Levantou a SIC uma questão muito oportuna em época eleitoral, e que merece resposta clara de todos os partidos, mormente do PS e PSD. Um, porque está no governo, outro, porque pretende e é alternativa ao PS.
A pergunta é a seguinte: Quando precisa a família ter de rendimento mensal para sair do limiar da pobreza e entrar na classe média?
A frase feita e tantas vezes repetida pela esquerda: Os ricos que paguem a crise, ouve-se desde os anos setenta. Usou-a e bem, agora o líder do Partido Socialista, demonstrando o intento de aliviar a classe média da elevada carga fiscal que tem sido vitima ao longo de décadas; infelizmente esqueceu-se de definir, o que é, em sua opinião, ser rico.
Enquanto não se esclarecer a quantia mínima que a família portuguesa necessita para ser considerada da classe média ou rica, não é possível aplicar impostos justos e instituir benesses aos mais carentes.
Claro que o parecer não depende apenas dos rendimentos, mas do número de membros que constituem o agregado.
Para que cada português possa saber, na realidade a posição que ocupa na sociedade - e não pensar o pobre que é rico ou vice-versa, - e exigir, correctamente, do Estado a implantação de impostos justos, é urgente que se estabeleça, sem sombra de dúvida, qual o rendimento necessário, por capita, para pertencer à classe média ou poder-se considerar rico.
Nada melhor que este período eleitoral para se esclarecer, de uma vez para sempre, o que é ser rico em Portugal.
Será que há coragem para isso?
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
Muitos universitários ao inscreverem-se na Faculdade, começam a frequentar núcleos políticos, esperançados na obtenção de rendosos cargos e benesses na carreira que pretendem iniciar.
Este hábil estratagema, não é novidade, fui procurado nos conturbados tempos da Primeira República e praticado no Estado Novo, quase sempre com reconhecida vantagem.
Mas, nem sempre os bajuladores, os que tecem encómios a políticos, empresários e figuras públicas, obtêm a desejada benesse, por vezes, o servilismo exasperado é-lhes nefasto e contraproducente para as desmedidas ambições.
Conta-se que certa vez intimo vassalo de D. Afonso de Aragão, observando que o rei era por vezes mais clemente e generoso com os que o afrontavam e menos benigno com os validos, atreveu-se a interroga-lo da razão de tal procedimento.
Sua majestade, com acerto e graça, respondeu-lhe:
- Aos cães lançam-se ossos para que não ladram nem mordam!
Este apotegma lembra o que os políticos experientes e gestores manhosos utilizam para se manterem sempre sobre as inquietas ondas.
Com cortesia recebem, nos gabinetes, os que os afrontam e prevaricam e mostram-se rápidos a distribuírem prémios e benesses aos que podem agitar as “ massas”. Sendo, quantas vezes, severos com os contubernais e os que andam em simplicidade, para que sirvam de exemplo, dizem.
Bem sábio era o rei de Aragão, mas não era bom rei, porque rei, quer dizer: pai, e todo pai deve ser justo e honesto.
Se os nossos políticos e gestores públicos escolhessem os colaboradores pela competência e dedicação, por certo não haveria tanto concurso de povo nos comícios, nem tantos militantes nas secções profissionais; mas havia, certamente mais justiça, mais honestidade e até mais liberdade e progresso.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto,Portugal
Ao subir, esta manhã, 31 de Janeiro - ou Santo António, como queiram, já que a artéria tripeira muda de nome consoante o regime que caudilha em Lisboa, - encontrei formosa cachopinha, de tez cor de centeio, e possuidora de dois graciosos totós.
Saltou-me à memória a menina que, nos anos sessenta, conheci e me afeiçoei. Mutua amizade, penso eu, já que em verdes anos quando se gosta, gosta-se mesmo.
Quarenta anos decorreram desse pueril afecto, que se esfumou a jeito de a não reconhecer, se por mágica de fada benfazeja a visse, agora, mulher e mãe.
Que saudade, Deus meu, do tempo em que subia dois a dois os degraus da escadinha que davam acesso ao sobrado!
No topo, a menina dos Totós esperava-me, para beijar e cingir os frágeis bracitos, cor de areia, ao redor do pescoço.
Vejo-a - no meu saudoso recordar, - sentada, em cálida amanhã de Agosto, no varandim, banhada de Sol, a tagarelar com bonecos; e em frigidíssima tarde de Dezembro, na saleta das traseiras, esquentando-se na braseira, sob o protector olhar da querida mamã.
Vejo-a, adolescente, sobraçando punhado de livros, a cochichar com colegas, fingindo que não me via.
Recordo, também - e como recordo! - o lindo rosto moreninho, quando ela, jubilosa, segurando-me firmemente a mão, mostrava-me a nova casa e ia descrevendo, circunstancialmente, a serventia das divisões: - Este é de meu pai; aquele é o meu e da T…..; aqui é a lavandaria….
Deslizaram os anos sem eu saber como, esbateram-se as imagens dessa época feliz. A menina de Totós - que passou a rabo-de-cavalo, - fez-se mulher e esqueceu os amorosos encontros pueris e o companheiro que cativara.
Esta manhã ao passar na rua de Santo António “ encontrei-a”, não a que conheci, mas outra tão semelhante que meus olhos regozijaram-se de gozosas lágrimas. Encarou-me, sorriu-se, mostrando os pequeninos dentes de leite e, aos saltinhos, afastou-se.
O coração rejubilou de contentamento, e gigantesca onda de saudade ecoou dentro de mim; e borbulhões de lembranças afloraram, enquanto humedeciam-se meus olhos cansados pelos anos.
Por que será que não posso esquecer a menina dos Totós?
HUMBERTO PINHO DA SILVA Porto, Portugal
Quem, já entrado em anos, não se recorda da casa onde nasceu e foi criado? No correr da vida, a velha moradia, torna-se, por magia do tempo, numa saudade, onde as raízes mergulham, e as recordações de infância animam-se como se fossemos ainda meninos.
Aquelas velhas paredes de estuque e fasquio presenciaram a nossa puerícia, conheceram segredos e viram os angustiosos paroxismos dos nossos avós e pais.
Eram de cantaria, de amplas divisões e minúsculas saletas, com traves que estalavam no Estio e gemiam fustigadas pelas intempéries desabridas, em frigidíssimas noites invernosas.
Fossem de alvenaria ou pedra ensossa, essas casas velhinhas, tem alma, e enquanto viverem, unem a família, mesmo quando se dispersa e se aparta para paragens longínquas.
A casa de meu pai tinha mais de duzentos anos. As janelas eram de guilhotina e o soalho, lurado, rangia a cada passada descuidada. Ao centro estava a escadaria. Tinha vários patins, um saguão e cave que dava acesso aos alicerces.
Em menininho receava descer aos andares inferiores, que eram sombrios e visitados por ratazanas, que se esgueiravam ao mais leve ruído.
Cada salinha tinha história. Numa falecera a avó arrimada à imagem da Virgem; noutra perecera a avozinha Júlia, que ao entardecer rezava as Avé - Marias voltada para a igreja matriz.
No amplo salão da frente, que tinha sacada gradeada, havia - dizia meu pai, - o piano de cauda, que pertencera à avó Sofia, que fora pianista e dava lições a meninas prendadas.
No topo das escadas, em lugar eminente um enorme quadro, de larga moldura doirada, representava a descida da Cruz.
Contava-se que pertencera a antepassado, cujo nome se perdera, que fora para a guerra. A demora foi grande e os herdeiros deram-no morto e despejaram a casa.
Uma bela manhã regressou. Encontrou a residência despojada das melhores alfaias e ao observar a gravura, exclamou lacrimejando de júbilo.
- Graças ao Senhor, deixaram o que mais valor tinha para mim!
Essas casas velhinhas carregadas de História e histórias, que teimam destruir, em lugar de restaurar, encontram-se impregnadas de ancestrais tradições e não são só pertença da família que as habitam, mas à cidade onde se encontram.
A casa onde nasci já não existe. Após o falecimento de meu pai, o camartelo desventrou-a, derrubou as traves seculares, desfigurou-lhe a fachada, dividiram-na em apartamentos, tudo em nome do progresso; com ela morreu um pouco de mim e todos que nela viveram e morreram.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
Deambulava, distraidamente, pelas nove horas do dia 21 de Novembro, do ano de 1903, pela rua do Triunfo, o Sr. Franz Burmester. Em sentido inverso, caminhava a passos largos, Tomaz Cardoso. Cumprimentam-se efusivamente e entabulam animada conversa.
Entusiasmado com a proeza de Belchior da Fonseca, Tomáz Cardoso revela eufórico que nesse preciso momento, nos jardins do Palácio de Cristal, estavam a encher o “Lusitano”.
Burmester fica surpreso e pressuroso encaminha-se para o Palácio em busca de Belchior, que assistia ao enchimento do balão, e prontamente oferece-lhe o apoio de potentes rebocadores.
Agradeceu Belchior a generosa gentileza e declara que não se incomodasse, pois tomaria a direcção de Vila da Feira, e caso o vento não fosse favorável, não se realizaria a ascensão.
Conhecedor do espírito aventureiro do aeronauta, Burmester instou, advertindo-o:
- “Senhor Belchior, com a sorte que tem tido receio bem que seja descuidado. “
Contraveio, sorrindo, o aeronauta, convicto dos seus conhecimentos e do sucesso obtido em anteriores ascensões:
- “ Considero estes ares como meus! … ”
Eram onze horas e cinquenta minutos quando mansamente se elevou o “Lusitano”. Na barquilha seguiam: Belchior da Fonseca, José António de Almeida, morador na rua do General Torres (Gaia) e César Marques dos Santos - conhecido por “ Menino de Oiro”,- filho do capitalista João Marques, que vivia num chalet em Vilar do Paraíso, na antiga estrada Porto - Espinho.
Cerca de uma centena de espectadores, na maioria amigos dos aeronautas, assistiam à ascensão.
Amanhã estava amena, o céu lavado de nuvens e o vento moderado não previa perigosidade.
Elevou-se o “Lusitano” perante o pasmo de todos e ruidosa salva de palmas saudou os aeronautas.
Neste em meio o balão, ganhando altura, atravessa serenamente o rio, em direcção ao Candal; inexplicavelmente guina de súbito para a Foz do Douro, tomando a direcção do Atlântico.
Verificando a alteração, não prevista o irmão de Tomaz Cardoso apressa-se a solicitar a Burmester que, sem tardança, faça sair um rebocador, pois presente presságios funestos.
Imediatamente o “Lusitano” e o “Mindelo” fazem-se ao mar e logo a seguir, do Porto de Leixões, um vapor salva-vidas sai, tentando localizar os aeronautas.
Mas o balão do Belchior, adquirido em Paris, jamais foi encontrado, apesar de aturadas buscas. O “ Lusitano” misteriosamente sumira-se na imensidão do Oceano.
Eram dezassete horas, cinco após a partida do balão do Palácio de Cristal - já se pensava o pior, - quando chega à redacção de “ O Primeiro de Janeiro” a alegre nova de Jaime Teixeira da Mota e Silva. A novidade era a seguinte: O “Lusitano” caíra no mar, ao largo da Figueira da Foz, salvando-se a tripulação.
Mas a notícia era falsa.
Pela cidade do Porto, mormente na Praça de D. Pedro, onde havia maior concentração de pessoas e principalmente no “ Café Restaurante Porto Club”, comentava-se que o balão chegara a Marrocos; outros asseveravam que havia seguras notícias que estavam sãos e salvos nos Açores e que em breve regressariam coroados de glória.
Quando a esperança de os encontrar já esmorecia, surge a feliz nova de Keeping, capitão do navio inglês “ Searchlight”, declarando que os vira junto a Aveiro e que estavam tranquilos e sem problemas.
As horas e os dias iam passando. Inquietavam-se os familiares e amigos e começava-se a crer que algo de anormal se passara. Como por magia, o balão de Belchior “evaporara-se” para sempre misteriosamente no céu azul.
Belchior da Fonseca era farmacêutico e residia na rua Cândido dos Reis, em Vila Nova de Gaia, num prédio que ficava defronte à Fonte do Cabeçudo, que tinha no rés-do-chão a farmácia.
Pouco se conhece da sua biografia. Sabe-se que era natural de Castro Daire, filho de Constantino da Fonseca, que ao tempo do acidente ainda era vivo.
Em 1912, segundo afirma Alberto Pinho Vargas, em missiva a familiar, a farmácia ainda existia e era dirigida por um tal Camacho.
A primeira ascensão de Belchior foi em Agosto de 1903, com Cartom.
Após o desaparecimento do “ Lusitano”, Cartom - famoso aeronauta gaulês, - declarou na “ Sociedade Francesa de Navegação”, que apenas dera uma aula prática a Belchior. Acrescentou ainda que o aeronauta português realizara depois várias ascensões, mostrando grande mestria.
Testemunhar disso é Mariotte, jornalista de “ A Palavra” que viajou de balão a Fiães, na companhia de Tomaz Cardoso, Corregedor da Fonseca da “Voz Pública” e Belchior, onde este mostrou possuir profundos conhecimentos a manobrar o aeróstato.
Certo é que jamais se soube o que aconteceu ao “Lusitano” após haver ultrapassado a barro do Douro. Para sempre tudo ficou mergulhado num misterioso silêncio nunca revelado.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
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