PAZ - Blogue luso-brasileiro
Quarta-feira, 29 de Junho de 2011
Card. ODILIO P. SCHERER - PARADA GAY: respeitar e ser respeitado .
Eu não queria escrever sobre esse assunto; mas diante das provocações e ofensas ostensivas à comunidade católica e cristã, durante a Parada Gay deste último domingo, não posso deixar de me manifestar em defesa das pessoas que tiveram seus sentimentos e convicções religiosas, seus símbolos e convicções de fé ultrajados.
Ficamos entristecidos quando vemos usados com deboche imagens de santos, deliberadamente associados a práticas que a moral cristã desaprova e que os próprios santos desaprovariam também. Histórias romanceadas ou fantasias criadas para fazer filmes sobre santos e personalidades que honraram a fé cristã não podem servir de base para associá-los a práticas alheias ao seu testemunho de vida. São Sebastião foi um mártir dos inícios do Cristianismo; a tela produzida por um artista cerca de 15 séculos após a vida do santo, não pode ser usada para passar uma suposta identidade homossexual do corajoso mártir. Por que não falar, antes, que ele preferiu heroicamente sofrer as torturas e a morte a ultrajar o bom nome e a dignidade de cristão e filho de Deus?!
“Nem santo salva do vírus da AIDS”. Pois é verdade. O que pode salvar mesmo é uma vida sexual regrada e digna. É o que a Igreja defende e convida todos a fazer. O uso desrespeitoso da imagem dos santos populares é uma ofensa aos próprios santos, que viveram dignamente; e ofende também os sentimentos religiosos do povo. Ninguém gosta de ver vilipendiados os símbolos e imagens de sua fé e seus sentimentos e convicções religiosas. Da mesma forma, também é lamentável o uso desrespeitoso da Sagrada Escritura e das palavras de Jesus – “amai-vos uns aos outros” – como se ele justificasse, aprovasse e incentivasse qualquer forma de “amor”; o “mandamento novo” foi instrumentalizado para justificar práticas contrárias ao ensinamento do próprio Jesus.
A Igreja católica refuta a acusação de “homofóbica”. Investiguem-se os fatos de violência contra homossexuais, para ver se estão relacionados com grupos religiosos católicos. A Igreja Católica desaprova a violência contra quem quer que seja; não apoia, não incentiva e não justifica a violência contra homossexuais. E na história da luta contra o vírus HIV, a Igreja foi pioneira no acolhimento e tratamento de soro-positivos, sem questionar suas opções sexuais; muitos deles são homossexuais e todos são acolhidos com profundo respeito. Grande parte das estruturas de tratamento de aidéticos está ligada à Igreja. Mas ela ensina e defende que a melhor forma de prevenção contra as doenças sexualmente transmissíveis é uma vida sexual regrada e digna.
Quem apela para a Constituição Nacional para afirmar e defender seus direitos, não deve esquecer que a mesma Constituição garante o respeito aos direitos dos outros, aos seus símbolos e organizações religiosas. Quem luta por reconhecimento e respeito, deve aprender a respeitar. Como cristãos, respeitamos a livre manifestação de quem pensa diversamente de nós. Mas o respeito às nossas convicções de fé e moral, às organizações religiosas, símbolos e textos sagrados, é a contrapartida que se requer.
A Igreja Católica tem suas convicções e fala delas abertamente, usando do direito de liberdade de pensamento e de expressão. Embora respeitando as pessoas homossexuais e procurando acolhê-las e tratá-las com respeito, compreensão e caridade, ela afirma que as práticas homossexuais vão contra a natureza; essa não errou ao moldar o ser humano como homem e mulher. Afirma ainda que a sexualidade não depende de “opção”, mas é um fato de natureza e dom de Deus, com um significado próprio, que precisa ser reconhecido, acolhido e vivido coerentemente pelo homem e pela mulher.
Causa preocupação a crescente ambiguidade e confusão em relação à identidade sexual, que vai tomando conta da cultura. Antes de ser um problema moral, é um problema antropológico, que merece uma séria reflexão, em vez de um tratamento superficial e debochado, sob a pressão de organizações interessadas em impor a todos um determinado pensamento sobre a identidade do ser humano. Mais do que nunca, hoje todos concordam que o desrespeito às leis da natureza biológica dos seres introduz neles a desordem e o descontrole nos ecossistemas; produz doenças e desastres ambientais e compromete o futuro e a sustentabilidade da vida. Ora, não seria o caso de fazer semelhante raciocínio, quando se trata das leis inerentes à natureza e à identidade do ser humano? Ignorar e desrespeitar o significado profundo da condição humana não terá consequências? Será sustentável para o futuro da civilização e da humanidade?
As ofensas dirigidas não só à Igreja Católica, mas a tantos outros grupos cristãos e tradições religiosas não são construtivas e não fazem bem aos próprios homossexuais, criando condições para aumentar o fosso da incompreensão e do preconceito contra eles. E não é isso que a Igreja Católica deseja para eles, pois também os ama e tem uma boa nova para eles; e são filhos muito amados pelo Pai do céu, que os chama a viver com dignidade e em paz consigo mesmos e com os outros.
Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 28.06.2011
Card. Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo
Terça-feira, 28 de Junho de 2011
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - QUANDO O MUNDO ENCOLHE
Para algumas pessoas, chega um tempo em que o seu mundo encolhe. Para outras não, embora possuam dificuldades semelhantes. Há quem enfrente as fronteiras de seus dias, após um acontecimento trágico, um acidente, ou limites do tempo, com olhos para o horizonte e há quem observa apenas onde pisa, amedrontado com os obstáculos, e existem, ainda, aqueles que trazem de volta uma situação bonita do passado a fim de que, com a emoção da saudade, amenize as dores do presente.
Em conversa com um senhor que saiu, não por vontade própria, de seu canto, para o outro, no qual não existem referências sobre sua história e nem mesmo espaço para levar com ele um pouco do que ajuntara com lembranças do que viveu, contou-me das galinhas e patos que agora cuida, como outrora, em sua infância e adolescência. É um senhor de bom nível cultural e que, para estudos e por desejar paisagens exóticas, venceu a distância entre os continentes e guardou com ele as pirâmides do Egito e o azul do gelo na Antártida. Criou os filhos com o seu mesmo anseio: vencer os muros e ampliar o quintal com jardim de seus pousos. Relata e insiste que cuida das galinhas e dos patos e da alegria deles quando o veem chegar com alimento ou não. Alegria pela presença dele. Comunhão de amor. Ilusão apenas. No lugar em que reside, atualmente, em meio a rostos desconhecidos, se bem que convivam, passam somente bandos de andorinhas com ninho no poente.
A fala dele me questiona. Onde se encontram, em sua memória, os quatro filhos? E os netos? Para que lugar foram as impressões de viagem? E os oceanos? E os tapetes de nuvens sobre os quais voou? E as obras artísticas que observou em museus e exposições de capitais de diferentes países? Foram para que lugar o aconchego aos filhos e netos, os abraços, os beijos ternos, os aplausos para os seus?
Parece-me que gravou nele, após oito décadas de vida, somente o cercado do galinheiro e o pequeno lago com patos, nos quais ele adentra, em sua imaginação, para cuidar e se sentir amado. Que triste, meu Deus! Mas ele se consola ali, sobrepondo a ternura das aves à racionalidade tantas vezes egoísta do ser humano. E ao recontar sobre sua experiência de ser amado no lugar em que as aves se recolhem, abre um sorriso imenso, que creio derrubar a cerca de arame farpado de seus limites.
Que poderá ter acontecido com ele, após vivências diferentes, para, em tempo de confusão mental, recordar-se somente da festa que lhe fazem, no imaginário, as galinhas e os patos? Que poderá ter acontecido com ele para o seu mundo se encurtar tanto?
“Há um tempo para cada coisa debaixo do céu”, diz a Bíblia. E a Palavra de Deus é sábia. No tempo em que o mundo encolhe, a vida não perderá sua amplitude se tivermos caminhado, apesar de nossas fragilidades, em comunhão de amor com o Eterno. Creio nisso.
Maria Cristina Castilho de Andrade
É educadora e coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher/ Magdala, Jundiaí, Brasil
ASSOCIAÇÃO “MARIA DE MAGDALA”
C.G.C 01217945/0001-22
Declarada de Utilidade Pública – Lei
4.906/96
Rua Senador Fonseca, 517 – Fone (011)
4522-4970
13201-789 – JUNDIAÍ-SP
http://associacaomagdala.wordpress.com
Convites do puchero já estão à venda
Os convites do puchero, almoço beneficente organizado pela Pastoral da Mulher (Associação Maria de Magdala) já estão sendo vendidos na sede da entidade, de segunda a sexta-feira, das 8h00 às 17h00 (Rua Senador Fonseca, 517) – e na Livraria Agnus Dei, Rua Senador Fonseca, 607, de segunda a sábado.
O evento está marcado para dia 17 de julho, um domingo, das 12h00 às 13h30, no salão paroquial da Catedral – Rua do Rosário, 181. O Puchero é uma comida e espanhola, muito saborosa e combina com inverno. Para quem não sabe é usado como ingredientes: abóbora, alho, batata doce, batata média, cebola, cenoura, colchão mole, couve, grão de bico, linguiça, lombo defumado, louro, mandioca, pimentão, repolho, salsa, tomate, vagem, pirão de farinha de mandioca, arroz e sopa de feijão. Como sobremesa será servido doce de abóbora e bebidas serão vendidas à parte.
Os valores dos convites são: adulto: R$ 15; crianças de 7 a 10 anos: R$ 8 e, menores de seis anos não pagam. Trabalharão na cozinha assistidas da entidade e voluntários. Importante dizer que a renda será revertida para pequenos reparos na sede do local.
“Além de arrecadar fundos, esse almoço será um momento de partilha, de integração da sociedade com as assistidas e os voluntários da entidade”, explica Maria Cristina Castilho de Andrade, fundadora da Magdala.
A Associação Maria de Magdala atualmente atende 52 mulheres que participam do projeto de evangelização e dos cursos oferecidos pela entidade. Segundo Maria Cristina, 22 estão inseridas no mercado de trabalho. A associação disponibiliza cursos de alfabetização, artesanato, pintura em tecido, bordado, crochê, tricô, culinária e cabeleireira. A entidade também oferece acompanhamento escolar para os filhos das assistidas. Mais informações: 4522-4970.
Hanaí Costa – assessora de imprensa voluntária da Magdala
Domingo, 26 de Junho de 2011
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - FESTA JUNINA
Era dia de Santo Antônio e ela tinha certeza de que, nesse ano, o Santo iria colaborar. Claudila deixara tudo pronto, só faltava acontecer. Dessa vez, ela tinha combinado com a amiga, Júlia e era impossível que ela não recebesse nenhum correio elegante.
Nos anos passados, ela se limitara a esperar. Caprichara, é claro, no penteado e na caracterização para a quadrilha. Tudo bem que, uma vez mais, seria o seu primo, Valtinho, a dançar com ela, depois dela muito pedir. No ano anterior, ela quase ficara sem par, pois o primo estava namorando e convencer a namorada ciumenta tinha custado a ela ingressos de cinema para o casal de pombinhos. A “descarada” fizera questão de ser uma sessão em 3D, o que não ficara nada barato, mas ainda assim era melhor do que não ter par para a dança.
Na cidadezinha onde morava, a festa junina de 13 de junho era o maior acontecimento do ano, até porque Santo Antônio era o seu padroeiro. Rezava a tradição que as moças solteiras não poderiam deixar de participar da “Quadrilha do Amor”, o meio mais garantido de se arrumar um candidato a marido e Claudila levava tudo isso muito a sério. Era filha única, de pais já idosos e o enxoval que a mãe vinha preparando desde que ela nascera, já ia ficando amarelado...
A prima, Marcinha, que nunca participara dos festejos do Santo, casara-se com um moço de outra cidade, o que até levou Claudila a se abalar um pouco, mas quando o casamento deles ruiu, menos de um ano depois, ela teve certeza de que o Santo não perdoava os infiéis. Por essas e por outras, Claudila mantinha-se na esperança de que, um dia desses, as coisas iam mudar. Nesse ano, Valtinho não estava namorando ninguém e, uma vez mais, aceitara dançar com ela. De certo, no ano passado, fora a influência “daquelazinha” que atrapalhara os bons fluidos da noite dedica ao Santo.
Esse ano, tudo seria diferente. Ela sonhara com Santo Antônio. Ele chegara até ela e lhe dissera:
_ Claudila, minha filha, agora é chegada a sua vez!
Tudo bem que a frase fora meio estranha, mas tava na cara que só podia significar uma única coisa: ela iria conhecer alguém especial. Logo de manhã, Claudina ligara para a sua fiel escudeira e amiga, Júlia, contando sobre o sonho. Não mencionou o fato de que o Santo, no sonho, era muito parecido com o Valtinho, porque achou que pudesse ser interpretada de outro modo, mas o que importava era que o Santo aparecera e mandara um recado. Ponto.
Júlia, casada e grávida do primeiro filho, tinha conhecido o marido Osmar há três anos, na festa de Santo Antônio e achava por bem não duvidar de nada que fosse ligado ao Santo. Assistia à solidão da amiga Claudina e já até tinha feito promessa para que ela arrumasse um namorado. Na noite da festa, empolgada, ajudou a amiga a se arrumar, ajeitou-lhe o cabelo em uma bela trança e caprichou na maquiagem. A natureza fora irônica com Claudina, poupando-lhe atributos em certos quesitos e dando-lhe abundância em outros, mas, no fim da produção, o resultado fora satisfatório.
Quase no fim da festa, depois da dança, Valtinho se engraçou com uma moça morena, muito bonita e que, com um vestido vermelho, chamava a atenção de quase todos os rapazes solteiros (e dos não solteiros). Deu um beijo na testa da prima e desejou-lhe boa sorte na empreitada. Resolveu mandar um correio elegante para a misteriosa morena, quando viu, de canto de olho, a prima sozinha, perto da fogueira, com lágrimas nos olhos. Ele já sondara os amigos, mas ninguém se interessara pela prima, mesmo depois de elogiarem todos os atributos dela como pessoa. Pensou um pouco e, momentos depois, escondido, viu quando Claudina recebeu o coração de papel azul, com a mensagem de um “admirador secreto” e como ela até pareceu mudar de cor. Fizera o seu papel de primo, agora iria curtir a noite...
Claudina nem podia acreditar! O Santo do sonho estava certo! Alguém, por ali, estava de olho nela! Ela sabia, o Santo não falhava!!! Ela precisava ir para casa e ligar para Júlia. Será que já era tarde? E se ele, o misterioso, secreto, fosse tímido e estivesse esperando o momento certo para vir falar com ela? Melhor nem sair dali! Olhou para os lados e, cada rosto masculino era o de um namorado em potencial. Ai, ele seria o amor da vida dela? Moreno? Loiro? Não importava! Bastava que fosse honrado! Que gostasse dos pais delas também, é claro! Poderíamos morar os quatro juntos, pensou. Antes que as crianças nascessem, teriam que reformar a casa, além de outras providências... Meu Deus, seria bom, logo cedo, dar uma arejada no seu baú de enxoval. Nossa, era melhor mesmo ir embora, pois muitas tarefas a aguardavam, porque hoje ela começara a ser feliz...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA- Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo
LAURENTINO SABROSA - AINDA A RESPEITO DAS VOZES DOS ANIMAIS ( Continuação)
Prosseguindo neste assunto, iniciado há algumas semanas, agradeço ao leitor que tenha presente aquilo que foi dito.
Pode notar que tal como a voz humana muda de nome conforme o tom com que é dita, também a voz de certos animais muda de nome conforme o som emitido nas diversas circunstâncias: o cão, por exemplo, umas vezes ladra, outras vezes rosna, outras vezes gane; os pintaínhos mais pequeninos, fazem quiquiriqui, mais tarde começam a piar, mais tarde ainda, se for galinha, põe-se a cacarejar e se for galo põe-se a cantar ou, também se diz, a cucuritar. Na poesia transcrita no último artigo, diz-se que geme a rola inocentinha, mas a verdade que às rolas e aos pombos é mais próprio aplicar o verbo arrulhar.
Também se verifica que o mesmo verbo imitativo, nem sempre onomatopaico, pode ser, por vezes, aplicado a animais diferentes. Piar tanto se aplica aos pintos como aos mochos. Chiar aplica-se a pardais, ratos, doninhas, macacos e lebres. Na referida poesia, diz-se que palrar tanto se aplica à pega como ao papagaio e que berrar se aplica ao touro, mas há outros animais que também berram, por exemplo, as cabras Ao touro também se poderá aplicar o verbo mugir, termo onomatopaico, derivado da onomatopeia múúú, que podemos assim escrever para exprimir melhor o prolongamento habitual do mugido do animal. O autor da poesia aplica o verbo grasnar à rã, mas a verdade é que grasnar se aplica mais aos patos, aos corvos e às gralhas: para a rã, o verbo que representa melhor a sua voz é coaxar. Continuando com as vozes de animais, e para encerrar este tema, devo dizer ao leitor que apesar de já terem sido citadas muitas palavras referentes a vozes e ruídos, a lista está longe de estar completa. Consegui encontrar mais algumas, que vou apresentar, principalmente por não serem muito conhecidas:
atitar refere-se ao gavião e outras aves, principalmente quando estão embravecidas; arensar – é próprio dos cisnes ; barrir – é próprio dos elefantes ; arruar – pode referir-se à voz do javali, do touro ou do boi ; barregar – é próprio das ovelhas e das cabras; blaterar – é próprio dos camelos ; chirrear – é próprio das corujas ; garrir – é próprio dos perus, embora gluglulejar ou grugulejar seja onomatopaicamente mais perfeito; gloterar - é próprio das cegonhas ; grinfar – é próprio das andorinhas ; nitrir é sinónimo de relinchar, dos cavalos; trinar - é próprio dos canários de outras aves canoras; pupilar – é próprio do pavão ; trinfar – é próprio das andorinhas; trissar - também é próprio das andorinhas e de outras aves como as calhandras.
A maioria dos termos que exprimem ruídos ou vozes de animais são onomatopaicos e só de os ler ou ouvir quase que já sabemos o que querem dizer. Aliás, eu penso, numa filosofia de linguagem, talvez pouco erudita, que coisa semelhante se passa com muitos outros termos, falando agora de assunto fora das onomatopeias. O termo cacofonia designa uma palavra de som áspero e desagradável ou, pelo menos, inconveniente. Como exemplo, posso apresentar a palavra CHICAGO, nome duma cidade norte-americana: cacofonia, dentro da nossa linguagem, em virtude das duas sílabas finais. Pois eu considero o termo cacofonia, como sendo ele próprio uma cacofonia, palavra sem beleza e até com aspereza. Ao leitor não lhe parece que a palavra corriqueiro é mesmo corriqueira, ou seja, sem valor, sem beleza? Será que a palavra corriqueiro, pode aparecer em poesias dum poeta que se preze? A mim me custa aceitar que sim. Ao leitor não lhe parece que as palavras mostrengo, brutamontes, abantesma, mastodonte, ódio, canalha, exprimem bem aquilo que significam? Se não lhe conhecermos o significado, “sentimos” que só pode ser coisa feia e antipática. Adivinhamos logo que não pode ser nome de anjo ou de príncipe. Em sentido oposto, atentemos bem nas palavras amor, encanto, doçura, beleza, ternura. Eu creio que também elas mostram bem aquilo que querem dizer. Quando pronunciamos a palavra beijo, até parece que discretamente damos aos lábios o jeito de beijar. A palavra encanto é cheia de encanto e a palavra ternura é cheia de ternura. Aplicando estas ideias aos termos onomatopaicos referentes a vozes de animais, a mim me parece que o termo zurrar, está mesmo bem aplicado a quem é aplicado e quase nos faz ouvir o som desagradável que representa; por outro lado, repare o leitor como são ternas as palavras arrulhar, turturinar, balir, além de outras. Dir-se-ia que muitas palavras têm uma aura que mostra a sua individualidade e nos faz adivinhar e sentir o que significam. O leitor não está de acordo? Pois então diga-mo, exprima a sua opinião e os seus conhecimentos. É salutar e interessante o debate de ideias e a troca de opiniões.
LAURENTINO SABROSA - Economista e escritor,Senhora da Hora, Portugal
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - 26 DE JUNHO. DIA INTERNACIONAL CONTRA A TORTURA. METADE DOS PAÍSES DO PLANETA USAM MÉTODOS VIOLENTOS.
O Brasil já sofreu o suficiente com a prática da tortura por razões políticas durante o período da ditadura militar e por isso mesmo violenta o sentimento de justiça continuar a conviver com as notícias freqüentes de que segue sendo efetivada, agora em relação a crimes comuns. Tal prática, inclusive, é um problema mundial e continua muito disseminada nas forças de segurança na América Latina e na metade dos países do mundo, denunciou recentemente a ONG francesa “Ação de Cristãos para a Abolição da Tortura”(ACAT),
A Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes entrou em vigor no dia 26 de Junho de 1987, que passou a ser celebrado como o Dia Internacional contra a Tortura. Nessa mesma data, em 2006, por Decreto Presidencial foi criado no Brasil o Comitê Nacional Contra Tortura, formado por especialistas, ministérios públicos, órgãos do governo federal e organizações nacionais de Direitos Humanos que atuam no combate a esse grave delito. Esse órgão se revelou de enorme importância porque transformou o tema numa política de todo o governo, deixando de ser uma questão isolada de uma secretaria e passando a ser ação estratégica.
Mesmo assim ela é sistematicamente praticada no país, mormente nas pessoas pobres suspeitas de delitos. Nossa nação já sofreu o suficiente com a prática de tortura por razões políticas durante o período da ditadura militar e por isso mesmo violenta o sentimento de justiça continuar a conviver com as notícias freqüentes de que segue sendo executada, agora em relação a crimes comuns
. Com razão se expressou Aloísio de Toledo César: “A Lei Federal brasileira 9.455 define com clareza o que vem a ser crime de tortura e estabelece a pena de dois a oito anos de reclusão para aquele que o praticar, por ação ou omissão. Quando o Estado priva uma pessoa de sua liberdade, assume a obrigação de mantê-la sob segurança, salvaguardando os seus direitos” (“Tortura ainda mais”- O Estado de São Paulo – 10/01/2009- A2)
Por outro lado, o uso de “métodos violentos e particularmente a tortura continua muito disseminado” nas forças de segurança na América Latina e na metade dos países do mundo, denunciou recentemente a ONG francesa “Ação de Cristãos para a Abolição da Tortura” (ACAT), fundada em 1974 com o propósito de aumentar a conscientização sobre o uso da tortura ao redor do mundo e defender sua abolição. “A tortura é uma prática endêmica e regular” que “afeta mais da metade dos países do mundo, da Eritreia à Guatemala, do Sri Lanka à Rússia, passando por França e Espanha”, indicou este documento intitulado “Um Mundo Torturador”.
Apresentado como uma “geografia da tortura”, o informe revisa a situação em 22 países de cinco grandes regiões do mundo. Na América Latina se refere à situação dos últimos anos em Brasil, Colômbia, Guatemala, México e Peru, e cita Argentina, El Salvador, Paraguai, Bolívia e Equador. “Herança de décadas de ditaduras militares, é freqüente que pessoas procedentes na maioria de meios desfavorecidos ou marginais sejam maltratadas ou torturadas pela polícia ou as forças de segurança quando são detidas”, destacou o documento.
Dá técnica conhecida como crucificação de Cristo na Eritreia, à prática usbeque de lavagem intestinal com pimenta, a tortura é uma rotina adotada por autoridades públicas em todo o planeta, destacou o informe. “Podemos calcular de forma razoável que mais da metade dos estados-membros das Nações Unidas recorrem à tortura”, informou o relatório de 370 páginas, elaborado pela ONG, sediada em Paris. Estados totalitários, ditaduras e muitos regimes islâmicos são grandes agressores, bem como países que enfrentam violência política e instabilidade, destacou esse estudo, publicado pelo jornal “Correio Popular” (12/12/10-B-18).
A tortura hoje é tida como o mais grave delito contra os Direitos Humanos na órbita internacional. Mesmo assim e muitas vezes impunemente, é praticada com relativa assiduidade. Uma pena que em pleno século XXI esse tipo de barbárie ainda encontra adeptos. Precisamos aniquilá-la de vez para que os preceitos básicos de Direito sejam concretamente respeitados e consolidados. Finalizando, vale invocar o psicanalista Hélio Pellegrino frisou que “a tortura busca, à custa do sofrimento corporal insuportável, introduzir uma cunha que leve à cisão entre o corpo e a mente. E, mais do que isso: ela procura, a todo preço, semear a discórdia e a guerra entre o corpo e a mente. (...) O projeto da tortura implica uma negação total e totalitária da pessoa, enquanto ser encarnado. O centro da pessoa é a liberdade. Na tortura, o discurso que o torturador busca extrair do torturado é a negação absoluta e radial de sua condição de sujeito livre” (Folha de São Paulo- 18.07.2006-A-3- “Punir Torturas, Abrir Arquivos” de Frei Betto)
DIA INTERNACIONAL DE COMBATE AO
ABUSO E AO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGRAS
Também a 26 de junho é celebrado o Dia Internacional de Combate ao Abuso e ao Tráfico Ilícito de Drogas. A cada ano, o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC - na sigla em inglês) lança nesta data sua principal publicação: o Relatório Mundial sobre Drogas. A situação mundial do controle de drogas tem sido favorável ao longo dos anos, mas há novos alertas. O crescimento exponencial de seu consumo é um dos temas que mais preocupam a sociedade contemporânea. A título de reflexão, citemos Cláudio Guimarães dos Santos: “Curiosamente, o quase-consenso entre os especialistas de que a melhor maneira de diminuir esse consumo é o combate sem tréguas ao narcotráfico faz com que muitos deles se esqueçam – ou prefiram se esquecer...- de tratar de um assunto bem mais espinhoso: a investigação das verdadeiras razões pelas quais as drogas são tão buscadas por nós humanos.( Folha de São Paulo- 30/06/2008- A3- “Droga!”).
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário.
JOÃO ALVES DAS NEVES - FERNANDO PESSOA, SALAZAR E O ESTADO NOVO
Durante muitos anos, o nacionalismo do Poeta da Mensagem foi confundido com o “nacionalismo” de António de Oliveira Salazar.
Nada mais errado, de acordo com os textos divulgados por vários estudiosos, com destaque para Joel Serrão, Teresa Rita Lopes e Teresa Sobral Cunha.
Só agora aprecem num só volume os textos dispersos por livros e revistas, neste Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo. Da autoria do Poeta nacionalista, com introdução e notas explicativas sobre os 5 poemas e 3 dezenas de comentários em prosa. E se alguém tinha dúvidas sobre o anti-salazarismopessoano deverá perdê-las, assim como em torno de outras ideias políticas, tema que será ampliado com o Dicionário de Política.
Com o título de Ensaios Políticos (Ideias para a reforma da Política Portuguesa) (s/d), o escritor “Petrus” (pseudônimo de Pedro Veiga) divulgou num livro de 166 páginas 4 trabalhos que Fernando Pessoa subscrevera em várias publicações, abstraindo, é claro, dos textos políticos que a censura cortaria e que só agora puderam aparecer – “Petrus” foi um pioneiro dos estudos sobre o criador dos heterônimos, ao lado de João Gaspar Simões, Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, Jorge de Sena, António Quadros, Teresa Rita Lopes, Joel Serrão, Eduardo Lourenço e outros.
É certo que as ideias políticas de Pessoa somente puderam ser conhecidas com o fim da censura em Portugal, fazendo cair a máscara dos que o aparentavam ao fascismo. No fundo, os poemas da Mensagem tinham tanto a ver com o regime como Os Lusíadas de Camões, obras que eram frequentemente identificadas com o salazarismo – confusão habitual entre os defensores das ditaduras. É claro que Pessoa esteve ausente da solenidade em que lhe atribuíram o “Prêmio Antero de Quental”, instituído pelo governo e foi galardoado pelo “melhor poema”.Havia duas modalidades, a do livro (com 100 páginas, no mínimo) e a do poema, e Mensagem contava não mais de 98!
O véu começou a ser desvendado com a edição, em 1978, do volume DaRepública (1910-1935), apresentado e organizado por Joel Serrão, e do Pessoa Inédito (1993), de Teresa Rita Lopes, e de vários textos revelados por António Quadros e Teresa Sobral Cunha, entre outros. Na verdade, tanto em relação a Pessoa como a tantos escritores é a soma de contribuições que conta.
Foi assim que selecionamos, além dos 5 poemas, mais 5 textos em prosa, divulgados por Joel Serrão, os 15 escolhidos por Teresa Rita Lopes e 1 por Teresa Sobral Cunha, graças aos quais concluiremos que condição nacionalista de Fernando Pessoa nada tinha a ver com Salazar e a Ditadura, que começou por ser militar (1926) e depois fascista, sob a capa do Corporativismo (após 1933). Indiscutivelmente, os documentos ora reunidos definem o pensamento pessoano perante o regime ditatorial e as suas consequências políticas, econômicas, sociais e culturais.
Há pormenores que merecem ser salientados e abrimos com a carta de 1935 (em Pessoa Inédito vêm mais 5 breves cartas de Fernando Pessoa ao mesmo destinatário – o Presidente da República, General Oscar Carmona – mas que não chegaram a ser enviadas). Declarando-se autor dos poemas nacionalistas de Mensagem e do artigo “Associações Secretas” (Diário de Lisboa, 9-2-1935), na condição de “templário”, pondera Pessoa, na 1ª carta, que a Ditadura em Portugal percorreu 3 fases:
1) “A de simples defesa própria e da expectativa (28-5-1926) até à chegada do Professor Oliveira Salazar ao Ministério das Finanças” (23-4-1928);
2) Veio depois a fase da consolidação da ditadura “pela ação enérgica, paciente e cuidadosa” de Salazar (“equilíbrio dos orçamentos e por outros efeitos análogos ou similares”);
3) A fase seguinte “começou por afirmar-se no Integralismo Monárquico disfarçado do Estado Novo” e continuou pelo Estado Corporativo até que o regime se tornou “integralmente integral, isto é, francamente inimigo de duas coisas: da dignidade do Homem e da liberdade do Estado”. Por fim, Salazar impôs diretrizes: “Até aqui a ditadura não tinha tido o impudor de, renegando toda a verdadeira política do espírito acima da política – por intimar quem pensa a que pense pela cabeça do Estado, que a não tem, ou de vir a intimar a quem trabalha a que trabalhe livremente como lhe mandam”.
A seguir, o escritor cataloga Salazar entre os dominicanos, e não de feição jesuítica: “Ele é minucioso, mas não é sutil: tem astúcia, mas não diplomacia; não tendo nem encanto nem maleabilidade, é incapaz de captação direta ou indireta. Se o seu aspecto duro e manhoso lhe valeu, como definição fisionômica, esse epíteto frequente, conviria sugerir aos autores de (…) que a palavra ‘seminarista’ é uma fotografia muito mais exata do ditador português.” E prossegue o retrato psicológico: “Inteligente sem maleabilidade, religioso sem espiritualidade, ascético sem misticismo, este homem é de fato um produto de uma fusão de estreitezas. A alma campestre sórdida do camponês de Santa Comba se alargou em pequenez pela educação do seminário, por todo o inumanismo livresco de Coimbra, pela especialização rígida do seu destino desejado de professor de Finanças. É um materialista católico (há muitos), um ateu nato que respeita a Virgem.”
Salazar é um incapaz, opina o intelectual Fernando Pessoa: “Para governar um país como chefe, falta-lhe, além de qualidades próprias que fazem diretamente, num chefe, a qualidade primordial – a imaginação. Ele sabe talvez prever, ele não sabe imaginar. Ele mesmo mostrou desdém por aquilo a que chamou “os sonhadores nostálgicos do abatimento e da decadência” (discurso de 21-2-1935); Na realidade, “a frase de Salazar, mesmo que tenha esta origem sordidamente instintiva, é ainda mais infeliz do que parece. O Ditador dirigia-se a escritores e a poetas, era a eles que ordenava não sonharem. Ou ele quer que os escritores portugueses escrevam sempre sem pensar ou quer que nas suas obras não figure nada que seja sonho. Só se fará, portanto, em Portugal, poemas ou romances sobre as coisas materiais da vida. Salazar, aqui, revela-se um Zola.”
O Poeta não perdoa o sacrilégio cultural: “Em Salazar há sempre o materialista, o contabilistazinho. Não se pode sonhar porque o sonho não é remunerável. Não se deve sonhar porque nos arriscamos a enganar quando sonhamos diante de uma operação aritmética”. E joga mais uma farpa, interrogando: “E esse Mussolini que Salazar tanto admira, será que a saudade do Império romano não tem nada a ver com o seu ímpeto e a sua bravura?”
Salazar copia as ditaduras, porém à sua maneira, vaidoso que espera os parabéns, isto é, o apoio, mesmo que não seja honesto. Que elogiem o governo! O Poeta não aceita submeter-se: “Como naturalmente é de todo impossível que seja que homem for esteja sempre de acordo com qualquer outro que seja, resulta daí que me devo curvar como escravo integral, louvando por profissão e diariamente, ou que só devo publicar um artigo quando estiver de acordo com a ação do governo, não dizendo nada nos casos contrários. A solução natural ‘é nada publicar’ – ou, como aconteceu no inverno fascista, escrever para a gaveta…”
Desiludido, dirá ao Presidente da República que os discursos ditatoriais “não são maneiras de falar”, pois “o que torna Salazar odioso ao povo é que ele encarna a supressão de toda a liberdade pública – de falar, de escrever, de se reunir”. Os portugueses estavam no beco sem saída: “Em conclusão a Ditadura Portuguesa só se mantém por duas razões – o medo do comunismo e a insubstitubilidade de Salazar. Não são, é certo, aspectos fortes no campo moral, tanto mais que são negativos, mas talvez sejam bastante fortes no campo estritamente material e prático. É ainda o alcoolismo sociológico”, isto é, o eventual sucessor de Salazar “não saberia abolir a censura nem estabelecer as outras liberdades”…
"O GRANDE EQUIVOCO"
É com este título que Teresa Rita Lopes abre os 19 textos do Pessoa Inédito, incluindo as 6 cartas ao Presidente da República e 2 poemas, num dos quais (com data de 1932) Fernando Pessoa dizia que Salazar era “um cadáver emotivo, artificialismo organizado pela propaganda”. E três anos mais tarde condenava a “cesarização de um contabilista”, acrescentando: “O Chefe do Governo não é um estadista: é um arrumador”.
Em outro documento nem o considerava “um financeiro”, além de seguir a linha “dogmática e intolerante” de certos católicos. Exemplificava que, com a chamada revolta da Ilha da Madeira (2-7-1932), Salazar “mudou o rumo da Ditadura”, imitando o golpe de Primo de Rivera e aproximando-se de Mussolini. Aliás, os regimes nazi-fascistas são igualmente comentados: “Mussolini e Hitler agarram-se à absoluta banalidade das suas ideias [e são-no...] de outro modo. Salazar, incontestavelmente mais inteligente do que qualquer um deles, quer ter ideias e é aí que se perde no disparate e na contradição. Também ele só tem ideias banais, mas são banais a um nível mais elevado. Hitler e Mussolini têm ideias banais de homem do povo; Salazar tem ideias banais de homem culto. Acontece-lhe o que os ingleses chamam ‘cair entre dois bancos’: a sua banalidade não toca o povo porque é de origem cultural, repugna às elites, porque é banalidade”.
Teresa Rita Lopes divulga mais as 6 cartas (todas datadas de 1935) ao Presidente da República e na 1ª o Poeta elogia o democrata António José de Almeida pela sua “eloquência”, assim como Sidónio Pais (que foi assassinado por desordeiros políticos), enquanto na carta seguinte proclama que o ditador é “incompetente para o cargo que assumiu”. Na 3ª sublinha que o discurso sobre os prêmios literários “enxovalha todos os escritores portugueses – muitos deles seus superiores intelectuais com a fútil imposição de ‘diretrizes’ que ninguém poderia aceitar por não compreender quais sejam” (…), chamando-lhe “aldeão letrado” e incapaz de governar “uma república aristocrática”.
Acresce que o ditador não passa de “executor de ideias de outrem, visto que as não as tem próprias, de secretário de prestígio alheio. Porque não o pode conquistar” (referência possível ao jornalista e escritor António Ferro, que foi ligado ao movimento modernista e Salazar nomeou Secretário da Propaganda Nacional). E fustiga depois: o “chefe” assumiu a “posição, presentemente mais que régia, da Presidência do Conselho. / Realmente, é um Estado Novo, porque este estado de coisas nunca antes se viu.” Finalmente, na 6ª carta, Pessoa entende que “passou a época da desordem e da má administração; temos boa administração e ordem. E não há nenhum de nós que não tenha saudade da desordem e da má administração.”
O que mais protestar sem liberdade, mas com censura? Para alguns, Oliveira Salazar era indiscutível e, por isso, Fernando Pessoa (por volta de 1933) concluiu ironicamente – “Mais valia publicar um decreto-lei que rezasse assim”:
“Art.1 A(ntonio) d(e) O(liveira) S(alazar) é Deus.”
“Art. 2. Fica revogado tudo em contrário e nomeadamente a Bíblia”.
E o Poeta afirma que deste modo ficaria instituído “o autêntico Estado Novo – a Teocracia pessoal” e, por acréscimo, “o sovietismo direitista da U(nião) N(acional).”
OS ERROS DE SALAZAR
No capítulo que rotulou de “Interregno-II”, apresenta Joel Serrão alguns textos que são também essenciais para a compreensão do que pensava Fernando Pessoa do regime salazarista.
Observa-se que, em 1928, o escritor publicara Interregno – Defesa e Justificação da Ditadura Militar em Portugal: o alvo eram as desordens políticas nas ruas e a desordem financeira no governo. Quem o condenará pelo que escreveu e pensavam os portugueses, naquele tempo? Está fora de dúvida que os resultados econômico-financeiros, desde a chegada de António de Oliveira Salazar ao poder, foram bem aceitos. Ele começara a arrumar o que era preciso, mas foi preparando simultaneamente a sua instalação no poder, que perdurou por mais de quatro decênios.
Muito antes de 1935, o autor de Mensagem (que morreu em 30 de novembro deste ano) arrependera-se das boas perspectivas que augurara, mas nada poderia fazer – Salazar era apoiado não somente pela maioria dos militares mas também pelos numerosos civis que, por convicção ou interesse, viram no ditador que despontara a solução para os males nacionais. Em 1935, com o “Interregno-II”, Pessoa admitiu o engano: “Escrevi no princípio de 1928 um folheto com o mesmo título que o presente (…). Dou hoje esse título por não escrito; escrevo este para o substituir”.
Explicou ainda: “Quando escrevi o outro folheto, em fins de 1927, estávamos ainda longe do Estado Novo e da nova Constituição, embora já perto, sem que o soubéssemos, da vinda e primeira fase de Salazar. Havia de fato interregno, isto é, a Ditadura era, propriamente, uma Ditadura de interregno. Com a votação da nova Constituição estávamos já num regime: o Interregno cessou. Nada importaria, ou importa, o julgar mau o Estado Novo. Existe. O Interregno cessou”.
Entretanto, há outros pontos de vista pessoanos que vale a pena relembrar:
1) “É, a meu ver, um erro de Salazar o filiar o espírito de partido – pelo menos entre nós e nos países latinos – na aprendizagem de arguir e defender que se faz ou faria em certas escolas.”
2) Doutrina estadonovista: “(…) não me proponho discutir a nova Constituição ou o Estado Corporativo; a ambos aceito, por disciplina; de ambos discordo, porque não concordo.”
3) O Poeta nacionalista não crê na “admiração” que o salazarismo estava despertando no mundo e salienta: “O prestígio de Salazar não se deriva da sua obra financeira, tanto porque, sendo essa obra uma obra de especialidade, o público não tem competência, nem pretende ter competência, para a compreender. Como porque o acolhimento calorosamente favorável, que essa obra teve, denotava já um prestígio anterior. O prestígio de Salazar nasceu vagamente da sugestão do seu prestígio universitário e particular, mas firmou-se junto do público, logo desde as suas primeiras fases como ministro, e as suas primeiras ações como administrador, por um fenômeno psíquico simples de compreender.”
4) As Ditaduras Militar e a de Salazar foram comparadas por Fernando Pessoa: “Há razões para supor (…) que dois terços do país estão com a Ditadura Militar. O que não há razão para supor é que os mesmos dois terços do país, ou qualquer coisa que se pareça com esses dois terços, esteja com o Integralismo Lusitano, cujos princípios, aliás estrangeiros, se nos querem impor como soma de ciência social e necessária condição nossa, pelo Manifesto do Governo e o Relatório Salazar.”
Outras considerações do autor de Mensagem poderiam ser aduzidas, a partir dos livros de Teresa Rita Lopes e de Joel Serrão, entre outros, para justificar o seu desacordo com o pretenso nacionalismo do regime fascista português. Mas as passagens transcritas são mais do que suficientes para ilustrar o principal – Fernando Pessoa não tinha nada a ver com o totalitarismo salazarista. E se quisermos concluir temos de recorrer à sua autobiografia de 30-3-1935:
Ideologia política: Considera que o sistema monárquico será o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes votaria, embora com pena, pela República. Conservador de tipo inglês, isto é, liberal dentro do conservadorismo, e absolutamente anti-reacionário.
JOÃO ALVES DAS NEVES - Escritor português, radicado no Brasil. Foi redator - editorialista de "O Estado de S. Paulo", durante trinta e um anos e professor - pesquisador da Faculdade de Comunicação Social Gasper Libero (São Paulo), durante um quarto de século. Autor de cerca de três dezenas de livros publicados, seis dos Quais sobre a obra de Fernando Pessoa. O seu último livro foi lançado em em Lisboa, pela Editora Dinalivro, sob o titulo de "Dicionário de Autores da Beira-Serra", região onde nasceu.
PAULO ROBERTO LABEGALINI - HISTÓRIA e PAIS E FILHOS
* H I S T Ó R I A
Um jovem empresário dirigia apressado em seu novo Audi quando, de repente, um tijolo espatifou-se na porta lateral do carro. Freou bruscamente, saltou, pegou uma criança pelo braço e gritou:
- Que besteira pensa que fez? Este é um carro caro e aquele tijolo que você jogou vai me custar muito dinheiro, sabia?
- Por favor, senhor, me desculpe. Fiquei desesperado porque ninguém estava disposto a parar neste local. Meu irmão desceu sem freio, caiu no barranco com sua cadeira de rodas e eu não consigo levantá-lo. O senhor poderia me ajudar a colocá-lo de volta na cadeira?
Movido por uma grande compaixão, o motorista dirigiu-se rapidamente ao jovenzinho paralítico. Pegou o lenço, limpou os arranhões e, verificando que tudo estava bem, olhou para o céu e disse:
- Obrigado, meu Deus. Abençoe estes jovens muito mais que a mim.
Em seguida, o empresário trafegou lentamente de Audi para casa, refletindo na vida consumista que levava. Ele nunca consertou a porta amassada, porque queria lembrar-se de não ir tão rápido pela vida e, assim, nenhum outro irmão sofrido teria que atirar tijolos para obter a sua atenção.
Caro leitor, espero que você também saiba que Deus sempre fala em nossos corações. Algumas vezes, quando não temos tempo para ouvi-lo, Ele tem que jogar alguns tijolinhos em nós. Faça a sua escolha: escutar o chamado e tomar atitudes positivas em favor dos pobres... ou esperar pelo tijolo.
* Do programa ‘Nossa Reflexão’, que vai ao ar em quatro horários no Canal 20: 8h30, 11h30, 17h30 e 22h30. O site www.canal20tv.com.br disponibiliza os vídeos já apresentados na televisão. Clique em ‘Arquivos de Vídeo’ e depois em ‘Nossa Reflexão’.
** PAIS E FILHOS
Como tudo o que vem de Deus é perfeito e fomos criados à sua imagem e semelhança, o ser humano tem o privilégio de possuir diversos dons divinos neste mundo, mas, infelizmente, nem sempre age com a fé e a razão. Geralmente, o homem despreza a missão maior que o Senhor lhe deu na vida: evangelizar! Assim, deixa de rezar, não pratica a caridade e segue caminhos incertos.
Muitas famílias servem de exemplo quando falamos de ‘valorização de bens espirituais’, pois os pais cumprem os seus compromissos cristãos e os filhos, desde cedo, se envolvem com os movimentos jovens da comunidade. Nem é preciso dizer que, através dessa dedicação às coisas de Deus, recebem bênção sobre bênção e nada lhes faltará.
Mas, o maior exemplo de todos continua sendo o amor compartilhado na Sagrada Família. Até hoje sentimos o quanto somos abençoados quando recorremos à Família de Nazaré: formada por Jesus, Maria e José. Eles não desfrutaram de riquezas materiais e nem gostavam de badalações, apenas confiavam na providência de Deus e procuravam não desagradar o Pai.
O livro do Eclesiástico (3, 3-7.14-17) relata que amar os pais é a base para uma vida feliz em família. Diz assim: “Deus honra o pai nos filhos e confirma, sobre eles, a autoridade da mãe. Quem honra o seu pai, alcança o perdão dos pecados; evita cometê-los e será ouvido na oração quotidiana. Quem respeita a sua mãe, é como alguém que ajunta tesouros. Quem hora o seu pai, terá alegria com seus próprios filhos; e, no dia em que orar, será atendido. Quem respeita o seu pai, terá vida longa, e quem obedece ao pai é o consolo da sua mãe”. E continua:
“Meu filho, ampara o teu pai na velhice e não lhe causes desgosto enquanto ele vive. Mesmo que ele esteja perdendo a lucidez, procura ser compreensivo para com ele; não o humilhes em nenhum dos dias de sua vida; a caridade feita a teu pai não será esquecida, mas servirá para reparar os teus pecados e, na justiça, será para a tua edificação.”
Então, não é maravilhoso esta promessa do Senhor? Ele irá nos abençoar por toda a eternidade se ampararmos e respeitarmos os nossos pais! – este, aliás, é o 4º mandamento da Lei de Deus! Você não acha importante que os nossos filhos também saibam disso?
Para vocês, pais e mães, sempre que forem abençoar os filhos, lembrem-se destas palavras do Livro dos Números (6, 22-27): “O Senhor falou a Moisés, dizendo: Fala a Aarão e seus filhos, ao abençoar os filhos de Israel, dizei-lhes: ‘O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e se compadeça de ti. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!’ Assim, invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel e eu os abençoarei.” – Palavra do Senhor. Graças a Deus!
** Do programa ‘Acreditamos no Amor’, que vai ao ar em dois horários na Rádio Futura FM, 106,9 MHz: 6 h e 18 h – segunda a sexta.
Site para ouvir o programa ao vivo: www.futurafm.com.br
PAULO ROBERTO LABEGALINI - Escritor católico, Professor Doutor da Universidade Federal de Itajubá-MG. Pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da UNIFEI.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - VITORINO NEMÉSIO - De Maçonico a Discípulo de Jesus
Das figuras mais sisudas que conheci, foi, sem duvida, a do Professor Vitorino Nemésio. Suas eloquentes palestras, interessantíssimas, pecavam, quase sempre, pelo rebuscado da frase, que o tornavam, muitas vezes, para os menos versados, incompreensível.
Isso não o impediu de se tornar popular, graças à simpatia, e principalmente à TV.
Certo dia o nosso Maestro João Nobre assistia a uma aula de Vitorino Nemésio, e tomado pelo sono e pela aridez, como o professor tratava a matéria, resolveu levantar-se e sair.
Ia a dirigir-se para a porta, quando o mestre interroga-o, em tom de censura:
- Então vai sair?!
A que João Nobre respondeu com toda a franqueza:
- Não aguento mais… O Sr. Professor é um grande maçador!
No dia imediato, reflectindo na atitude, o maestro receou ser repreendido, e não teve coragem de enfrentar o professor.
Decorrido dias, como nada lhe dissessem, nem corresse atoarda, entre os estudantes, compareceu, novamente, às aulas.
Sentou-se e ficou muito quietinho, de cabeça inclinada, a escutar o mestre.
De súbito, Vitorino Nemésio, interrompe a exposição e voltando-se para o aluno que abandonara a sala tão inesperadamente, disse:
-Pensei no que falou e conclui que tem razão. Vou tentar ser menos pesado.
Era assim Vitorino Nemésio.
Não será necessário dizer, aos leitores portugueses, quem era o intelectual, já que é sobejamente conhecido; mas como a crónica aparecerá, também, na imprensa brasileira, vou reunir brevíssimos dados biográficos, deste eminente professor, que foi membro da loja maçónica” A Revolta”.
Nasceu nos Açores, na Praia da Vitória, em 19-12-1901. Foi Professor Catedrático da Universidade de Lisboa. Educado no seio da Igreja Católica, afastou-se Dela e da Fé. Tinha 21 anos de idade e tornou-se membro do cenáculo da loja maçónica.
Cursou Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, com elevada classificação. Escreveu várias obras literárias. Foi o intelectual mais requisitado da sua época, e manteve, com sucesso, a rubrica:” Se bem me lembro…”, na RTP.
Numa quarta-feira da Semana - Santa de 1955, o Professor dirigiu-se ao reitor do Seminário, D. Manuel Almeida Trindade, depois Bispo de Aveiro, e durante três horas palestrou animadamente. No final, Vitorino Nemésio, abraçou-o. As lágrimas corriam-lhe pelo rosto, em catadupa.
O Catedrático, o conhecido intelectual, o “velho” republicano, o poeta famoso, abraçara definitivamente o cristianismo.
Vitorino Nemésio, que foi director do matutino “O Dia”, casou, em 1926, com a Senhora Dona Gabriela Monjardim Azevedo Gomes e é pai de Georgina, Jorge, Manuel e Ana Paula.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
PINHO DA SILVA - A UM INCRÉDULO
"Ó geração incrédula e perversa!"
Mat. 17-17
Tu não tens fé!... Nem sabes o que dizes!
Pois tens fé, sim senhor! E porque não?!
- Acreditas, por certo, nos matizes
dos campos e jardins, em todo Verão!...
Acreditas "NAQUILO QUE TU VES",
dizes. - A China?!...Já a viste?!...
Tu já andaste por lá?!... Não!... Desta vez
acreditas "SEM VER"!... "SABES" que existe!
E porquê?!... Pois, não podes duvidar
disso?!... Mesmo sem "VER"?!... Sem a visitar?!...
Estranho, irmão, que tu sejas assim!:
- eu, falo-te de um Céu, p'ra lá dos céus;
eu, falo-te de um Reino, que é de Deus;
contudo...tu não queres fiar-te em mim!
PINHO DA SILVA - Vila Nova de Gaia, Portugal
Quinta-feira, 23 de Junho de 2011
EUCLIDES CAVACO - FELIZ SÃO JOÃO
Olá
amigos especiais
Desejos
dum feliz dia de São João
Tenho
o prazer de partilhar convosco este poema já feito hoje,
dedicado
a São João que poderá ver neste link:
http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Sao_Joao/index.htm
VIAGEM PELO S. JOÃO NO PORTO, POR GERMANO SILVA - JORNAL DE NOTÍCIAS, 26 DE JUNHO DE 2011
As histórias que Germano Silva escolheu para ilustrar uma viagem pelas tradições e costumes da festa do S. João na cidade do Porto.
Viagem pelo S. João no Porto, por Germano Silva - JN
Quarta-feira, 22 de Junho de 2011
DOM VICENTE COSTA - NO CORPO E NO SANGUE DE CRISTO
No capítulo 12 da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, no versículo 27, se lê: "Vós todos sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros desse corpo." Toda e qualquer palavra bíblica seria vazia se não estivéssemos unidos a Cristo e ao próprio Pai. É o que diz claramente o Evangelho de São João:
"Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste" (Jo 17,21). É em torno desse mistério que a Igreja está unida. Como é que a Igreja poderia estar viva, atuante e unida se não ouvisse a Palavra e não celebrasse a Sagrada Eucaristia? Todos já estariam dispersos e cada um falando uma linguagem diferente.
O centro e a raiz da Igreja é a Palavra, o Verbo do Pai, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade feita carne: "E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós" (Jo 1,14). Por isso é que a festa que vamos celebrar nesta semana, na quinta-feira, é de vital importância para todos nós: a Solenidade do Corpo e do Sangue de Cristo. Como é maravilhoso, irmãos e irmãs, participar da vida de Jesus Cristo.
Sem Ele não temos vida, ou temos apenas uma vida fútil e sem perspectivas de futuro. Com Cristo, ao contrário, experimentamos concretamente um amor profundo, um amor divino, um amor infinito, que dá certamente a todos os fiéis a garantia e uma visão do que é a vida eterna. "Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne, entregue para a vida do mundo" (Jo 6,51).
Certamente nós, cristãos e cristãs, muitas vezes já ouvimos essas palavras e recebemos o Corpo de Cristo. Mas a experiência e a certeza de que somos amados por Deus, de que somos salvos graças ao sacrifício de Cristo na cruz, que entregou seu Corpo para a redenção do mundo, podem e devem criar novas atitudes em cada um e cada uma de nós.
É necessário, pois, que meditemos cada vez mais profundamente nesse mistério, para não incorrermos no perigo de entrar na rotina: participar da celebração da Eucaristia, receber o Corpo de Cristo, mas não experimentar a alegria do amor e da sua vitória sobre o pecado e a morte. Deste modo, queridos irmãos e irmãs, exorto-os a meditar mais profundamente sobre o grande milagre da Sagrada Eucaristia que Deus realiza diariamente em nossas Igrejas. Assim, no dia 23 de junho, na Festa de Corpus Christi, possamos todos exultar e vibrar de alegria!
Dom Vicente Costa - é Bispo Diocesano de Jundiaí, Brasil
Terça-feira, 21 de Junho de 2011
SÉRGIO BARCELLOS - FANTASMA
Sabe se alguém me perguntasse: - quem foi o seu super herói quando criança, sem duvida a resposta estaria na ponta da língua: - Fantasma, o grande herói da revista em quadrinhos.
Que delicia foram aqueles tempos de leitura, como foram bons aqueles anos cinqüenta e sessenta onde nosso imaginário podia viajar em aventuras, apenas lendo aquelas revistas, cujas estórias ali contadas com desenhos gráficos possibilitando nosso imaginário viajar loucamente.
Como era bom, evidente cada menino da época tinha o seu grande herói, e o meu sem duvida foi Fantasma. Ainda me lembro tantas e tantas aventuras ali contadas.
Sim, Fantasma nunca morre isso era o que acreditavam os selvagens que faziam parte daqueles contos passados em terras africanas. Uns diziam: ele tem seiscentos anos, mas na verdade quem lia a estória sabia que essa era uma dinastia passando de pai para filho, tornando-se a lenda do Fantasma.
Com que prazer eu lia aquelas passagens, entrava de cabeça naquelas aventuras, devorava aquilo com muita emoção.
Sendo um menino, e naquela época, para variar, não possuía uma moeda sequer no bolso, assim como todos os outros, pois mesmo que os pais tivessem ou não poder aquisitivo, não se dava dinheiro às crianças. Portanto não tínhamos acesso ao maldito mundo da ganância, do vil metal. Acho que esse foi um dos grandes motivos, entre outros, em termos tido uma infância muito feliz, pois esse defeito que corrói as entranhas do homem nós meninos não tínhamos. Portanto fica evidente que sem alguns trocados no bolso não conseguia comprar minha revistinha predileta, ou gibi como era chamado. Sabedor que na barbearia de propriedade de dois irmãos nisseis (filhos de japoneses nascidos no Brasil), existente ali no meu bairro, precisamente na Rua Padre Carvalho, sempre compravam o numero da semana para leitura dos fregueses que esperavam sua vez, e sendo eu, meu pai e meus irmãos fregueses, me achava no direito de entrar a qualquer hora sentar-me, e sem nenhuma cerimônia pegar a revista do fantasma, a mais recente é claro, e “devorá-la”. O ruim era quando alguém já estava lendo, mas eu sempre esperava terminar. Quanto aos dois irmãos já estavam acostumados com o freguês aqui e não se importavam.
Que saudades, Fantasma de uma honestidade invejável, Fantasma que combatia o crime, modelo de honestidade e justiça, Fantasma nunca erra, Fantasma fala sempre a verdade, Fantasma amigo dos animais, sempre acompanhado de seus fieis companheiros Herói seu cavalo branco e Capeto, um lobo. Fantasma amigo dos selvagens acompanhado de seu escudeiro Guran o grande chefe dos pigmeus de Bandar, o único sabedor do segredo do Fantasma. Era ele quem tomava conta da caverna, a morada de nosso herói em terras africanas. Em fim como diziam os selvagens, ele tinha a força de dez tigres.
Como ninguém é de ferro tinha sua namorada Diana. Para ir visitá-la se vestia à paisana e era conhecido como Sr. Walker (o que anda), capa, chapéu e óculos escuros.
Diana a namorada exemplar, modelo de mulher, meiga carinhosa sempre atenta a ele, fazendo com que Fantasma atravessasse o Atlântico só para encontrá-la, no que muitas vezes se envolvia nas aventuras do namorado.
Pois é, Fantasma na grande verdade foi diferente de outros heróis, suas aventuras deixaram para os meninos da época a mensagem de perseverança, honestidade, inclusive de estudo, tendo ele na estória se formado em uma universidade antes de se colocar no lugar do pai. Assim sendo, também teve a obrigação com os estudos. Não era um bruto um ignorante, tinha conhecimento, cultura, falava vários idiomas. Por essas e por outras foi meu grande herói.
Em tempos atrás até tentaram fazer um filme a seu respeito, alguns até o acharam meio “bicha” (homossexual para os que não conhecem a gíria brasileira), particularmente não gostei, nem do filme, muito menos da produção e nem do ator, não fez sucesso, sabem por que:
-Fantasma é inimitável, fantasma como diziam os selvagens é imortal, na verdade está em espírito na cabeça e no coração dos meninos, está presente em seus sonhos, em seus devaneios, nas suas ilusões, habita somente esses corações que mesmo em idade avançada sempre se fará presente na criança que está dentro cada um de nós.
Fantasma deixou essa mensagem, quer queira quer não, influenciou no
caráter de tantos e tantos meninos da minha época.
Sim, ele foi o grande herói do meu imaginário, dos meus sonhos de menino, das minhas ilusões, de um tempo que vivíamos solto, sem medos sem preconceitos levados pelo vento das ilusões.
Por outro lado a vida se apresenta nua e crua, queira ou não temos de enfrentá-la em sua realidade, e o pior, de frente, como nos apresenta no dia a dia, na luta pela sobrevivência.
Sendo assim, houve outro herói que se apresentou a mim, e sem duvida via uma grande semelhança com Fantasma, sentia neles as mesmas características. Foi ele quem na realidade formou o meu caráter e deixou o maior exemplo de dignidade, honestidade, bondade, apego a família, lutando para manter a mim, meus irmãos e minha mãe, que também ao seu lado nos deixaram essa grande herança.
Esse herói foi meu pai.
O que na verdade foi ele o meu Fantasma o meu grande herói da vida real, via uma grande semelhança entre ambos, o mesmo caráter enfim a mesma dignidade. Portanto, em meu coração tenho certeza que se igualaram na mesma força:
“- A força de dez tigres.”
SÉRGIO BARCELLOS - Agrimensor e escritor. São Paulo
RENATA IACOVINO - MINHA BALADA
O que era discoteca hoje é balada.
É curioso adentrar em alguns significados de balada: composição instrumental sem forma definida; composição poética popular antiga; poema em estrofes que geralmente narra uma lenda popular ou uma tradição histórica, podendo ser acompanhada por instrumentos musicais.
Numa espécie de metonímia, discoteca também tomou proporções polissêmicas. Refere-se literalmente à coleção de discos, ou lugar onde se guarda esta. No significado transfigurado, pois, trata-se de local com diversos efeitos de luz, onde se dança ao som de discos; danceteria.
Em minha discoteca, acho-me, em meio a efeitos especiais e ao ecletismo advindo da variedade musical que tira meus pés do chão. Não por ritmos suspeitos e inqualificáveis, mas pela veracidade que toca até os mais inexistentes fios de cabelo.
Harmonias complexas, vocalizes tocantes, interpretações históricas, improvisos que fruem em mentes e corações, gravações eternas que destoam da efemeridade cravada em nossos dias.
Bebo goles poéticos de Tom Jobim e toda bossa que o acompanha; deixo adentrarem a profundidade cool de Jeanne Lee e a genialidade de Billie Holiday; absorvo cada gota do acervo ímpar de Noel Rosa; capto a tradição contida na juventude de Madeleine Peyroux; percorro a inspirada Lua Branca, na voz de minha professora, Eliete Negreiros, reverenciando a mestra Chiquinha Gonzaga; voo até Luiz Gonzaga e os riquíssimos ritmos advindos da criação nordestina; aprendo com leituras diversas de registros de Elizeth Cardoso, Marisa Monte, Dalva de Oliveira, Roberta Sá, Maria Bethânia... uma infinidade de cores que desfilam por meio dessas cantantes.
No auge da balada, You Go to my Head. Poderia ser Rosa dos Ventos, de Chico, ou O Quereres, de Caetano, entremeadas ao mel derramado por Henri Salvador.
Tudo isto é música e pulsa em CDs reais, acompanhados de deliciosos encartes desprovidos de uma face disforme, sem identidade; ouvidos em alto e bom som, sem destruir tímpanos.
Balada ou discoteca, seja em qual sentido for, penso que não perdi meus sentidos em meio a tantas sugestões sem sentido que vagam por aí.
Renata Iacovino, escritora e cantora / reiacovino.blog.uol.com.br /
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