Ao subir, esta manhã, 31 de Janeiro - ou Santo António, como queiram, já que a artéria tripeira muda de nome consoante o regime que caudilha em Lisboa, - encontrei formosa cachopinha, de tez cor de centeio, e possuidora de dois graciosos totós.
Saltou-me à memória a menina que, nos anos sessenta, conheci e me afeiçoei. Mutua amizade, penso eu, já que em verdes anos quando se gosta, gosta-se mesmo.
Quarenta anos decorreram desse pueril afecto, que se esfumou a jeito de a não reconhecer, se por mágica de fada benfazeja a visse, agora, mulher e mãe.
Que saudade, Deus meu, do tempo em que subia dois a dois os degraus da escadinha que davam acesso ao sobrado!
No topo, a menina dos Totós esperava-me, para beijar e cingir os frágeis bracitos, cor de areia, ao redor do pescoço.
Vejo-a - no meu saudoso recordar, - sentada, em cálida amanhã de Agosto, no varandim, banhada de Sol, a tagarelar com bonecos; e em frigidíssima tarde de Dezembro, na saleta das traseiras, esquentando-se na braseira, sob o protector olhar da querida mamã.
Vejo-a, adolescente, sobraçando punhado de livros, a cochichar com colegas, fingindo que não me via.
Recordo, também - e como recordo! - o lindo rosto moreninho, quando ela, jubilosa, segurando-me firmemente a mão, mostrava-me a nova casa e ia descrevendo, circunstancialmente, a serventia das divisões: - Este é de meu pai; aquele é o meu e da T…..; aqui é a lavandaria….
Deslizaram os anos sem eu saber como, esbateram-se as imagens dessa época feliz. A menina de Totós - que passou a rabo-de-cavalo, - fez-se mulher e esqueceu os amorosos encontros pueris e o companheiro que cativara.
Esta manhã ao passar na rua de Santo António “ encontrei-a”, não a que conheci, mas outra tão semelhante que meus olhos regozijaram-se de gozosas lágrimas. Encarou-me, sorriu-se, mostrando os pequeninos dentes de leite e, aos saltinhos, afastou-se.
O coração rejubilou de contentamento, e gigantesca onda de saudade ecoou dentro de mim; e borbulhões de lembranças afloraram, enquanto humedeciam-se meus olhos cansados pelos anos.
Por que será que não posso esquecer a menina dos Totós?
HUMBERTO PINHO DA SILVA Porto, Portugal
OS MEUS LINKS