“Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la./Em cofre não se guarda coisa alguma./Em cofre perde-se a coisa à vista./Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.”
A vida é um eterno guardar.
Guardamos papéis, guardamos lembrança – em total redundância –, guardamos caixas – cheias e vazias –, guardamos rancor, guardamos dinheiro, guardamos o dia, guardamos o tempo, guardamos uma imagem, uma paisagem... guardamos até o impossível.
Acabo de jogar fora um tanto de papéis e parece que nada aconteceu. Basta desocuparmos um espaço para logo vir algo a preenchê-lo. E não é assim na vida? Ás vezes...
Pois guardamos a memória, guardamos as lembranças, guardamos roupas – as que usamos e as que nunca usaremos –, guardamos um susto, guardamos a comida, guardamos a esperança, guardamos a aflição, guardamos livros, guardamos folhas secas, guardamos inutilidades, guardamos futilidades...
Mas guardamos nossos amores, guardamos as sutilezas, guardamos a liberdade, guardamos o olhar, guardamos o riso incontido, guardamos a verdade.
“Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por/ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,/isto é, estar por ela ou ser por ela.”
Guardamos nossos pecados, guardamos nossos pudores, guardamos nossa inocência, guardamos nossa indecência, guardamos as máscaras – nossas e dos outros –, guardamos nosso silêncio, guardamos nosso brado, guardamos nossos perigos, guardamos nossos voos.
“Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro/Do que um pássaro sem voos.”
Guardamos a mala, guardamos o mala, guardamos a raiva, guardamos a palavra, guardamos o incômodo, guardamos a prosa...
“Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica/por isso se declara e declama um poema:/Para guardá-lo: Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:/Guarde o que quer que guarda um poema:/Por isso o lance do poema:/Por guardar-se o que se quer guardar.”
Guardamos os pedaços, guardamos a ira, guardamos a dor...
Hoje não guardei o poeta Antonio Cicero, publiquei-o para que seja também guardado por vocês.
Renata Iacovino, escritora, poetisa e cantora / reiacovino.blog.uol.com.br /
reval.nafoto.net / reiacovino@uol.com.br
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