Em vésperas de Natal descia a via Merulana em direcção à Praça Maria Maggiore, na cidade Eterna, na companhia amiga de jornalista do “L’Osservatore Romano“, que na época residia na casa anexa à Basílica de Santo António.
Vínhamos a conversar sobre seitas e a extraordinária expansão que tinham no Brasil, que, segundo o interlocutor, devia-se ao facto dos líderes usarem linguagem chã e despretensiosa, quando topamos com grupo de brasileiros que saiam da via Liberiana.
Por coincidência, entre eles, encontrava-se padre franciscano de ascendência alemã, conhecido do meu amigo, que efusivamente nos saudou com exuberância e carinho, tão característico do povo brasileiro.
Como estávamos em quadra natalícia, alguém do grupo narrou a história que ouvira numa assembleia cristã.
Por a considerar bastante elucidativa e oportuna, vou tentar reproduzi-la, por palavras minhas:
Numa paróquia do interior do Estado de São Paulo, preparava-se a festa de Natal. Havia teatro, leituras do Evangelho e muitas canções, tudo ensaiado pelas catequistas e grupos de jovens.
O salão paroquial estava engalanado com lindos festões e vistosas bolas coloridas amontoavam-se ao longo do proscénio.
Num canto, o Menino Jesus de madeira, agasalhava-se numa lapinha acolchoada.
O presépio e o salão mergulhavam numa penumbra, que mal permitia distinguir os enfeites. Apenas a grutazinha, onde dormia Jesus, estava iluminada
Crianças, sentadas no chão alcatifado, conversavam e divertiam-se, enquanto aguardavam a hora aprazada do espectáculo.
De súbito, claridade diáfana surdiu na escuridão, e um vulto aproximou-se das crianças, que temerosas, se silenciaram.
Então o Tony, o mais espigadote, exclamou a medo:
- É Jesus! …É Jesus! …É Jesus! …
Passado o temor inicial, as crianças aquietaram-se e a Gé ousou questionar:
- O que queres?! Vens trazer presentes?
A Lili, a mais sapeca, não esperou resposta e pediu a boneca que vira na rua Direita, e a consola, que o bazar do centro comercial vendia como novidade.
Jesus permanecia atento, mas não proferia palavra.
Então Tomé, vendo que Jesus nada tinha para ofertar, disse revoltado:
- Não Te quero! …Não Te quero! Vens visitar-nos no Natal e não trazes nada!? - E rematou: - Meu pai sempre repete: A religião é o ópio do povo!
De semblante triste, abrindo os braços num gesto de ternura, Jesus murmura:
- Eu sou o “ presente “. Vim para vos dar a Minha paz, o Meu Amor!
Neste momento o salão ilumina-se. Jorram canções natalícias pelos auto- -falantes e a multidão penetra na sala.
Adiante, vem o Pai Natal, vestido de encarnado, de longas e alvas barbas, falsas, como falsa é a neve do presépio, sorridente, trazendo enorme saco de brinquedos. Ouvem-se palmas e todos os rostos sorriam de alegria.
A festa de Natal via começar.
Várias versões surgem na imprensa, tentando explicar o jeito como nasceu o Pai Natal dos CTT.
Afirmam uns, menos informados, que foi, como é nosso timbre, grosseira imitação do que se pratica lá fora; outros, mais conscientes, para não dizer mais nacionalistas, pretendem, na sua ignorância, enaltecer a fértil imaginação lusa, declarando, aos quatro ventos, que a ideia, ainda que não seja original, brotou da feliz iniciativa da Comercial dos CTT.
Desculpem os que assim asseveram, que venha desmenti-los. Não os acuso, porque, como bem diz o povo, anda meio mundo a enganar outro…e muitos em simplicidade e boa fé.
Mas vamos ao que interessa:
Era o ano de 1970, soube-se, na redacção do centenário matutino “ O Comércio do Porto”, que na Central dos Correios do Porto, amontoava-se abundante correspondência ao Menino Jesus.
Nessa recuada época, as crianças portuenses, na sua inocência, acreditavam piamente que quem dava as prendas natalícias era o risonho e corado Menino, e não o velhinho barbudo e barrigudo como Sancho; aproveitamento comercial do bondoso e sempre prestável S. Nicolau, pela conhecida e mundialmente famosa bebida Norte - Americana.
Em conversa com Pinho da Silva, o escritor e jornalista Costa Barreto, acicatou-o a responder, na secção “ Apontamentos” à pequenada tripeira.
A ideia era lembrar e incentivar a empresa dos CTT a dar destino digno à correspondência lançada por inocentes mãos infantis, nos marcos de correio.
Entusiasmado com a ideia, o jornalista Pinho da Silva, imediatamente contactou Mário Domingos, então responsável máximo pela Central portuense, para que as cartas destinadas ao Menino, em lugar de serem encaminhadas para refugo, fossem entregues à redacção do matutino.
Acedeu gostosamente o Sr. Mário Domingos, dando ordem imediata a Pinto Monteiro - responsável pelo 3º Sector, - para que todas as cartinhas viessem para “O Comércio do Porto”.
Nessa conjunção soube-se que em anos passados, o pessoal do Correio, num gesto de solidariedade, diria melhor: de generosidade, ofereceu uma boneca a rapariguinha, que em letra incerta, rogara ao Menino, o favor de lhe dar uma, já que era pobre e não via meio de a receber.
Comovidos, os trabalhadores, levantaram subscrição e fizeram seguir, pela posta interna, pacote postal, cujo remetente era: “ Do Céu, enviado pelo Menino Jesus, com beijos e carinhos.”
Foram estes gestos de ternura, estas histórias singelas e comoventes, que motivou a redacção do jornal a responder a algumas crianças, que endereçaram, confiantes pedidos, ao Menino Jesus.
Ao “ oficializar-se” a correspondência natalícia, perdeu-se, infelizmente, a espontaneidade, o encanto dessas missivas.
Hoje, as escolas e infantários, incentivam as crianças a escreverem ao Pai Natal dos Correios, lembrando que este não deixará de lhes enviar pequena lembrança.
E pena é que seja assim. As cartinhas de outrora eram genuínas, impregnadas de sonhos e esperanças e tornavam a época natalícia mais poética, mais encantadora, mais maravilhosa.
Ao invés, as actuais, quase todas com remetente, são escritas com auxílio de pais e professores; já não são fruto da ingenuidade da criança, mas motivadas no interesse material de vir a receber joguinho ou lembrança da simpática e velha empresa de comunicação.
São muitos os detractores da TV. Não que aquela janela aberta ao mundo, seja perniciosa, pelo contrário, mas porque quem cuida da programação apenas lhe interessa a audiência, e menospreza a qualidade. A missão primordial de um meio de comunicação por excelência, como é a TV, deve ser: informar e formar.
Informar com honestidade e formar culturalmente e moralmente o espectador.
Olvidam - ou fingem não saber, - os responsáveis, que a maioria da população, mesmo a que ostenta grau académico superior, pauta a conduta e pensar, pelo que ouve e vê na TV?!
Saberão - por certo sabem, - que a telenovela libertina e viciosa, cujas personagens levam desregrada vida, cava, nas mentes em formação - e não só, - conceitos perversos, nefastos para o jovem e a sociedade?
Conta D. Manuel de Mello, que estando em viajem, agasalhou-se numa estalagem, onde a proprietária e suas filhas liam um livro de cavalaria; e tão engolfadas se encontravam, que só o atenderam após haverem conhecido o desfecho dos amores desconcertados. Soube, mais tarde, no regresso, que cada uma das filhas, seguiu o exemplo da personagem.
Como outrora acontecia, também agora, incendiados pelas ignominiosas imagens da TV, a maioria dos jovens seguem a conduta e jeitos de pensar das figuras novelescas.
Como a telenovela, o livro, que apresenta também cenas torpes e conceitos perniciosos, pode inculcar, mesmo nas mentes adultas e de óptima formação, lesões; fissuras que teimam não cicatrizarem.
A mulher do escritor Eça de Queiroz cuidava que os filhos não lessem certas obras do pai; e o próprio Eça evitava que a filha Maria tomasse conhecimento da maioria da sua obra.
Cai aqui bem o que disse Helene Mac Innes, pelo acerto das suas palavras: O que você é hoje, depende de tudo que você viu, ouviu ou sentiu ontem; o que você aceita ou rejeita hoje, o melhorará amanhã. Nós somos o que somos, por causa do que fomos.
Assim é: Somos o que lemos, ouvimos e vimos. O nosso carácter, a nossa honestidade, a nossa conduta e pensar depende do que lemos, vimos e sentimos em épocas passadas.
Por isso os educadores devem ter especial cuidado com as leituras dos jovens e na escolha de filmes e espectáculos que frequentam.
Como dizia Fulton J. Sheen devemos escolher, na floresta das obras publicadas, as que forem melhores para a nossa formação. Fazer, como se faz com os amigos: apartar da multidão, os que nos convêm para companheiros de jornada.
Se assim fizermos, estamos a criar sociedade mais perfeita e a contribuir para a felicidade e bem-estar do mundo.
Infelizmente escasseiam, nos tempos que correm, pais cuidadosos e educadores que conduzam os jovens pelos caminhos da probidade; e deste jeito, a mocidade é manipulada pela mass-media, que explora os vícios em lucro próprio e prejuízo de todos.
E o pior é que não há quem ponha cobro ao desvario.
Tornou-se uso e também necessidade, colocar os idosos em lares. As casas são exíguas, têm poucas divisões, e o facto da mulher ter que trabalhar fora, não permite que os velhos terminem os derradeiros dias, no aconchego das casas dos filhos ou parentes próximos.
Todavia nada pior que arrancar o idoso de sua casa, privá-lo dos seus moveis e objectos que o acompanharam ao longo dos anos, para colocá-los em ambiente estranho, apartados do bairro onde nasceram e foram criados.
“Menina e Moça”, de Bernardino Ribeiro (Cap1) assevera: Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte.
Como ela, o idoso afeiçoa-se ao lugar onde nasceu, à rua onde decorreu a meninice, ao sitio onde passou a juventude; se o separam, mesmo que o levem para instalações luxuosas, onde receba esmerados cuidados, sofre atrozmente.
Por isso é que a maioria dos pais, mesmo enfermos, receiam deslocar-se para casa dos filhos.
Amigo meu, pai de várias filhas, enviuvou, e contra vontade sua teve que recorrer à hospitalidade da caçula. Decorrido semanas confessou-me desolado: A casa dos pais é a dos filhos; mas, a dos filhos não é a dos pais.
E explicou:
“Trata-me com muito carinho e sei que fica feliz se me vê alegre; mas…mas só me sinto à vontade no meu pequeno quarto, rodeado dos poucos objectos que trouxe. Perdi privacidade, perdi o direito de ser senhor de mim. Receio telefonar, ligar a TV, de ler à noite, para que não digam que gasto muita electricidade.
E prosseguiu:
Os filhos consideram que os pais têm obrigação de os sustentar, mas quando chegamos a casa deles, velhos e doentes, passamos a ser um estorvo, não só para eles, mas igualmente para genros, noras e netos.
Certamente, é a razão, que quando desterrados do ambiente habitual, acabam por falecerem, decorrido meses.
Há excepções, graças a Deus, mas a regra, penso, é essa.
O ideal seria o idoso ficar em sua casa com assistência domiciliária. Mas nem sempre é possível, nem o rendimento da maioria, permite tais mimos.
Solidão não é, como se julga, estar só, mas sim desenraizado e ocioso.
A capacidade de adaptação vai diminuindo com a idade; apartarem-se dos amigos e locais familiares, se o afastamento é forçado, é traumatizante e pode conduzir ao agravamento de enfermidades.
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