PAZ - Blogue luso-brasileiro
Segunda-feira, 29 de Outubro de 2012
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - PUREZA VIOLADA

Há décadas convivo com crianças e adolescentes na perspectiva da educação. E educar, penso eu, é fortalecer o educando no presente e para o futuro, a fim de que seja feliz, encontre o sentido de sua existência e possa, também, se fazer um dom para a sociedade. Dentre as virtudes, que constroem uma pessoa para o bem, se encontra a pureza, que consiste em transparência para ver, escutar, conviver, abraçar, brincar, ter as coisas, conquistar os seus sonhos, relacionar-se com os outros. Adultos desonrados por sua história ou escolhas não conseguem oferecer candura aos filhos. E virtudes negadas deformam o ser humano. Deus não mancha as obras de Sua mão. Suas obras são imaculadas. Os seres humanos que, na metamorfose dos dias, por seu livre arbítrio, podem torná-las com aspectos sórdidos. Do que é torpe nascem os descaminhos.
Acabo de ler o livro “Não conte para a mamãe” – Memória de uma infância perdida – Editora Bertrand Brasil - de Toni Maguire, que vive em Norfolk (EUA). É um relato sobre a violência sexual que sofreu por parte do pai e sob a omissão da mãe. Aos 14 anos, ao engravidar, a sua infância de terror veio à tona, quando foi obrigada a abortar. O pai foi preso, mas, conforme ele profetizara, ao ficarem sabendo, rejeitaram-na e foi afastada do convívio de algumas pessoas a quem amava. Em um determinado momento, ela não queria mais viver, porque não tinha nada pelo que viver. Tentou o suicídio. Relata: “Eu não podia me forçar a abrir todas as feridas, a contar a eles todas as rejeições que eu sofrera e como elas me fizeram sentir que eu não tinha valor algum e não era amada por ninguém. Ou a culpa que eu sentia porque a vida de minha mãe estava em ruínas e eu sabia que ela me responsabilizava por isso. (...) Aos poucos passei a me ver pelo olhar dos outros, alguém a ser ignorada a ponto de acabar desaparecendo. Eu era uma pessoa tão contaminada que os outros temiam que o simples fato de reconhecer minha existência também os difamaria. Eu não apenas não tinha nada, como não era nada”.
Situações como essa, infelizmente, estão mais próximas de nós do que imaginamos e em todas as classes sociais. Há adultos que tratam os menores como objeto erótico e, após usá-los, descartam-nos. Há meninas e meninos abusados que se fecham em seus emaranhados de dúvidas e em sua depressão porque algum adulto-fera corrompe seu corpo e seus sentimentos e os faz se sentirem culpados pela pureza violada. Há meninas e meninos que convivem com a promiscuidade sexual. Observam certos sites ou imagens rápidas no celular. Observam os filmes pornôs a que os pais assistem. Observam o relacionamento sexual e a troca de parceiros da mãe, do pai, dos irmãos. Isso sem falar na influência da TV, com muitos dos programas que adulteram o pensamento das crianças. Crianças, excitadas às vezes pelo que veem, desviam a fantasia do carrinho, da bola, da boneca... Incontáveis pequeninos pulam etapas para cair em algum consumo indevido de seu corpo. Há mulheres e homens, atingidos na infância por um predador, que sobrevivem em tropeços pela transgressão que lhe impuseram. Como se houvesse crianças com o poder de deturpar adultos.
A pureza profanada, no entanto, não atinge apenas o aspecto sexualidade. Ela abre um leque de desrespeito ao ser humano. Dela nascem desvios em diferentes setores da sociedade como preconceitos; fraudes; tráfico interno e externo de pessoas, de armas, de drogas; escravidões; o comércio do sexo; uso de pessoas para todos os fins. Profanar a pureza tira do indivíduo o humano e dá lugar ao selvagem.
Adulto algum tem o direito de desonrar a limpidez da vida de outrem. Adulto algum tem o direito de tatuar nódoas nos corações ingênuos.
Maria Cristina Castilho de Andrade
Coord. Diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala, Jundiaí, Brasil
RENATA IACOVINO - DITOS INAUDITOS

Folheando um livro de provérbios e ditos populares presenteado por uma amiga, dei-me conta de que essa modalidade está praticamente extinta. Ou: o que me fez buscar a tal publicação foi sentir que a escassez da reprodução dessas frases é cada vez mais constante em nossos dias.
Lembro-me que, criança, já repetia o que ouvia de minhas avós, pais e tios, buscando o sentido daquilo, em silêncio (e muitas vezes só vindo a perceber o real significado muito tempo depois), numa prática comum, integrada ao meu cotidiano.
Sem dúvida que os atrativos, atualmente, são outros, permeados de uma busca de algo que nos faça refletir por outro viés, por outros meios de comunicação, de linguagem, num divertimento mais infame e de pouca duração. É como se as mensagens que hoje nos chegam, tivessem sido feitas para não durar, para não deixar rastros nem marcas. Não nos prender a nada. E com isso ficamos escravos desse círculo de ter que acompanhar os excessos vazios.
Não sou uma defensora dos ditos populares, ao contrário, sou mais adepta dos conselhos que Chico Buarque dá em sua Bom Conselho.
Mas isso me serviu de mote para algumas reflexões.
Talvez o próprio sentido da vida e do que buscamos alterou seu curso. Aquelas frases nos serviam, também, de alento, de consolo, para crer nos homens, para relembrar qual pessoa querida dizia tal dito popular. Valores estes que perderam um pouco o sentido, não?...
Preservar a memória, a nossa história (coletiva, familiar e individual), parece algo obsoleto e sem sentido. O sentido que passamos a dar é aquele que nem mais percebemos, pois acabamos engolidos por uma velocidade que... não sabe nos indicar para qual sentido estamos indo.
Já que provérbios também servem para nos divertir com suas limitações... achei este bem curioso, pois retrata uma antítese: "Até a variedade, se é demais, enjoa". Fez-me pensar que nem só as situações repetitivas são enjoativas. Aliás, para mim podem justamente não ser.
Estes três versam sobre o mesmo tema, mas sob conclusões diferentes: "O fim justifica os meios", "Os fins nunca justificam os meios" e "Quem quer os fins, quer os meios".
E este, que julgo poético, até por conter uma sinestesia, abrindo caminho a uma metáfora: "A fome não tem ouvidos".
"Em tempos adversos mal faz o poeta seus versos". Reflito.
Renata Iacovino - escritora, poetisa e cantora / reiacovino.blog.uol.com.br /
reval.nafoto.net / reiacovino@uol.com.br
JOSÉ RENATO NALINI - COMPARTILHAR TUDO
Estranho quando se fala em privacidade e, ao mesmo tempo, se escancara a vida com a maior sem cerimônia. O que vem a ser hoje a intimidade? Será que ainda está em alta o “direito a estar só”? A se acreditar na tendência de se comunicar tudo a todos, de forma instantânea e contínua, concluir-se-á que ele já esteve em alta. Hoje está em queda acelerada.
É aquilo que Luli Radfahrer, jornalista da FSP, chama de “registro do desempenho”, algo que hoje faz parte da identidade pessoal. A tecnologia produziu aparelhos móveis com sensores de calor, proximidade, movimento e geolocalização, que funcionam, simultaneamente, como agentes de motivação e coletores de informação. Se houver conexão a esses instrumentos, os smartphones registrarão peso, medida, batimento cardíaco, mudança de humor, efeito de medicação, nível de atividade física, consumo de água, café ou de calorias em geral.
Seria uma forma patológica de narcisismo partilhar tudo isso nas redes sociais? Para Luli atingimos um novo estágio para a interação social. “Depois da digitalização das cartas por e-mail, das conversas por SMS e mensagens instantâneas, dos pontos de vista por Pinterest e Instagram, dos históricos pessoais e preferências pelo Facebook e dos estados de espírito pelo twitter, parece ter chegado a vez da atividade física, que de coletiva foi individualizada”.
Ingressamos, e isso é irreversível, num ambiente cada vez mais cibernético e social. As fronteiras entre o físico e o digital, entre o pessoal e o coletivo, estão cada vez mais fluidas, difusas, imperceptíveis até. Se nos acostumamos com o manejo de contas e extratos de banco para a movimentação financeira, nos acostumaremos também à consulta dos infográficos produzidos pelo acompanhamento de nossa performance em vários níveis.
Isso permitirá uma avaliação permanente e sistemática do próprio corpo, o que nos conduzirá a maior autoconhecimento, reflexão e aprendizado. Como conclui Luli Radfahrer, “Mais do que vitrine exibicionista ou casa sem cortinas, eles podem servir como um grande espelho que, ao refletir ações, ajude a redefinir identidades”. Isso precisa estar na consciência da comunidade jurídica ao insistir em indenização por dano moral em virtude de pretensa invasão de privacidade. Após o escancaramento dos dados, o que resta a esconder?
José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - O TEMPO

Cada dia mais vivo com a sensação de que o tempo está voando. Mas não é qualquer vôo. É na velocidade da luz. Ao menos, quando eu me dou conta, entre o momento no qual apago a luz para dormir e aquele no qual a acendo para começar o dia, nem uma mísera fração de segundo parece ter se passado.Tudo o que vejo são os dias, as semanas e os meses se passando, muitos deles à minha revelia...
O que mais me assusta é que, humana que sou, não consigo alcançar o tempo. Só vejo os rastros que deixa, inclusive em mim. Por mais que eu tente, minhas horas nunca parecem suficientes diante de minhas obrigações. Sempre busco reservar algumas para meu deleite, mas mesmo essas me escorrem pelas mãos, entre os dedos. Invariavelmente há algo a ser feito, terminado ou começado e até aí, tudo bem, mas onde o tempo se esconde para que tudo seja possível?
Se me fosse dada a tarefa de personificar o tempo eu o faria pela figura de um menino levado, sempre brincando de esconde-esconde, nunca se permitindo ser encontrado. Sei que não se persegue o tempo, entretanto. Ele tão somente se permite ser vivido e é implacável nesse sentido. Ou você está presente ou não está. Simples, objetivo e imutável. Não haverá uma única fração de tempo a ser revivido ou recuperado. Tudo o que temos é o tempo que nos resta, seja ele quanto for...
Estou certa, por outro lado, que tudo o que gostaríamos seria controlar o tempo, tê-lo todo ao nosso dispor. Suspeito, contudo, que a experiência não seria das melhores. Certas coisas devem ser como são, gostemos ou não. Ao nosso poder e arbítrio, restam poucas, mas importantes escolhas: sermos ou não felizes diante do que a vida nos apresenta. Ainda que alguns tenham fardos mais pesados, vivam vidas mais extenuantes, de alguma forma é nossa missão acharmos um espaço para alegria, para felicidade, até porque não sabemos se teremos mais do que isso ou mais tempo para fazermos diferente.
O passar do tempo não me preocupa pelo aquilo que pode fazer de mim, mas aquilo que pode me causar, levando para a eternidade, as pessoas que amo e que desejo próximas de mim. Estou me preparando, sempre e como posso, para aceitar o tempo quiser me dar, o que ele me trouxer, mas ainda não pronta para o que ele pode me retirar. Nesse sentido, o passar dele me dói e me assusta.
Apesar de tudo, reverencio o tempo. Nele vejo um mestre infalível. O tempo me dotou de mais paciência, levou embora grande parte de minhas ansiedades inúteis, livrou-me dos impulsos sem direção e me deu esperança, para todas as horas. Aprendi que o tempo justifica outras coisas, enquanto ajuda a lembrar e a esquecer. Que o tempo consuma minha matéria, mas que sempre alimente minha alma, a única parte de mim que gostaria de poder conservar. Ao tempo, em tempo, por todo tempo...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - É PRECISO FORMAR PESSOAS VALORIZANDO A CIDADANIA

Um indivíduo inculto não se pode revelar num homem psicologicamente livre porque, incapaz de avaliar seus esforços, deixa-se sonegar pelas injustiças dos poderosos. A educação é um direito inalienável de todos os homens, assegurado por nossa Constituição Federal, devendo repousar no desenvolvimento de seres humanos com uma razão crítica, com uma visão de mundo ético e humanista, com criatividade, senso estético e equilíbrio afetivo e psíquico.
No século X, em 02 de novembro de cada ano, o monge francês Odilon Cluny iniciou uma série de rezas e festas sacras para os cristãos mortos, costume que se espalhou por outras religiões. Os indivíduos acreditavam que, rezando para os falecidos, nesse dia, os vivos diminuiriam os castigos das almas que pecaram durante a vida terrena. Após quatro séculos, a Igreja Católica oficializou a comemoração, instituindo o Dia de Finados ou Dias dos Mortos, que chegou ao Brasil pelos portugueses. Na ocasião, os templos e os cemitérios são visitados, os túmulos são decorados com flores e milhares de velas são acesas, aspectos que já se tornaram tradicionais. Assim, essa data leva-nos a refletir sobre a morte e infelizmente, concluímos que ela está sendo cada vez mais banalizada em nosso país, a ponto de se assistir pela TV, a centenas delas por dia, numa visível demonstração de abandalhamento de princípios, que rendem exclusivamente, altos índices de audiência. Apesar do Direito consagrar a vida como o mais valioso bem a ser protegido, efetivamente as pessoas ainda não tratam o óbito como um rito de passagem, como deveriam entendê-lo nos aspectos religioso e moral, nem lhe outorgam as condições de dignidade exigidas por sua concepção jurídica.
Para mudarmos esse quadro, nossas esperanças se concentram na prevalência da ética, do valor da postura e da dimensão espiritual do homem e neste cenário, a educação se constitui no poderoso vetor energizante e impulsionador não a vislumbrando apenas em seu contexto escolar programático, mas também na sua dimensão criadora de uma mentalidade crítica e reflexiva. O problema não é simples. Melhores níveis de desenvolvimento intelectual e cultural significam menos influência da elite dominante, menos conformidade com a situação desigual, menos eleitores tolerantes ou apáticos. Mas é preciso tentar resolvê-lo. Faz-se necessário recuperar imediatamente a função social do ensino, integrando-o ao projeto de auto-realização de cada cidadão com o projeto de progresso da Nação. Nesta trilha, invoquemos a premissa de que um indivíduo inculto não se pode revelar num homem psicologicamente livre porque, incapaz de avaliar seus esforços, deixa-se sonegar pelas injustiças dos poderosos. A educação é um direito inalienável de todos os homens, assegurado por nossa Constituição Federal, embora a letra da Lei Maior manifestamente se distancie da realidade nacional.
Vale ressaltar, uma vez mais que, enquanto a educação permanecer prerrogativa de reduzidos grupos sociais - como comprovadamente indicam as pesquisas atuais - afastando-se as massas populares por circunstâncias étnicas, econômicas, políticas, eleitoreiras ou por caprichos pessoais e meras disputas de forças unilaterais, dificilmente coexistirão moral pública, progresso material e vida familiar elevados, e que no entanto, são essenciais à consecução do bem comum e à satisfação das exigências humanas.
Por tais circunstâncias a maior parte da população está descambando ao amoralismo, caminho seguro do egoísmo, da insensibilidade, da indiferença, da derrubada dos escrúpulos e da falência dos valores. Precisamos promover, com urgência, o crescimento pessoal do cidadão como ser moral. A mudança de procedimento, portanto, depende quase que exclusivamente da educação, cuja finalidade é formar homens plenos em sua humanidade. A preocupação com essa questão preponderante deve nortear nossos governantes e envolver todos os setores da sociedade.
A educação não pode ser vista como responsabilidade apenas das escolas. Tudo na sociedade pode ser e é pedagógico, em sentido positivo ou negativo. Na família, no trabalho, nos meios de comunicação, na ação política, nos atos religiosos, em qualquer setor de atividade humana, estamos ensinando às novas gerações modelos e propostas de conteúdo técnico, político e moral. Isso é tanto mais verdade na sociedade moderna, em que a criança está em contato com o mundo pela televisão, pela Internet e pela interação intensa com os adultos. É visível a necessidade de empenho coletivo para que os reais objetivos educacionais sejam plenamente atingidos e o cerne da educação deve repousar no desenvolvimento de seres humanos com uma razão crítica, com uma visão de mundo ético e humanista, com criatividade, senso estético e equilíbrio afetivo e psíquico. Reiteramos que, por mais que isso contrarie muitos tecnicistas da educação, a família e a escola devem se preocupar tanto com valores como justiça, solidariedade, respeito ao próximo, patrimônio cultural e tradições, como com Matemática e Português.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - Advogado, jornalista, escritor e professor universitário. Prêmio Quality de Direitos Humanos de 2011.
Domingo, 28 de Outubro de 2012
PAULO ROBERTO LABEGALINI - DO OURO AO LIXO

Conta-se que um jovem rico se acidentou de carro longe de casa. Um fazendeiro ouviu os gritos do moço e foi socorrê-lo, mas, espantou-se ao vê-lo no alto do penhasco, olhando para baixo e gritando:
– Minha BMW! Perdi minha BMW!
Percebendo que a mão esquerda do rapaz estava dilacerada, o fazendeiro alertou:
– Cara, você está tão desolado pela perda do carro que nem reparou no ferimento da sua mão! Olha o estrago que o acidente lhe causou!
Ao ver a mão ensangüentada, o jovem novamente pôs-se a gritar:
– Meu Rolex! Perdi meu relógio Rolex!
Isto pode parecer piada, mas coisas assim acontecem todos os dias. O ser humano é capaz de se preocupar mais com os bens materiais do que com a própria alma. Quanta gente pensa que tendo saúde e dinheiro não lhe falta nada! São pobres de espírito, muito diferentes dos pobres em espírito que Jesus valorizou.
Amar como Cristo amou parece utopia no mundo atual, onde não existem ‘santos’ como antigamente. E uma vida sem traços de santidade pode significar a exclusão do Reino do Céu, porque um pouco de humildade no coração e caridade nas ações são fundamentais no julgamento final.
Mesmo com defeitos e pecados, devemos servir a Deus com humildade e responsabilidade. No meu caso, as recompensas vêem na medida certa: paz, saúde e fé, além de relativo conforto e boas amizades. Porém, não posso descuidar da alma; se não estiver bem alimentada com oração, as diferentes tentações do mundo começam a me assombrar. Tudo fica mais fácil com a recitação do terço, a reflexão da Palavra, a participação nos Sacramentos e a adoração ao Santíssimo. Quem não cuida da alma, padece nas provações.
E na sobrevivência do corpo, enquanto uns se apegam ao ouro, outros correm atrás do lixo – já virou emprego de carteira assinada catar resíduos sólidos para viver! Peço a Deus que esta passagem bíblica toque em muitos corações dourados, insensíveis às aflições de seus vizinhos do lixo: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei de aliviar-vos. Tomai sobre sós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 28-30).
Mas também há muita gente boa no mundo. Eis o artigo de um juiz, livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo, que causou emoção nas pessoas:
“Indaga-me se as sentenças podem ter alma e paixão. Como devolver, por exemplo, a liberdade a uma mulher grávida, presa porque trazia consigo algumas gramas de maconha, sem penetrar na sua sensibilidade, na sua condição de pessoa humana? Foi o que tentei fazer ao libertar Edna, uma pobre mulher que estava presa há oito meses, prestes a dar à luz, com o despacho que a seguir transcrevo:
A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens, mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si.
Mulher diante da qual este juiz deveria se ajoelhar numa homenagem à maternidade, porém, que na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia. É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho:
Liberdade para Edna e liberdade para o filho que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo com forças para lutar, sofrer e sobreviver.
Quando tanta gente foge da maternidade, quando pílulas anticoncepcionais pagas por instituições estrangeiras são distribuídas de graça e sem qualquer critério ao povo brasileiro, quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento são esterilizadas, quando se deve afirmar ao mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da terra e não reduzir os comensais, quando por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum com o feto que traz dentro de si.
Este juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua mãe se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão. Saia livre, saia abençoada por Deus. Saia com seu filho, traga seu filho à luz, porque cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro e algum dia cristão. Expeça-se incontinenti o Alvará de Soltura.”
PAULO ROBERTO LABEGALINI - Escritor católico, Professor Doutor da Universidade Federal de Itajubá-MG. Pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da UNIFEI.
JOÃO PEDRO MARQUES E CASTRO - OS JOVENS SÃO HERÓIS
Lembro-me de alguns exemplos de cidadania ativa, o Diogo Antunes, a Anabela Martins entre muitos outros. Jovens proactivos interessados na condução dos destinos da sociedade e naquilo que será o seu futuro. Não é fácil ser-se jovem nos dias de hoje. Talvez nunca tenha sido tão complicado. Um futuro cada vez mais inserto, uma economia recessiva que não augura nada de bom. O desemprego hoje, infelizmente, está a tornar-se banal e dizem estudos económicos que esta geração será a cobaia do volte face na retoma financeira. Dá-se por adquirido que o nível de vida dos nossos pais, grosso modo, é necessariamente superior aquele que temos e viremos a ter.
E por tudo isso ser jovem hoje é ser-se um herói! Claro que gastamos mais do que aquilo que podíamos quando o nosso povo e os nossos governantes gastaram o dinheiro que jorrava da União Europeia em benefício pessoal e não em proveito da comunidade. Parece cíclico, já que é a terceira vez que termos de pedir ajuda externa, e das duas últimas ocasiões parece que não se aprendeu com o que de errado foi feito. As facilidades continuaram, e os entes públicos que têm a obrigação de dar o exemplo muitas vezes não dão, em espetáculos vergonhosos que só fazem com que a população não se reveja nos que legitimaram para governar e depois não se identifique com eles. O Estado hoje é visto como uma pessoa de má-fé, que paga tarde, que suga impostos e que não dá exemplos. É urgente que o princípio da transparência seja uma realidade efetiva e cada vez com mais força. Que a fiscalização exista de facto e que a justiça funcione a nível igualitário para mais ricos e mais pobres.
E desse modo, os jovens são a chave que abre a fechadura da correção. Temos de ser nós a lutar por transparência, equidade, solidariedade e publicidade real dos atos. Não nos podemos resignar e adotar o caminho mais fácil que é ir embora e emigrar. Claro que não nos trataram bem, claro que emprego hoje em dia, infelizmente está a tornar-se utópico para muita juventude, mas não vamos abdicar do território onde nascemos, onde temos família e amigos e partir, por erros dos outros. Que cada um de nós adote uma atitude responsável e ativa e pense no benefício coletivo, porque se cada um olhar para o seu umbigo, quando olharmos em frente já não vemos nada e aí será tarde demais! Parabéns a todos os jovens portugueses, por andarem com as cotas bem erguidas, percorrendo caminhos estreitos mas em frente! Não temos culpa, que tenham empurrado sempre o monstro do défice para a frente, na lógica de quem vier a seguir que feche a porta. Olhemos para o garante social e ponhamos sempre as pessoas primeiro, o poder económico vem, usa e vai embora, as pessoas ficam sempre!
JOÃO PEDRO MARQUES E CASTRO - Advogado - Fafe, Portugal.
JENNIFER LARUE HUGET - FORÇA TAREFA AMERICANA VOLTA A ADVERTIR SOBRE OS PERIGOS DA TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL NA PÓS-MENOPAUSA
Jennifer LaRue Huget para o jornal americano The Washington Post – Tradução de Francisco Vianna
Terça feira 23 de outubro de 2012
Um painel de médicos nos EUA recomendou, ontem, que as mulheres na pós-menopausa não tomem hormônios sexuais a guisa de “terapia de reposição hormonal” (TRH), supostamente para prevenir doenças crônicas, pelo fato de que os riscos de tal procedimento à saúde se sobrepõem aos alegados possíveis benefícios.
Tal recomendação, feita por uma Força Tarefa do Serviço de Prevenção dos EUA (veja em http://www.ahrq.gov/clinic/uspstfix.htm, em inglês) corrobora uma recomendação similar feita pelo mesmo painel em 2005. A afirmação foi divulgada pela edição eletrônica da revista científica Anais de Medicina Interna (Annals of Internal Medicine).
A Força Tarefa reviu toda a pesquisa publicada desde 2005 e mostrou que a combinação de estrogênio com progestágeno como terapia pós-menopausa reduz o risco de fraturas ósseas, mas as mulheres submetidas a essa TRH não têm o risco de doença cardíaca (coronariana) diminuído e, na verdade, têm o risco de câncer de mama aumentado, bem como o de AVC (acidente vascular cerebral), trombose, doenças da vesícula biliar, demência senil e incontinência urinária.
Um relatório dessa Força Tarefa, postado em inglês na página do grupo disse que para cada 10.000 mulheres que se submetem por ano a essa TRH, 46% delas tiveram o risco de fraturas ósseas diminuído, mas 8% desenvolveram câncer de mama, 9% tiveram AVC, 9% foram acometidas por diversos tipos de trombose pulmonar, 12 % tiveram tromboses sérias dos membros inferiores, 20% desenvolveram doença da vesícula biliar, 22% foram acometidas por algum tipo de demência senil e 872 delas apresentaram incontinência urinária.
O grupo disse que o relatório se refere apenas ao uso da TRH para profilaxia de doenças crônicas. A recomendação, diz o relatório, não se aplica ao uso dessa terapia para controle dos sintomas da menopausa, tais como as ‘ondas de calor’ e ‘secura vaginal’, nem tampouco se aplica a mulheres abaixo de 50 anos que fizeram histerectomia. “Caso uma mulher esteja a sofrer com sintomas da menopausa”, disse Michael LeFevre, um dos dois vice-diretores da Força Tarefa, “nós a encorajamos para que procure seu ginecologista para avaliar se os benefícios da TRH suplantam os riscos demonstrados”.
A Força Tarefa é um grupo independente de médicos dedicados aos profissionais que provêm cuidados primários à mulher e especialistas na prevenção de distúrbios funcionais endócrinos com base na Medicina de Resultados; sua recomendação publicada é direcionada também aos clínicos gerais de primeiro atendimento dos sistemas de saúde.
Os achados da Força Tarefa corroboram um relatório publicado anteriormente. Em 2002, a ONG Iniciativa de Saúde da Mulher, que recebe verbas governamentais, achou que os benefícios oriundos do uso de ‘hormônios prontos’ foram suplantados pelos riscos, inclusive de doença cardíaca e câncer de mamar. Após aquele relatório, o uso da TRH caiu em mais da metade.
Em 2010, a Iniciativa achou que as mulheres que se submeteram à TRH estavam mais propensas a neoplasias que pareciam surgir com mais frequência e em maiores tamanhos e terem uma difusão mais rápida de seus linfonodos. Porém o mais importante é que seu risco de morte mostrou-se mais elevado.
UMA EXPLICAÇÃO MÉDICA FUNCIONAL
(Dr. Francisco Vianna)
Há algum tempo, a chamada Medicina Funcional Molecular, ou Medicina de Resultados, nos ensina que toda vez que se administra um hormônio pronto a uma pessoa, o qual deveria ser produzido pelo sistema endócrino (das glândulas) do corpo, a hipófise – que controla todas as demais glândulas – “enxerga” que tal hormônio já existe em quantidades geralmente superiores à necessária em circulação e começa a inibir a produção desse hormônio pela glândula que o produz. A pessoa assim se transforma numa “dependente química” de tal hormônio.
Quando ocorre a menopausa e a mulher para definitivamente de ovular, saindo de sua idade fértil e reprodutiva, desaparecem os seus folículos de De Graaf que, após a ovulação, se transformavam em corpos lúteos produtores de progesterona. Com a queda da progesterona endógena, ocorre também diminuição do estrogênio ovariano e a mulher entra num processo progressivo de insuficiência ovariana, por mais que a hipófise estimule as gônadas para a sua produção hormonal específica.
Em função dessa crescente incapacidade endócrina, as suprarrenais assumem a tarefa de produzir tais hormônios, o que, todavia, depende da disponibilidade de certos 17-cetoesteroides, geralmente provenientes da alimentação, e chamados genericamente de moléculas pré-hormonais. Tais moléculas não são “vistas” pela hipófise como hormônios prontos circulantes e, portanto, não têm a mesma capacidade de fazer com que a glândula-chefe iniba as demais, como ocorre com os hormônios prontos administrados como TRH.
O que ocorre, então, é o aproveitamento de tal “substrato pré-hormonal” que, por estímulo hipofisário – e seu consequente feedback –, faz com que a síntese hormonal efetuada pelas suprarrenais ocorra de modo otimizado mantendo o equilíbrio hormonal fisiológico necessário após a menopausa.
Esses ‘pré-hormônios’ são principalmente os fitosteroides, a androstenolona, o DHEA (a dihidroepiandrosterona), a pregnenolona, e outros que, sobretudo pelo uso e abuso dos chamados “fisioculturistas” – que os usam em grandes quantidades como “esteroides anabolizantes” para ganho de massa muscular –, têm sido proscritos pela Vigilância Sanitária no Brasil. Essas substâncias devem ser ingeridas pelo consumo de alimentos que são ricos nesses esteroides e não pela ingestão pura e simples da substância sintetizada ou purificada em laboratório. Qualquer nutrólogo ou nutricionista pode orientar as pessoas no uso de alimentos ricos em moléculas pré-hormonais, como a isoflavona, por exemplo, e com isso dispensar com muita vantagem a chamada Terapia de Reposição Hormonal, onde não há interferência iatrogênica na homeostasia endócrina.
FRANCISCO VIANNA - Médico, comentador político e jornalista - Jacarei, Brasil
HUMBERTO PINHO DA SILVA - O VALOR DE UMA CASA BARROCA

Um belo dia bateu à porta o carteiro. Era portador de carta registada. A Ilda, a empregada, que era tratada como se da família fosse, correu a recebe-la.
Tratava-se de aviso da Câmara Municipal, intimando meu pai a destruir prédio barroco, que ameaçava desabar, sob a ameaça do Município fazê-lo, imputando o custo ao proprietário.
Afligiu-se grandemente: realizar a demolição era dispendioso e não tinha possibilidade, a não ser que empenhasse a casa onde vivia. Deixar a Câmara fazer, seria o mesmo.
Não encontrou outro remédio se não consultar advogado, suplicando - quase de mãos postas, - que encontrasse solução para o intrincado problema.
Aconselhou o jurista que escrevesse carta à edilidade, narrando a situação, recordando que se tratava de bela casa barroca, património que devia ser preservado. Acrescentando que estava disposto a vendê-la a preço acessível.
Decorridas semanas, recebeu intimação: davam-lhe apenas três meses para arrasar o prédio. Seguiam as habituais ameaças, caso não cumprisse a ordem.
Tornou a escrever, requerendo tempo para vender a casa. A resposta foi sóbria e ríspida: só tinha três meses: nada mais!
Por essa época andava enfermo, vítima de doença que havia de o levar à morte. O resultado dessa troca de correspondência, foi agravar-lhe o mal, a ponto do médico recear morte repentina.
Certo é, que posto à venda, a preço de saldo, apareceu advogado, que regateando a quantia, adquiriu o prédio por tuta-e meia.
Agravada a doença, meu pai faleceu. Feito partilhas, decorreram anos que não transitei pela parte histórica da cidade.
Certa vez, por curiosidade, não tendo itinerário, passei pela velha casa barroca, e, para meu espanto, encontrei-a restaurada, brilhando como nova.
Avizinhei-me, e verifiquei que havia placa de bronze, indicando: “Propriedade Municipal”.
Entrei numa mereceria, meio tasco, e interroguei mulher que servia de mangas arregaçadas, vinho a copo.
Fiquei a saber que pouco depois da morte de meu pai, o prédio foi adquirido pela Câmara Municipal, por ser casa de valor histórico.
Lição da história: leiras ao luar e casas barrocas, valem consoante o proprietário.
Na mão de meu pai, nada valia e deveria ser demolida em três meses, sendo um belo exemplar da arquitetura barroca; na posse do jurista, o Município, para não a destruir, pagou, por certo, bom preço.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
JORGE VICENTE - RICA POBREZA
Mote
Unidos, só têm fome de paixão;
Vêm provar que o amor é coisa pura,
Que enobrece a mais simples criatura,
Livrando-a de tristeza e dor... Quem são?
Bernardo Trancoso:
(Distinto Poeta Brasileiro)
Glosa
Unidos, só têm fome de paixão
Como dois noivos tão apaixonados,
Aonde brilha amor no coração,
E com os seus olhares extasiados.
Vivem, sim, esta vida como jovens,
Vêm provar que o amor é coisa pura.
Pensando até viver no meio das nuvens,
Nos momentos de afeto e de ternura.
Não parece amor escravatura
Por vezes ele dura a vida inteira,
Que enobrece a mais simples criatura,
Uma ventura sempre verdadeira.
Amor puro, do que há entre o mais belo
Vivido sempre com muita emoção
Que enaltece a pessoa e sem duelo,
Livrando-a de tristeza e dor... Quem são?
JORGE VICENTE - Fribourg, Suiça
CONVITE DA CÂMARA MUNICIPAL DE JUNDIAÍ

Segunda-feira, 22 de Outubro de 2012
RENATA IACOVINO - AFINIDADES PARADOXAIS

Monossilábica ou verborrágica? Objetiva ou prolixa?
Atentei, sem querer – talvez pela compulsória experiência que a vida nos dá, quando já passados alguns bons anos –, para os adjetivos que me são atribuídos pela variedade de pessoas que me conhecem... Ou que não me conhecem. “Variedade”, pois é tão diverso o olhar de cada um sobre nós.
Um nos vê de maneira oposta àquela que outro enxerga. E cada um desses tem convicção de que sua percepção é a verdadeira, suas impressões são fidedignas. E ficamos sem saber qual a verdade de verdade...
Penso que a verdade é que não existe verdade. Daí, somos a soma de pequenas mentiras. As características com que cada um nos inventa – pautadas na sua verdade intocável – são ficções... retratos de uma pseudopersonalidade.
Até porque, parece-me que nos comportamos, também, de modo diferente diante de cada um, moldando-nos àquilo que a pessoa com a qual estamos interagindo nos sugere, ou nos induz, ou nos provoca, ou não.
É um quebra-cabeça. As peças vão se encaixando aos poucos. Alguns quebra-cabeças são complexos, com um número maior de peças. Outros são simples, menos trabalhosos. A liga que se dá entre mim e o outro vai depender do tamanho desse quebra-cabeça, que se apresenta conforme a afinidade, empatia, simpatia, disposição, tolerância, interesse, afeto, ou a ausência disso tudo, ou de algum desses elementos.
O fato é que estamos sempre a nos procurar nesses universos criados e descritos por aqueles que nos circundam. E este raciocínio meio desarrazoado fez-me lembrar da imperfeição e de uma das artes mais difíceis de praticar: a de aceitar a imperfeição. E mais que aceitá-la, transformá-la. Transformá-la é vê-la sob outro ângulo. Ou se for preciso, troquemos nosso olhar, pintemos sua pupila de outras cores.
E então a imperfeição é essa qualidade que está a nos cercar desde que emitimos nosso primeiro choro. E tendemos a chorar quando percebemos, em nós, alguma imperfeição. Afinal, é inaceitável, pois precisamos ser o melhor, é necessário apenas vencer, urge atingirmos o inatingível para provar a alguém – que nunca saberemos realmente quem – que somos como quase deuses.
A busca incessante pela perfeição traz-nos infelicidade. É como um consumismo desenfreado de nossas almas... em busca de um estereótipo, mas encontrando utopia.
Renata Iacovino, escritora e cantora / reiacovino.blog.uol.com.br /
http://reval.nafoto.net / reiacovino@uol.com.br
JOSÉ RENATO NALINI - ´MUDAR DE CONVERSA

Há chavões que habitam todas as conversas. Houve um tempo em que se falava “a nível de”. Também já se abusou do “colocar” em vez de expor. Em recente reunião de Congregação, houve troca de olhares quando a mestra contratada pela instituição iniciou sua fala com o denunciador “Vou estar falando para vocês…”.
O gerundismo do telemarketing, de tanto combate, parece ter caído de moda. Assim como o “tipo”, que aparece na fala paupérrima de quem não tem vocabulário. E que eu sempre interrompo, para dizer: “Em ciência jurídica, tipo é um verbete utilizado para enunciar a ação ilícita. O tipo do furto é subtrair coisa alheia móvel”. Pois uma dessas expressões surradas é a “mudança de paradigma”.
Surgiu com a obra de Thomas Kuhn, físico que há 50 anos lançou “A Estrutura das Revoluções Científicas”, pela editora da Universidade de Chicago. Foram apenas 172 páginas, mas influenciaram o mundo. O raciocínio é relativamente simples. O desenvolvimento científico ocorre em 3 fases. A primeira é a “ciência normal”. A comunidade pesquisadora compartilha a matriz disciplinar e procura solucionar os enigmas gerados por anomalias entre o que o paradigma prevê e o que a experiência revela.
Em períodos mais longos, as anomalias não resolvidas se acumulam e o paradigma é questionado. É a fase em que surge “uma proliferação de articulações convincentes, a disposição de tentar qualquer coisa, a expressão de descontentamento explícito, o recurso à filosofia e ao debate, de preferência aos fundamentos”.
A crise é resolvida por uma mudança revolucionária de visão do mundo, na qual o paradigma original é substituído por um novo. É a tal “mudança de paradigma”, que se tornou clichê e panaceia. Serve para tudo. Em outras palavras, nada mais do que a tese, antítese e síntese, esta a representar nova tese para o reinício do ciclo.
Espertos, marqueteiros e profissionais da reengenharia motivacional, servem-se da mudança de paradigma para impor seus projetos às empresas que os contratam. Nem por isso a obra de Thomas Kuhn deixa de instigar e de provocar a reflexão dos homens da ciência. É isso. Não está na hora de mudar de assunto, ou de paradigma, se preferirem?
JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - PARTILHA DA FÉ EM DEUS

Penso que as histórias que carregamos com desvelo, embora o tempo as coloque na distância, refletem o nosso interior. Meu pai gostava de repetir os fatos que o emocionavam. O relato de hoje soube há pouco através de minha mãe.
O moço integrava o grupo de amigos de meu pai desde o início da juventude. Eram alegres, de sucesso nos bailes e de porte nobre a cavalo. As jovenzinhas suspiravam aos vê-los passar animados pelos sonhos e pela liberdade na descoberta do mundo. Buscavam constantemente novas paisagens. Alguns os consideravam rebeldes ao não se permitirem domar por determinadas normas sociais que nada acrescentam ao ser humano.
O moço, em um aspecto, diferia dos demais: descria de Deus e dos sinais do céu. Os companheiros guardavam os dias santos, rezavam e se dobravam diante do que pertencia ao Divino. Ele zombava da espiritualidade. Perdera os pais, vitimados por um acidente, ainda pequeno. Ficou apenas a irmã, mais velha, que passou a administrar a casa e a cuidar dele. Era uma mulher firme na fé no Altíssimo, de oração constante e de obras da caridade. Anunciava ao irmão as manifestações de Deus na História da Salvação e no cotidiano da família humana da qual faziam parte. Ele silenciava somente para não ofendê-la, já que a amava num misto de irmã-mãe. Ela, contudo, era consciente de que o irmão renegava as verdades da fé que conduziram os seus através de décadas.
Para estudos, o moço foi à Europa. Os amigos se reuniram, com o propósito de festejar a viagem do companheiro, na chácara de meu avô Castilho, aqui em Jundiaí, na Vila Rio Branco, hoje Vila Liberdade. Meu pai organizou o jantar. Estranharam, naquela noite, no paletó do amigo, um alfinete com a imagem do Anjo da Guarda. Ele se justificou e se reafirmou ateu. Aquele alfinete acompanhava a irmã desde o Batismo. Comentara com ele que, como da distância não poderia protegê-lo, lhe oferecia o seu Anjo da Guarda. Com ar de escárnio, o moço exclamou: “Não serve para nada, mas fica aqui pela ilusão de minha irmã”.
Mal chegara à Europa, recebeu a notícia de que a irmã falecera de ataque cardíaco. Em pranto, durante todo retorno – naquela época as viagens eram feitas de navio -, entendeu que sua irmã lhe ofertara algo muito além do alfinete com a imagem do Anjo da Guarda: o discernimento da proteção do Céu. Enxergou a presença do Criador nas águas azuis do mar que levavam suas lágrimas. Enxergou a presença do Filho nas renúncias e no carinho da irmã. Enxergou a presença do Santo Espírito que, como bálsamos, tocava a sua dor profunda e a suavizava. Enxergou que o Senhor, que levara a irmã, viera sempre em busca dEle. Tornou-se testemunha da fé em Deus.
No túmulo da irmã, em meio a rosas vermelhas e brancas, depositou a oração do Credo, impressa agora em sua alma. E aos amigos declarou com firmeza: “Eu era um tolo em minha onipotência. Deus existe e não cabe em minha cabeça, mas vive em meu coração!”
Maria Cristina Castilho de Andrade
Coordenadora Diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala, Jundiaí, Brasil