O poeta é aquele que se desmembra em “eus”, ou é ele próprio, nu e desmistificado? Ouve o que sopram as musas ou obedece à direção do vento, mesmo não o sentindo alisar face e braços? Assenta-se sobre o fantástico ou entrega-se à firmeza do chão? Em qual ficção ele reside, que abrindo portas e janelas, novos lares vão acolhendo suas angústias, tristezas, frustrações, anseios e dúvidas?
“Inspiração” – substantivo feminino atribuído ao poeta quando do momento da criação. Onde começa e onde termina tal sensação?
Vates transformam concretude em sensibilidade, palpável em subjetividade, e quase sempre plantam-se na divisa da tensão entre o real e o imaginário. A inspiração pode ser aquela vontande incontida derramada por suas veias, coração e cérebro, e diante do aceite de tal fenômeno, natural e necessário, decodificam com seu olhar captador de entrelinhas cotidianas, aquilo que até então era intraduzível.
Esta tradução será apropriada por incontáveis pessoas, tornar-se-á pública, provocará variadas leituras, sujeitas ao grau de temperatura, estado de espírito e demais fatores internos e externos que fazem do ser humano um camaleão diário.
O amálgama sobrevindo da percepção do poeta é mais que alquimia e finca suas raízes em descobertas infindas. A simbiose criador/criatura é transferida do âmbito íntimo para a esfera coletiva; é compartida, num ato vital democrático; é a abstração convertida em fruição concreta; é o gozo ancestral manifesto.
Retornando à “inspiração”, tenha ela qual conceito tiver, exista pouco ou muito no processo criativo, o fato é que não está solta, à mercê de um ente que a capture no ar e a utilize como um mote psicográfico. O poeta labora, é um trabalhador, faz uso de técnicas, de estilo e de habilidade pessoal para apresentar o que tem de mais precioso.
O poema está para o poeta como o ar para o ser humano; a palavra é o ar que o poeta respira, decifra e transpira pelos poros em forma de versos.
E se o ato de inspirar é involuntário a todo ser vivo... podemos dizer que todos somos inspirados. Falta-nos a atenção necessária para a poesia cotidiana.
Renata Iacovino, escritora e cantora / reiacovino.blog.uol.com.br /
reval.nafoto.net / reiacovino@uol.com.br
OS MEUS LINKS