Meu pai ficou órfão muito cedo: aos três, falecera-lhe o pai, de pneumónica; aos oito, a mãe, tuberculosa.
Ficou ao cuidado de avó, senhora desprendida de bens materiais e virtude, que rondava santidade.
Foi triste a infância – segundo contava,- e os amigos, como era simples e pobre, contavam-se pelos dedos.
Entre as poucas casas que frequentava, em companhia da avó, era a de Cal Brandão, sita na esquina dos Clérigos e rua do Almada.
Enquanto esta palestrava, meu pai, que era ainda menino, entretinha-se, na larga varanda, a observar o largo dos Lóios, atento ao ardina que apregoava o “Século” e o “Pim Pam Pum, ,suplemento infantil, que trazia leitura para uma semana..
Nessa recuada época, recebiam visitas em determinado dia da semana. Servia-se chã e biscoitos, adquiridos em padaria de “Santa Teresa” ou de Valongo, e por vezes, havia belo bolo caseiro.
Vinha portanto da infância a amizade que o unia à Família Cal Brandão.
O tempo passou. Certa ocasião fui, na companhia de meu pai, ao escritório de advogados, na rua Rodrigues Sampaio,visitar o Cal Brandão. Nesse dia realizara-se monumental manifestação de apoio aos soldados que embarcavam para as colónias - Províncias Ultramarinas, - diziam;e mal era se houvesse engano, pois não faltava quem o denunciasse, como comunista ou coisa ainda pior!...
Caiu o discurso na guerra e na manifestação espontânea. Com ar de riso, estampado no rosto, o advogado declarou: - Há ali gente de todo o País. A troco de passeio e cerveja, arrebanham-se multidões! ….
Meu pai, sisudamente, confirmava com leve inclinado de cabeça, lamentando o lastimoso espectáculo, e a ignominia de quem se vende por tão pouco.
Ao regressar - vivia em Vila Nova de Gaia, - observei, ao redor do Jardim do Morro e periferia, centenas de camionetas, oriundas de Trás-os-Montes, Beiras e Minho e cogitei indignado:
- E é isso manifestação espontânea! ….
Meio século se passou. Chegou a liberdade, a democracia; o povo encontra-se, sem duvida, mais letrado, mas continuo a pasmar-me, ao verificar que o processo de outrora, ainda se mantêm. Mudam-se os tempos, e as pessoas, mas tudo fica na mesma!
Não há comício, que se preze, que não arrebanhe gente de longes paragens, a troco de sardinha assada, febras grelhadas e almoços grátis… tudo a troco de trazer bandeirinha e vivas a quem paga!
Afinal Salazar não era tão “patife”como o pintam! Meio século depois ainda tem discípulos… ainda que usem outros rótulos e outros modos de falar! …
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
OS MEUS LINKS