo, que amanhã porventura será outro se nova aprendizagem me mudar. Não tenho nenhuma autoridade para que creiam em mim, nem o desejo, sentindo-me muito mal instruído para instruir os outros”. Mesmo assim, preciosa a sua análise sobre a educação: “os professores não param de gritar em nossos ouvidos, como quem entornasse o conhecimento num funil: nossa tarefa seria apenas repetir o que nos disseram”. Prega o aprendizado não o ensino. O mestre é aquele que permite ao discípulo “provar, escolher e discernir as coisas por si mesmo. Ora abrindo-lhe o caminho, ora deixando-o abrir. Não quero que só o preceptor invente e fale: quero que, quando chegar a vez de seu discípulo, o escute falar”.
Cita Cícero, para quem “a autoridade dos que querem ensinar é, no mais das vezes, nociva para os que querem aprender”. Critica a homogeneização, com os conteúdos e métodos preordenados a um tipo idealizado de aluno. Ensinar vários espíritos de formas e capacidades distintas gera o proveito de apenas alguns dentre os milhares de aprendizes. Algo que se repete mesmo na Universidade, na qual o jovem segue adiante até obter o diploma e não sai apto a enfrentar a vida. Pois as avaliações são falaciosas: o professor não pode exigir que o aluno dê conta “somente das palavras de sua lição mas do sentido e da substância. E que julgue o proveito que a criança terá tirado, não pelo testemunho de sua memória, mas pelo de sua vida”.
Algo a ver com o Brasil de nossos dias?
José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.