Nesta semana, em que se comemorou o “Dia Internacional da Mulher”, vêm-me as sequelas das mulheres, maiores ou menores, que viveram ou vivem sob posse. Recordo-me, de imediato, de Anna Jacintha de São José, conhecida por Dona Beija, da memória de Araxá, onde viveu na primeira metade do século XIX e de Harriet Vanger, personagem do romance de suspense do escritor sueco Stieg Larsson, adaptado para o cinema no filme “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”. Além, evidentemente, das mulheres, vítimas de violência sexual, a maioria desde a infância, que, nestes 29 anos de Pastoral da Mulher, conheci e, com lágrimas, me disseram de suas tragédias.
Conta-se que Dona Beija, após seu avô ser assassinado, foi raptada, violentada e maltratada pelo ouvidor do Rei, Joaquim Inácio Silveira da Mota, durante a passagem deste por Araxá, com quem teve que conviver, em Paracatu, até que ele, chamado pelo Imperador, retornasse à corte no Rio de Janeiro. Voltando a Araxá, para recomeçar sua vida, a sociedade local a excluiu a ponto de um grupo de senhoras, de “moral ilibada”, oferecer-lhe, como “presente”, um pacote de estrume. Decidiu, após esse acontecimento, por fundar a Chácara do Jatobá, um bordel refinado, onde ela se transforma num mito como cortesã. Embora fosse analfabeta, mãe solteira, alcançou uma posição social favorável e casou duas filhas com membros da elite local. Por volta de 1850, mudou-se para Bagagem (atual Estrela do Sul), onde viveu até a sua morte em 1873. Seu testamento demonstra, sobretudo, que não possuía muitos bens e se tornara inteiramente dedicada à fé católica.
Segundo Thomas Leonardos, autor do livro “Dona Beija – A Feiticeira do Araxá” – Editora Record -, após tomar contato com a verdade sobre a “preferida” do Ouvidor, percebeu que a vida dela, a quem se negou o direito de amar e ser amada, foi de sofrimento e de luta dramática e desigual contra o poder, contra o seu arraial, o seu meio, a sua época.
Quanto a Harriet Vanger, é ficção a partir de uma história possível, em que uma mulher se encontra sob o poder de um macho. Harriet some, sem deixar pistas, na ilha de Hedeby, norte da Suécia. Inconformado com seu desaparecimento e após longo inquérito policial, seu tio contrata o jornalista investigativo Mikael Blomkvist, que se junta a uma investigadora particular para chegar à realidade dos fatos.
Perversões sexuais e abuso de poder que se estende pelo corpo, pela emoção, pela vida da mulher têm como autor homens que não amam as mulheres e homens assim necessitam ser detidos. Creio que ainda falte, no “Dia Internacional da Mulher” e em todos os dias, um número maior de vozes indignadas, que exijam ações mais efetivas contra a violência sexual às claras e atrás dos biombos.
Maria Cristina Castilho de Andrade
É educadora e coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher/ Magdala.Jundiaí- Brasil
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