“Ando um pouco de banda / é que carrego meus mortos comigo” (Carlos Drummond de Andrade). Segunda-feira é comemorado o Dia de Todos os Santos e terça-feira, Finados. Essa segunda celebração, como ressaltou o grande poeta, deveria motivar uma natural reverência aos entes queridos, que já ingressaram no reino onde se findam todos os mistérios. Ela também pode despertar à reflexão sobre a nossa transitoriedade neste mundo – pensamento muitas vezes desagradável, e que preferimos deixar de lado. E não adianta recusarmos a sua ocorrência, nem tentar desmistificá-la, pois a nossa passagem por este planeta é breve e exata.
No século X, o monge francês Odilon Cluny iniciou uma série de rezas e festas sacras para os cristãos mortos, em 02 de novembro de cada ano, costume que se espalhou por outras religiões. As pessoas acreditavam que, rezando para os falecidos, nesse dia, os vivos diminuiriam os castigos das almas que pecaram durante a vida terrena. Após quatro séculos, a Igreja Católica oficializou a comemoração, instituindo o Dia de Finados ou Dia dos Mortos, que chegou ao Brasil pelos portugueses. Na ocasião, os templos e os cemitérios são visitados, os túmulos decorados com flores e milhares de velas acesas, aspectos que já se tornaram tradicionais.
A data nos convida a refletir sobre a morte. Constatamos que raramente nos detemos a meditar e nem mesmo, lembramos dela, evento comum a toda a humanidade, inevitável e certo. Configura-se, efetivamente, num dos poucos fenômenos acerca dos quais temos absoluta certeza: basta ter nascido para que se venha a morrer. Tal desprezo se prende ao fato de que grande parte da sociedade, seja por interesses de ordem política, social ou econômica, seja por manifesto egoísmo ou insensibilidade, imunizou-se em relação aos seus efeitos.
Nessa trilha, invoquemos o agrônomo e doutor em Ecologia, Evaristo Eduardo de Miranda, ministro de exéquias (um leigo revestido pela Igreja com a missão de encomendar corpos):- “...a morte é uma denúncia violenta contra as ilusões e a busca de bens passageiros que não remetem o ser humano à eternidade. A morte é o maior antídoto contra a alienação humana, pois ela nos dá o conceito de nossa finitude. A exemplo do que acontecia com o sexo, antes da revolução sexual, a morte se tornou um tabu” (revista “Família Cristã”- 11/1998- pág. 09) (os grifos são nossos).
Por outro lado, a morte está sendo cada vez mais banalizada em nosso país e as conseqüências deste quadro, geram uma situação de quase absoluto desprendimento (“rei posto, rei morto”). Transformada em mera fatalidade biológica, as pessoas não se importam mais com a vida dos outros e ela passou a ser um evento quase neutro, revestido da aparência de mero espetáculo. Tanto que se assiste pela TV, a centenas de mortes por dia, numa visível demonstração de abandalhamento de princípios, que rendem exclusivamente, altos índices de audiência. “...Não morre o telespectador que, do lado de cá da tela, encara a morte como mera anulação do outro, sem choro nem velas, e se impregna de certa onipotência, pois a morte não o atinge. Pode desafia-la cavalgando uma moto, fazendo sexo sem preocupações, portando-se como se fosse o único a ficar eternamente vivo” (Frei Betto – “O Estado de São Paulo”- 02/11/04- pág. A.2).
O Direito consagra a vida como o mais valioso bem a ser protegido e impõe respeito aos mortos, tanto que considera crime a violação de sepultaras. Utiliza-se de conceitos científicos para caracterizá-la nos seus diversos reflexos legais (de acordo com a Resolução 1.346/91 do Conselho Federal de Medicina – CFM, a morte é diagnostica quando não há qualquer função cerebral) e incentiva a luta pela vida até o último instante, ao proibir a eutanásia (método pelo qual se procura abreviar a existência de um doente incurável, ainda que a seu pedido ou do seu representante legal). Apesar de todas essas circunstâncias, as pessoas ainda não tratam a morte como sendo rito de passagem, como deveriam entendê-la, tanto no aspecto religioso, como no moral, nem lhe outorgam as condições de dignidade exigidas por sua concepção jurídica.
Tais constatações nos levam à triste conclusão de que a solidariedade está se exaurindo no ser humano, tanto na vida – Dom maior de Deus -, como no final desta. Mais do que nunca, precisamos reverter o quadro sombrio que assola nossa natureza, voltando a encarar a existência e o seu final, inclusive, com o respeito e o rigor que suscitam, convivendo fraterna e responsavelmente com nossos semelhantes. A efetivação deste último objetivo inclui a busca do bem comum, no pleno respeito à dignidade humana e na garantia dos direitos que daí decorre. A morte realmente é uma circunstância normal do ciclo da vida, que não devemos temer, ao contrário, necessitamos acolhe-la com serenidade, requerendo-se para tanto, empenho no progresso de conversão pessoal e no testemunho de realizações fraternas.
REFLEXÃO
O Dr. Evaldo D’Assumpção, de Belo Horizonte (MG), fundador do “Cosmo”, instituição que oferece acompanhamento aos doentes terminais e seus parentes, sustenta que a angústia existencial que hoje toma conta do homem provém da negação que há depois da morte. “Em vez de crescer no conhecimento das verdades da fé como busca crescer nas ciências, o homem simplesmente as nega, abandonando tudo, como se, negando a própria transcendência, ele a fizesse desaparecer”. Há outro aspecto ressaltado por ele: “Numa sociedade onde as pessoas são educadas para negar a morte, onde o consumismo e as solicitações ao prazer nos incompatibilizam com ela, onde o apego exige a morte da morte, não é de se estranhar às dificuldades que todos nós temos para enfrentar esta realidade concreta que faz parte indivisível da vida. E mesmo se superarmos todos esses obstáculos, ainda restará um temor: o medo de morrer” (Revista Família Cristã, 11.89, p. 34. In: MARTINELLI, João Carlos José, Direito à Vida, Ed. Literarte, 2000).
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor, professor universitário e Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas.
Quando eu partir
Não chorem nem tenham pena.
Como diz o poema,
Fui apenas
Um passarinho que cantava,
A borboleta que voava
Procurando a sua flor.
Como quem busca o amor
Para dar e receber.
Fui pedra puída pelo tempo,
Rolando com as marés.
Fui também alguém
Que gostava de viver.
De cantar
E de poder voar.
Rocha desfeita em areia,
Onda rolando em espuma,
Charco que a chuva deixou
E pensava ser espelho
Dos que passavam
E olhavam.
Mas não ficavam…
Fui um bichinho de conta
Enrolado em si mesmo
Como berlinde de vidro,
Brincadeira de criança.
Fui monte ao longe
Altaneiro
E fui campo de centeio
Ondulado pelo vento.
Fui tudo que a vista alcança
Ou apenas a criança
Que nunca soube crescer.
Não chorem nem tenham pena
Da formiga atarefada,
Da cigarra prazenteira.
Pois fui tudo
E não fui nada
Nesta vida passageira.
TEREZA de Mello
Há regadores de diversos tipos: grandes, pequenos, coloridos, de alumínio, de plástico, modernos, e até uma simples canequinha pode servir para aguar um vasinho de planta na janela. Todos têm a função de dar vida à vegetação, e é o jardineiro que sabe escolher exatamente o regador mais apropriado para cada situação. Se a chuva é pouca e não há mangueira disponível, lá vai o regador cumprir sua tarefa do dia, colaborando com a missão do jardineiro que o conduz.
Na infância, eu passava férias em Monte Sião e gostava de apreciar o lindo jardim na praça da cidade. Ficava impressionado com o capricho das
podas, formando bichos nos ciprestes e estrelas nos buchinhos – tudo verdinho, mesmo no inverno! O jardineiro levava a fama, mas o simples regador também fazia a sua parte.
E se imaginássemos que Jesus é o grande jardineiro do Pai, quem seria o regador conduzido por Ele? Antes de responder, é preciso lembrar a missão que Jesus recebeu quando veio a nós: fazer com que todos tenham vida em abundância (Jo 10,10). Usando uma imagem relacionada com a natureza, podemos dizer que Jesus veio transformar a terra seca e rachada do mundo em um jardim cheio de vida, onde todos possam encontrar as condições necessárias para viver com dignidade.
Então, para formar um jardim em que o povo possa desfrutar amor e paz, nós, cristãos, também recebemos o mesmo envio do Pai. Pelo batismo, assumimos a responsabilidade de nos tornar um só com Cristo e devemos irrigar a esperança junto àqueles de vida mais ressecada, ameaçados pela morte do corpo e da alma. Portanto, somos regadores nas mãos de Jesus!
A missão que cada ser humano tem no Jardim do Reino é singular, intransferível e nenhum outro pode realizar. Para desempenhar as tarefas com sucesso, cada regador precisa ser dócil, abandonando-se nas mãos do jardineiro para que ele o conduza aonde há mais necessidade de água. O lugar não importa, já que o regador confia no seu condutor e estará sempre disponível para servir. Pode ser usado na sua própria casa, no meio de gente abandonada, nas igrejas, nos hospitais e até em outras cidades. O importante é estar sempre cheio, porque regador vazio enferruja e não serve para nada.
E a grande vantagem de sermos regadores a serviço de Deus é estarmos repletos de água da melhor qualidade: Água Viva do Espírito Santo, a única capaz de saciar a sede do mundo! Como a samaritana do Evangelho de São João (4,15), precisamos também dizer a Jesus: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede”.
Mas, antes de querer irrigar as vidas dos outros, todo cristão deve permitir que a sua terra seca se torne um bonito jardim, contendo fontes de água pura, tipo: a escuta da Palavra, a participação na Eucaristia, a vida de oração e a prática da caridade. Somente quem experimenta disso com humildade pode ser conduzido por Cristo.
A palavra humildade vem do latim, que significa ‘filhos da terra’. Refere-se à qualidade daqueles que não tentam se projetar sobre as outras pessoas, nem mostrar ser superior a elas. Humilde também é aquele que reconhece o seu chão, que assume seus deveres e culpas sem resistência.
A humildade dos que vivem na pobreza pode ser vista pelos ricos como fraqueza. Na verdade, é preciso ser muito corajoso para levantar os humilhados que foram jogados ao chão. Também é preciso muita oração para o abastecimento do espírito; e haja água no regador!
Por isso, é bom lembrar que a nossa oração só é acolhida por Deus quando parte de um coração solidário com os oprimidos e empobrecidos. São Paulo, quando velho, preso e condenado à morte, meditou sobre a sua vida (2Tm 4,7): “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé”. É o testamento de alguém que estava com a consciência do dever cumprido e aguardava com humildade e confiança a recompensa de Deus.
Também no capítulo 18 do Evangelho de São Lucas, Jesus mostra a oração humilde de um cobrador de impostos que se apresenta diante de Deus de mãos vazias, mas disposto a acolher a graça: “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador”. No mesmo momento, mais à frente do templo, reza um fariseu orgulhoso, auto-suficiente, satisfeito pelo que é e pelo que faz: “Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de toda a minha renda”. O desprezo pelos outros contaminou a sua oração.
Eis uma grande lição para nós: um esperava a recompensa e, o outro, a misericórdia. Considerando que Jesus já nos trouxe a salvação, resta-nos conquistá-la pela súplica de perdão e prática de boas obras. Não queiramos, porém, nos justificar sempre pelas faltas, mas nos alegrar por sermos bons regadores nas obras da Igreja, pois, segundo o nosso Senhor: “Quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado”.
PAULO ROBERTO LABEGALINI -- Escritor católico, Professor Doutor da Universidade Federal de Itajubá-MG. Pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da UNIFEI
Um mestre da lei pergunta a Jesus quem era o seu próximo e Ele lhe responde com uma parábola, como encontramos no Evangelho de São Lucas (10, 30-37). A parábola diz sobre o homem que foi roubado e espancado no caminho de Jerusalém para Jericó, ficando quase morto. Passou por ele um sacerdote e um levita e seguiram adiante. Um samaritano, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Fez curativos, derramou óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal e levou-o a uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou duas moedas de prata e entregou-as ao dono da pensão, recomendando: “Toma conta dele! Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais”. E Jesus perguntou: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” Ele respondeu: “Aquele que usou de misericórdia para com ele”. Então Jesus lhe disse: “Vai e faze a mesma coisa.”
A mãe, de pouquíssimas posses, com filho detido me procurou. Seu filho, desde os primeiros anos de escola, teve dificuldade em aprender. Os colegas de classe olhavam-no com desprezo e indiferença. A indisciplina na sala de aula ou o ar sonolento, que provocavam irritação na professora, eram sintomas de que não decifrava o que acontecia na lousa, no livro e em seu caderno. Nas reuniões de pais, a mãe observava, nas folhas em branco, o fracasso de seu menino que, no final do ano, passava para a série posterior. Ela preferia que ele permanecesse na série inicial, a fim de retivesse alguma coisa, mas quem era ela para reagir contra o sistema de ensino. Ele ficou à margem na escola, embora concluísse as séries. Adolescente, acompanhou o féretro do irmão, que se tornara dependente químico, fora preso e acabara morrendo queimado em uma rebelião na cadeia. Doeu demais nele. As feridas de suas emoções ficaram à margem. Não houve quem se importasse. Há pouco tempo, o jovem candidatou-se uma vaga de emprego na área de limpeza. Deram-lhe uma ficha. Conseguiu, apenas, colocar o nome. Foi o que aprendeu na escola. A atendente lhe disse que, sem saber ler e escrever, nem adiantava voltar lá. Para sobreviver nas margens, agregou-se ao tráfico e, em 15 dias, caiu na cadeia.
O homem espancado é o símbolo de todas as pessoas que sofrem, justa ou injustamente. A lei de Jesus é a descoberta da necessidade e da miséria alheia e a prontidão em oferecer ajuda. Sem a percepção das pessoas que padecem, o amadurecimento da espiritualidade é um mero engano.
Recentemente, em uma de suas homilias, o Pe. José Brombal, que tem o dom de colocar a Palavra na vida cotidiana, comentou, com a generosidade que lhe é característica, que o “próximo”, sobre quem Jesus fala, não é aquele que se aproxima de nós, mas aquele de quem percebemos a situação de sofrimento e nos aproximamos.
De acordo com os ensinamentos do Evangelho, quem viu, no jovem prisioneiro, ainda liberto, ao longo de sua história, o seu próximo?
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
Educadora e coordenadora da Pastoral da Mulher/ Magdala
Adoro crianças. Aliás, na maior parte do tempo, mentalmente, sinto-me uma também. O mundo aos olhos de uma criança pode ser um lugar bem mais interessante. O primeiro olhar é sempre único, sobre todas as coisas, eis que colhe o que salta aos olhos, mas sem julgamentos pré-concebidos. Para as crianças, uma simples flor pode ser uma varinha esquecida por uma fada e, no mundo do faz-de-conta, até mesmo amigos são criados de acordo com aquilo que deles desejamos.
Não dá, por óbvio, para ser criança para sempre, até porque o mundo real também apresenta maravilhas que se apresentam somente a olhares mais treinados, mais maduros. O mundo precisa girar e os filhos e filhas de todas as criaturas precisam crescer. É a lei. Alguns até ficam crianças para sempre, perdidos nos desatinos e mistérios de um cérebro que se recusou a seguir adiante, mas ainda que possam ser felizes, não é destino que se deseja e nem mesmo Wendy aceitou Peter Pan assim, sempre menino.
Encanta-me, contudo, observar o peculiar mundo das crianças, suas fantasias e seu modo de pensar e resolver problemas. Penso, dessa forma, que perder a capacidade de admirar e respeitar o universo infantil é algo triste e irrecuperável. Eu mesma, quando criança, certa feita, fiz-me o juramento de que jamais me esqueceria daquela que um dia fui. Tinha medo de me perder, de deixar de ser eu mesma e me transformar em um adulto sério, sem graça e sem qualquer magia que me pudesse redimir do fato de crescer. Sempre que estou tendendo a alguns excessos, procuro a recordação da fragilidade de meus 9 anos, dos pensamentos que eu já tinha e dos planos que ousava traçar. De algum modo, parece-me, somente inflei...
O mundo infantil encanta-me, sobretudo, quando ouço as crianças respondendo às infinitas perguntas que os adultos insistem em fazer a elas. Se as questões postas, muitas vezes não possuem uma única solução, as crianças, de outro lado, seguem a pura e simples lógica. Como não podia deixar de ser, minha família toda atormenta a única criança que há. Assim, vira e mexe alguém pergunta para minha sobrinha Isadora o que ela vai ser quando crescer. No início ela respondia que ainda estava crescendo! Ou seja, o óbvio. Mas ninguém se deu por satisfeito e, outro dia, diante do hospital onde a outra tia trabalha, minha irmã perguntou novamente:
_ E aí filha, quem trabalha nesse lugar?
_ A tia Tricya!
_ O que ela é?
_ Minha tia!
_ Também. Mas no que ela trabalha?
_ Ah, ela é médica!
_ E você, o que vai ser quando crescer?
_ Eu? Ah, eu vou ser moça!!!
...
Uma aluna, bibliotecária, contou-me que uma menina com cerca de oito anos chegou até ela e perguntou:
_ Tia, se a gente veio dos macacos, porque é que lá na casa da minha vó não tem nenhuma foto com de um macaquinho com chupeta???
Acho que, se fosse eu, responderia que naquela época não tinha máquina fotográfica, mas sempre haveria o risco da espertinha conhecer datas melhor do que eu. Se fosse pela lógica das crianças, o ideal seria responder assim:
_ Sei lá. Pergunta para sua vó. Lá na casa da minha tem...
Brincadeiras à parte, cada vez mais eu tenho a certeza de que tudo que resta aos adultos é a dúvida. Dúvida quanto às mil questões que nos apresentam todos os dias, perdidas em um mundo que seria bem melhor se fosse governado pela lógica infantil
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA- Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo
Em outubro de 2008 realizou-se em Roma um Congresso Internacional com trezentos participantes ao ensejo do décimo ano da publicação da notável encíclica do Papa João Paulo II sobre a “Fé e Razão”. Na oportunidade Bento XVI. ressaltou a “perdurante atualidade” desta Encíclica. Grande, de fato a importância de conjugar Fé e Razão, respeitando-se a esfera de autonomia de cada uma. De uma maneira clara, metódica, didática João Paulo II exaltou a capacidade da inteligência humana de atingir a Verdade objetiva, mostrando que a revelação deve ser para o ser racional o referencial supremo na busca desta mesma Verdade. Razão e Fé ajudando a Ciência para que esta não se isole em caminhos tortuosos. A Ciência não tem condições para elaborar princípios éticos para que possa estar realmente a serviço do homem que é um animal racional. A Encíclica divide-se em nove partes: introdução, sete capítulos e a conclusão. Neste texto destacamos seus principais ensinamentos. A introdução mostra que o homem é um investigador de si mesmo e pode atingir a verdade como tal. Ele sempre, com maior ou menor lucidez, levanta estas questões: “Quem sou eu? De onde vim? Onde estou? Para onde vou? Que me é licito esperar”. Ressalta o Papa que quanto mais o homem conhece a realidade e o mundo, tanto mais se conhece a si mesmo na sua unicidade. Mostra que a Filosofia tem um papel fundamental nesta busca do próprio conhecimento, dado que “a Filosofia tem a grande responsabilidade de formar o pensamento e a cultura por meio do apelo perene à busca da verdade". A Filosofia é caminho para se conhecer verdades fundamentais, é ajuda indispensável para aprofundar a compreensão da fé. Não se pode, porém, endeusar o conhecimento humano sob pena de se cair no agnosticismo, no relativismo, no ceticismo. O efêmero elevado a nível de valor é o grande perigo da cultura dita pós-moderna. No capítulo primeiro discorre o Papa sobre a revelação da sabedoria de Deus. Jesus é o revelador do Pai. A Razão se vê diante do mistério, pois o Eterno entrou no tempo, mas no interior do homem habita a Verdade. Nos Capítulos II e III está a explicação do dito de Santo Anselmo: “Creio para entender. Entendo para crer”. É que "o homem, por sua natureza, procura a verdade. Essa busca não se destina apenas à conquista de verdades parciais, físicas ou científicas; não busca só o verdadeiro bem em cada uma das suas decisões. Mas a sua própria pesquisa aponta para uma verdade superior, que seja capaz de explicar o sentido da vida; trata-se, por conseguinte, de algo que não pode desembocar senão no absoluto" (n.33). O capítulo IV aprofunda a questão da relação entre Fé e Razão. Mostra o Papa que “Deus, sendo ao mesmo tempo o criador da razão humana e o autor da fé, é o garantidor da harmonia entre ambas”. Foi dramática a separação entre Razão e Fé na Filosofia Moderna. Com efeito, a razão sem a fé percorre sendas marginais. A fé sem a razão corre perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. O capítulo V discorre sobre as intervenções do magistério em matéria filosófica. É que o Magistério, em virtude de seu ofício defender a verdade, sempre se mostrou solícito pela filosofia, incentivando o cultivo de uma reflexão autêntica, reconhecedora da Transcendência e da dignidade do homem. A Igreja não poderá, porém, conformar-se com uma filosofia que negue a capacidade metafísica do homem, fechando-lhe as portas para o Transcendente. Por isso, cabe ao Magistério da Igreja, em sua diaconia da verdade, intervir quando as grandes verdades sobre Deus, o mundo e o homem forem postas em causa. O capítulo VI desce a detalhes sobre a interação da filosofia com a teologia. O homem é por natureza um filósofo, mas a teologia contribui com a Filosofia no sentido de purificá-la, daí a harmonia construtiva entre o saber filosófico e o teológico, pois “todo aquele que crê pensa; crendo, pensa e pensando crê” O Capítulo VII fala das exigências e tarefas atuais, inconciliáveis com a fé, a saber, o imanentismo, o relativismo, o historicismo, o positivismo, o existencialismo ateu, o pragmatismo. A conclusão mostra que grande é o valor da Filosofia para a compreensão da Fé, mas enormes as limitações em que a Filosofia se vê quando esquece ou rejeita as verdades da Revelação. Cumpre, contudo que “à firmeza da fé corresponda a audácia da razão”. O Papa termina se referindo a Maria, a sede da Sabedoria, a mesa intelectual da fé. Vale a pena estudar esta Encíclica tão rica de ensinamentos preciosos que alargam os horizontes da Razão e da Fé.
Côn. JOSÉ GERALDO VIDIGAL DE CARVALHO - Membro da Academia Mineira de Letras, Diretor Espiritual do JSC.Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos
Santa Tecla dizia para suas comandadas: "Não deixem o trabalho cair na monotonia. Cada dia é um novo dia; cada vez é uma nova vez!"
Esse alerta deve ser lembrado por todos os vicentinos. Todos nós temos o dever de fazer com que nosso trabalho vicentino não caia na rotina.
Pode ser o presidente dirigindo sua conferência; pode ser o confrade e a consócia em seu trabalho de visita ao assistido, ou na sua participação nas reuniões semanais.
Nada é mais chato do que assistir a uma reunião em que o presidente não a prepara. Ele simplesmente chega na hora, se limita a seguir o roteiro, buscando na gaveta da mesa da sala de reunião uma leitura qualquer, às vezes até repetida. Suas palavras são sempre as mesmas em todas as reuniões. Sabe-se de cor tudo que ele vai fazer ou dizer.
Por outro lado, é gostoso assistir uma reunião em que o presidente é criativo. Cada reunião é sempre diferente da outra, sem que o dirigente deixe de seguir o roteiro costumeiro.
Ele sabe motivar os presentes, sejam eles visitantes ou não.
Não sei se estou sendo injusto, mas acho que as Conferências dirigidas por mulheres parecem ser mais animadas. Elas sempre têm uma motivação para alegrar uma reunião. É o aniversário de qualquer dos membros, onde uma pequena confraternização é feita, é um terço rezado com mais entusiasmo, é uma participação nas assembléias com mais atrações, é a visita semanal ao assistido feita com mais carinho e menos cobranças. Não raras vezes os aniversários dos assistidos são comemorados com bolo guaraná e pequenos presentes.
Aliás, Ozanam dizia que o melhor presidente que ele vira dirigindo um conferência, era um humilde serralheiro, o que quer dizer que para ser um bom presidente basta apenas ser um confrade ou consócia de boa vontade. Escolaridade nem sempre conta.
Já o vicentino ao fazer a sua visita ao assistido não pode ficar naquela de só reclamar e repreender. Cabe a ele fazer com que sua visita seja alegre, produtiva. Se houver motivo de admoestação, que se faça, mas com brandura, lembrando-se que aquele que ali está é um nosso irmão.
ALUIZIO DA MATA - Vicentino, Sete Lagoas, Brasil
.Dizia o nosso Cruz Malpique, homem de vasta cultura e óptimo observador dos comportamentos sociais, que não há, em Portugal, críticos honestos. Em crónica publicada no “Notícias de Guimarães”, de 04/10/91, o conhecido ensaísta asseverava: “ A crítica, entre nós, é a impressão escrita sobre os joelhos, com a pressa de quem vai salvar o pai da forca; escrita por amizade, ou por antipatia; a nem sim nem sopa; a de ajuste de contas (agora é que ele vai saber de que força é o filho de meu pai!); a de ciúmes recalcados…”
É do conhecimento geral que não basta capacidade de trabalho para fazer carreira na empresa, principalmente na pública. Todo o ambicioso recorre à política, que é generosa para os que curvam o espinhaço e bajulam deputados e ministros.
Na literatura, como na vida, para ter sucesso é mister ser subserviente. Não há êxito sem talento, mas há talento sem êxito.
Sabe-se que ao atribuírem os prémios, os júris raras vezes são imparciais.
A 29 de Maio de 1990 “ O Primeiro de Janeiro”, pela pena de Maria da Gloria Padrão, dizia que David Mourão-Ferreira ganhou o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores de 1986, não pela qualidade do livro ( que certamente era excelente), mas pelo cargo público do escritor Pela mão de David Mourão-Ferreira passava os dinheiros da Gulbenklan ( David era o primeiro a não saber) - esclarece a articulista.
Também a 06/10/99, o matutino “ O Comércio do Porto” trazia a seguinte notícia baseada no diário sueco “Dagens Nyheter”: “ Uma firma de relações públicas fez, a pedido de autoridades portuguesas, uma “intensa” promoção do escritor português para que ele ganhasse o prémio”
“A firma de Estocolmo “ Jerry Bergstroem AB” foi encarregada em 1997, pelo Instituto de Comércio Externo Português (ICEP), de realizar uma “ Campanha promocional” a favor de José Saramago, que recebeu efectivamente, no ano seguinte, o 95º Nobel de Literatura, precisou a publicação.”
“ (…) Segundo o “DN”, a firma sueca também organizou em Setembro do mesmo ano um seminário numa grande livraria em Estocolmo, no qual José Saramago participou. Na mesma altura arranjou para os seus clientes “numerosas” entrevistas para jornais, rádios e televisões suecas. “ Portugal nunca teria ganho um Prémio Nobel e uma parte da nossa missão consistiu em mudar este estado de coisas” disse ao jornal o responsável da empresa “ Jerry Bergstroem”.
“ Enquanto isso, o antigo secretário perpétuo da Real Academia Sueca, Sture Allen, refutou vivamente estes argumentos. “ Seria absurdo acreditar que estes “ lobbistas” pudessem influenciar a escolha da Academia, disse ao jornal.”
E agora, se me permitem, o parecer da escritora Augustina Bessa Luis, sobre a atribuição de um prémio literário em Itália:
Segundo o “CP” de 23/11/95, Augustina Bessa Luis “ que integrou o júri do importante Prémio Internacional de Literatura da União Latina, criticou ontem os critérios da atribuição do galardão.”
Em declarações em Roma, a escritora lamentou que o júri não tenha tempo suficiente para conhecer os autores propostos para o prémio “como posso fazer um juízo de valor sem conhecer o autor?” – questionou a escritora, defendendo que “ deviam dar tempo suficiente, de um ano para o outro, para o júri ler, pelo menos, um livro de cada autor, o que não foi o caso.”
Acrescentou ainda que os elementos do júri receberam alguns livros “ só um mês antes da reunião do júri.”
Esclareceu também que a portuguesa Lídia Jorge, um dos nomes analisados para atribuição do prémio, parecia ser desconhecida para os italianos que faziam parte do júri.
Como se vê prémios e sucesso não depende apenas do talento - sem ele é difícil ser conhecido, - mas da máquina publicitária.
Mas há quem ingenuamente pense que não, e corre à livraria para adquirir a obra premiada; e despreza, quantas vezes, o escritor de valor, que vive na mesma cidade e frequenta o mesmo bar, onde vai saborear o cafezinho.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
O Grito do Ipiranga, acontecido há 188 anos, despertou no coração dos brasileiros a sensação de liberdade e sentimentos patriotismo e ufanismo nacional. Afinal, deixar de ser colônia foi como passar da minoridade para a maioridade e começar a ser alguém no contexto das nações livres! Ainda agora, esses sentimentos se renovam nas comemorações do Dia da Pátria, embora com mais realismo. De fato, damo-nos conta de que resta muito por fazer para que os sonhos e aspirações mais elementares de muitos brasileiros se tornem realidade. É significativo que, nesta mesma data comemorativa, movimentos sociais e organizações pastorais da Igreja promovam o “Grito dos Excluídos”.
A dependência colonial do País prolonga-se em nossos dias, embora de formas mais sutis, camuflada na trama das relações econômicas, financeiras, comerciais e culturais; independência e autonomia permanecem sonhos distantes na vida real de muitos brasileiros, que vivem na miséria, ou em condições de grave precariedade social e econômica. E a vida política continua dominada por poderosos interesses de grupos, em vez de estar voltada para as necessidades da população mais dependente do Poder Público para a proteção de sua dignidade e a promoção de seus direitos essenciais. O povo precisa participar da política. O Grito do Ipiranga foi possível porque Dom Pedro contava com o respaldo e a pressão dos movimentos e lideranças políticas da época; hoje, para a afirmação do processo democrático, a população toda é chamada a participar e a dizer o que deseja para o Brasil.
As próximas eleições são uma ocasião importante para a participação consciente e responsável dos cidadãos nas decisões sobre os rumos do Brasil. Nesse sentido, os bispos católicos do Estado de São Paulo, em sua assembléia anual de junho passado, elaboraram uma série de orientações baseadas na Doutrina Social da Igreja. Votar bem é importante para o Brasil; deixando agora de fazer as escolhas certas, poderíamos estar colaborando para que o País seja governado mal, leis desajeitadas e até injustas sejam aprovadas, a riqueza nacional seja mal administrada, ou desviada de sua legítima destinação, e o sofrimento de muitos brasileiros se prolongue por mais tempo.
No sistema democrático, o poder político emana do povo e quem for eleito para governar ou fazer leis, precisa ter a consciência de que o mandato significa um serviço ao povo e ao País. Aos eleitores cabe verificar se os candidatos estão comprometidos com as grandes questões do País, que requerem ações decididas de governantes e legisladores, como a promoção de condições de vida digna para todos, a economia voltada para a criação de empregos e a melhor distribuição da renda para a superação da pobreza, educação de qualidade, saúde, moradia, saneamento básico, respeito à vida e a preservação do meio ambiente. No período que precede as eleições, os eleitores têm o direito de cobrar de partidos e candidatos posições claros sobre essas e outras questões importantes para o Brasil; e não apenas dos presidenciáveis, mas também dos pretendentes a uma cadeira no Legislativo, pois passam por este Poder da República as grandes decisões políticas.
Governar bem é usar com transparência os bens públicos; é governar para todos, e não apenas em benefício de grupos restritos, dispostos e organizados para se beneficiarem do Governo ou do Congresso para a proteção de seus interesses particulares. Político bom compromete-se com o bem comum, que se expressa na garantia da liberdade, da justiça e solidariedade social, segurança pública e cultura da paz, no respeito pleno à dignidade da pessoa e seus fundamentais direitos, em especial, o direito inviolável à vida humana desde o seu início até à morte natural. Estes valores são irrenunciáveis para o bom convívio social e o desenvolvimento cultural de um povo.
As eleições oferecem a ocasião de escolher cidadãos dignos, de ficha limpa e capazes de governar e legislar com sabedoria e prudência. Dos eleitores, isso requer um esforço para conhecer os candidatos seus partidos, para não votar de maneira inconsequente. Alguém entregaria as chaves de sua casa ou a senha do cofre a um zelador desconhecido ou não-confiável? Mas será que a atual maneira de fazer a campanha eleitoral favorece a desejável aproximação dos candidatos em relação aos eleitores? Quem conhece o personagem que fala no rádio ou aparece na TV, prometendo fazer isso mais aquilo? Quantos conhecem os programas dos partidos, aos quais os mandatários ficam atrelados depois? Um aperfeiçoamento do sistema eleitoral se faz necessário, junto com uma boa reforma política.
Voto não deve ser vendido; seria corrupção eleitoral, a ser denunciada; uma vez comprovada, faria perder o mandato, conforme a lei 9840. Também não se dá o voto em troca de favores ou vantagens imediatas, pois ele é a expressão da liberdade e da dignidade de cada eleitor; e não se deve vender barato - nem caro - a própria dignidade! Voto é secreto e pessoal, mas não é assunto apenas privado, mas exercício de uma responsabilidade pública; não tem preço, mas tem consequências para a coletividade. Nas urnas, o eleitor deposita um “voto de confiança” nos candidatos e partidos. Por isso, é preciso examinar a história pessoal dos candidatos, suas idéias e as propostas defendidas por eles e seus partidos. Confiança é dada a quem a gente conhece.
Questões que também deveriam merecer a consideração dos eleitores são a família e a religião. Família é patrimônio da humanidade e um bem insubstituível para a pessoa. Por grandes que sejam os problemas que a instituição familiar enfrenta, continua sendo melhor ter família que não a ter. São comuns as cobranças à família: por não cuidar bem dos filhos, não os encaminhar para a escola, não lhes ensinar boas maneiras, por deixar que se percam nas drogas... Ou porque não prepara bons cidadãos, trabalhadores responsáveis. Mas quem cuida da família, ou a defende e lhe assegura as condições para bem cumprir suas atribuições? Certa cultura anti-familiar deveria merecer maior atenção política. A sociedade que descuida da família destrói suas próprias bases. Que projetos construtivos os candidatos e partidos têm para a família? Os eleitores podem contribuir para que o Poder Público promova o casamento e a família bem constituída, ou também para a dissolução cada vez maior dela. Também a religião pertence à identidade de um povo e não deve deixar de merecer a atenção a postura de partidos e candidatos sobre a liberdade religiosa e de consciência, o respeito pelas convicções, símbolos e instituições religiosas dos cidadãos e a livre manifestação de sua fé.
Card. Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo
Publicado em: "O ESTADO DE SÃO PAULO", ed. de 11.09.2010
Tudo bem que São Paulo é quase uma torre de Babel, tamanha a profusão de pessoas que aqui vivem, provenientes dos mais variados lugares do país e do mundo. Natural, assim, que igualmente variadas sejam as línguas aqui faladas. Embora algumas vezes eu me irrite quando pessoas cujo idioma não compreendo, falam comigo em português e entre si falam na outra língua, dando-me a impressão de que me xingam ou que tiram sarro de algo, eu aprecio a convivência com gente diferente, com culturas diferentes. Para mim, essa é, inclusive, umas das maiores qualidades das grandes cidades, um de seus atrativos...
O que não concordo é com o “estrangeirismo” que parece tomar conta da publicidade em geral. Para todo lugar que se olhe, quase tudo que se ouve é apregoado em inglês. Escolas tem nomes estrangeiros, bem como produtos para beleza, roupas, alimentos. É compreensível que uma casa de produtos importados tenha um nome equivalente, bem como que as pizzarias tenham nomes italianos, mas, correndo o risco de que seja ignorância de minha parte, acho piegas os Cabelereiros não terem esse nome. Não sei a diferença entre um “Hair Style” e um “Coiffeur” e para dizer a verdade não quero saber. Não que eu não conheça a tradução literal das palavras, mas não entendo é a razão pela qual um Salão de Beleza não pode simplesmente se chamar assim...
Antes que alguém me critique, não estou afirmando que os lugares não possam ter nomes que não sejam em português, mas preocupa-me o fato de que cada vez menos o tenham. Quase ninguém mais mora no Prédio Santa Luísa ou no Jardim das Flores. É como se todo mundo agora tivesse se mudado para a “Maison Charlotte” ou para o “Ville Blue”. Será que morar no “Jardin d’ Paris” é muito melhor do que morar nos Jardins da Serra? Talvez seja mais chique, sei lá...
O meu carro não pode ser protegido pelo Carro Seguro, mas pela “Car Seguration”, bem como está cada dia mais difícil encontrar a boa e velha Liquidação. “Sale”, porém, ou “Tudo off” (espécie de híbrido linguístico, talvez??), tem em qualquer esquina... Nem pense em procurar um spray “Ar Fresco”; já um “Air Wick Fresh” é facilmente encontrável em qualquer mercado...
Em um país repleto de analfabetos funcionais, onde muita gente sequer pronuncia corretamente as palavras básicas do idioma português, penso que usamos demais outras línguas, essencialmente o inglês. Conheço pessoas, que moram e sempre moraram no Brasil, fluentes em outra língua, mas que ainda mandam um “gratuíto” (com acento no i), sem o menor pudor.
Posso ser uma simplória, mas creio que está na hora de uma reflexão sobre como usamos a nossa língua, nosso patrimônio cultural. Sinto que queremos mais conhecer a casa do vizinho do que a nossa própria. Será vergonha de sermos o que somos? Será desconhecimento da riqueza de nossa língua? De minha parte, “ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, a língua portuguesa eu não deixaria...” E que quiser que procure nas línguas alheias, outro sentido para a palavra saudade...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA- Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo
Lutar contra o consumismo é tarefa árdua. Aliás, mais fácil é ceder aos apelos publicitários e deixar-se levar pelas compras compulsivas, especialmente quando se tem condições.
Em recente oficina ministrada ao público infantil, por ocasião do dia das crianças, deparamo-nos com interessante observação de uma avó que levara suas netas para participar da atividade. Dizia que queria algo diferente para aquela data, que não fosse comprar, consumir, enfim, trocar algo de apelo comercial e de pouco conteúdo afetivo, por um “presente”, de fato, para suas netas.
Tal atitude é uma vitória! Segundo o Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, a atividade mais praticada pelas crianças é assistir televisão. O grande mal está, principalmente, nos anúncios publicitários que recheiam as programações. E este cenário é prejudicial, segundo especialistas, a outros aspectos, como hábitos alimentares pouco saudáveis e contato precoce com temas adultos. 80% das crianças entre 3 e 11 anos têm a TV como principal atividade de lazer.
A pesquisadora Isabella Henriques diz que os pais devem estar atentos em datas especiais, quando o comércio fica abarrotado de gente: Natal, Páscoa, Dia das Crianças, para que não sejam confundidos com dias em que se ganha presente.
A ANJOTI – Associação Nacional do Jogo Patológico e Outros Transtornos do Impulso, do Instituto de Psiquiatria da USP, possui programas e projetos voltados a transtornos de impulso, entre os quais, a “oneomania”, popularmente conhecida como “compra por impulso”. Dentre suas características, constam a preocupação excessiva e perda de controle sobre o ato de comprar e comprar para lidar com a angústia, ou outra emoção negativa.
O assunto é sério e urgente. Devemos estar atentos, pois em breve chegará o Natal e precocemente somos bombardeados com apelos de toda natureza comercial, a fim de que gastemos o que temos e o que não temos, adquiramos o que nos é necessário e o que nos é absolutamente supérfluo, como a marca mais cara, o modelo mais avançado, o produto que está na novela e assim por diante, numa corrida contra o essencial de nós...
Renata Iacovino , escritora, poetisa e cantora / reiacovino.blog.uol.com.br /
reval.nafoto.net / reiacovino@uol.com.br
Rosinha era daqui. Vivia com dificuldade, não somente a financeira, mas também a de se curar de feridas abertas por sua história. Algumas poucas chagas ela provocara, outras vieram da falta de compaixão, dos julgamentos, da descrença em mudanças, dos que usaram o seu corpo como se ele fosse descartável, dos que lhe ofertaram o “anestésico”, para que ela, como consumidora, aumentasse o lucro. Amava os cinco filhos na perseverança do amor. Para o que se desencontrara, buscava a possibilidade de recuperar-se.
Durante 28 anos, ia e voltava da Pastoral da Mulher/ Magdala. Nas reuniões, na Catedral, emocionava-se com a Palavra de Deus e procurava retê-la na alma. Da Magdala, gostava das pessoas todas, do espaço, do convívio e, mesmo que estivesse distante, retornava nos almoços beneficentes, exercitando os seus dons de culinária. Franzina, mexia os quitutes, nas panelas enormes, nas pontas dos pés e sorrindo sempre. Cozinhar e colocar-se a serviço no fogão era seu orgulho. Sonhava conosco uma cozinha maior, um restaurante comercial. Não a dispensávamos nas festividades com iguarias e nos laços de ternura e ela, igualmente, nos via como imprescindíveis.
O sangue dela, escorrido, no início de outubro, até a última gota, pela facada violenta, em um bar do centro, gotejou em minha alma. A ação da delegada da mulher, Dra. Fátima Giassetti, em deter o agressor, foi rápida e eficiente. Soube, pelos meios de comunicação, que ele já tentara atear fogo na casa onde residia e matar a esposa da mesma maneira. A mãe o internara em uma clínica psiquiátrica, que lhe deu alta em poucos dias. Saber com exatidão o que aconteceu, dentro ou fora do bar, será difícil. O doloroso, contudo, é que uma mulher entrou no bar pelas próprias pernas e dele saiu carregada, em direção ao IML, para a necropsia. O homem entrou duas vezes. Na primeira, pelo que se ouviu dizer, o motivo foi o álcool. Na segunda voltou com a faca adquirida em comércio próximo para matar a moça. Morte planejada. Que faltou à lei, ao tentar matar a esposa, para que ele fosse retirado do convívio social? Que serviços oferece a saúde mental no Brasil, a fim de que pessoas violentas ou não, com problemas psiquiátricos, sejam tratadas de imediato? Por que a lei no país, em relação ao consumo de álcool, não é mais rigorosa? E como dói, também, saber do bar aberto, quase em seguida, após lavarem rapidamente o chão, como se a pessoa morta, que ali estivera por inúmeras vezes, fosse inútil. Era ela filha de Deus e amada por nós.
A sua sobrinha, presa há algum tempo, a quem ela visitava aos domingos, não pôde comparecer ao velório. Conseguiu licença para uso de telefone na penitenciária. Agradeceu o carinho da tia, através de um celular, encostado ao ouvido do corpo inerte. E foram tantos que passaram por ela e nos disseram de sua solidariedade! Nós sempre soubemos desse dom que ela carregava, de se fazer parceira, de se desdobrar e repartir.
À Pastoral da Mulher/ Magdala, a morte da Rosinha deu a consciência de nossa pequenez, defendendo-nos da ilusão de salvar ou transformar o mundo, o que pertence unicamente ao Senhor. Apesar de estraçalhar o nosso coração e de chorarmos por ela e por todos os tipos de miséria, dilatou-o pela piedade que nos leva a prosseguir para que a nossa vida o sangue dela não sejam em vão.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
Educadora e coordenadora da Pastoral da Mulher/ Magdala
Você já pensou na importância do giz?
Apesar de novos produtos que também servem para escrever sobre lousas, o giz ainda é um produto de extrema valia.
O que seria das escolas do interior se não existisse o giz? Creio que a mesma pergunta se poderá fazer sobre as escolas da periferia das cidades grandes.
Retroceda um pouco é recorde como foi que você estudou. O giz foi parte importante, até mesmo essencial, eu diria.
Mas, o giz é ainda muito mais importante do que a gente pensa. Com ele podemos aprender, ensinar,
fazer caridade, evangelizar e muito mais.
Fiquemos apenas com as utilidades citadas acima.
Como fazer caridade com um giz, você pode estar questionando. Na verdade, ele pode ter sido instrumento de se fazer caridade ou se deixar de fazê-la.
Hoje, olhando para trás, vejo o quanto eu poderia ter feito a mais com o giz dentro da Sociedade de São Vicente de Paulo. É certo de que eu e mais algumas pessoas o usamos para ministrar palestras em Encontros de Reflexão e em aulas da Escola de Caridade Frederico Ozanam, atual ECAFO, mas forçando um pouco mais as lembranças, vejo que alguns dos nossos assistidos, adultos, jovens ou crianças não sabiam nem ler nem escrever. Não sei se por comodismo ou por achar que seriam mais bem atendidos, preferimos encaminhá-los para escolas, as quais nem sempre eles freqüentaram. E os anos foram passando os idosos morrendo, os jovens ficando adultos e as crianças se tornando jovens, mas sem terem tipo todo o proveito que o giz lhes poderia trazer. Os que ficaram nas escolas e souberam aproveitar a oportunidade, algum beneficio tiveram. Os que não seguiram os estudos formais não foram por nós ajudados o quanto seria desejável.
Lembro-me da minha esposa, consócia da SSVP, dando catequese para crianças de uma pobreza de fazer pena. Em muitas ocasiões ela usou do giz para ensiná-las sobre as coisas de Deus em um cômodo abandonado no meio de uma roça. Também ela, na cidade, ajudou a diversos confrades aprenderem a ler e a escrever. Adultos que eram, tinham vergonha de freqüentar os poucos cursos de alfabetização que existiam. Eles, então, iam lá para nossa casa e lá ela os ensinava. Lembro-me da alegria deles quando notavam seus próprios progressos.
Quantos dos nossos assistidos não sabem nem ler ou escrever?
A Sociedade de São Vicente de Paulo poderia ter um programa de alfabetização para adultos que não podem ou se sentem envergonhados de ir até a escola e para crianças que não tem como ir à aula. Nesse caso, levaríamos a escola até eles. Claro que não falo de um programa completo, integral, mas um programa simples, de aprendizado mínimo que serviria para aumentar a auto-estima de cada um e dar-lhe a coragem de ir para um curso mais abrangente.
Assim estaríamos aprendendo com a experiência dos nossos idosos assistidos, fazendo caridade a eles e às crianças. E quanta coisa poderíamos ensinar evangelizando...
Esta reflexão foi motivada por uma frase apenas.
Temos no nosso Grupo uma senhora que possui um mini-mercado. Ela coloca uma tabuleta na frente do estabelecimento com frases de pensamentos positivos, versículos ou mensagens de evangelização.
Hoje, quando passei pela frente do mini-mercado, notei que a tabuleta estava sem nenhuma mensagem.
Estranhei e perguntei a ela por que não tinha escrito a mensagem do dia. Ela simplesmente me respondeu: — “Acabou o giz. Vou comprar mais”.
Será que durante todo o tempo em que militamos na SSVP não nos faltou o giz? Ou será que nos faltou foi a coragem para trabalhar em uma tarefa que não dá glória terrestre a ninguém, mas que certamente é reconhecida por Deus?
Ainda é tempo. Certamente, pelo Brasil afora, existem nas cidades grandes e no interior também, ocasiões e situações em que possamos usar o giz e fazer o bem.
Não se incomode com o pó que o giz deixará em sua roupa, em suas mãos e até em seu rosto. Certamente, Ozanam e São Vicente ajudarão Jesus a limpá-lo. Quem dera que todos nós morrêssemos sujos de pó de giz por ter ajudado alguém
ALUIZIO DA MATA - Vicentino, Sete Lagoas, Brasil
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