PAZ - Blogue luso-brasileiro
Sábado, 26 de Abril de 2014
LAURENTINO SABROSA - QUEM TIVER OUVIDOS QUE OUÇA
Cristo disse “quem tiver ouvidos que ouça”(Mt 1l,15). Ora, mesmo sem nos referirmos à sensatez no sentido bíblico, o que se verifica é que, na realidade, há mesmo muita gente que tem olhos mas não vê, tem ouvidos mas não ouve, porque não olha para muitas realidades e não ouve as poucas vozes que pretendem mostrar-lhes essas realidades.
Um exemplo disso é a pouca atenção que quase toda a gente dispensa à sua saúde, e, por causa disso, cometem excessos de toda a ordem, na alimentação e nos vícios que lhe dão prazer. De vez em quando, lá se alertam as pessoas para os malefícios do tabagismo e do alcoolismo, mas tudo continua como sempre. Também de vez em quando, são referidos os grandes malefícios provocados pela alimentação irracional, principalmente pelo excesso de gorduras que conduz à obesidade. Pois quase toda a gente continua indiferente nos seus hábitos alimentares, notoriamente prejudiciais, mesmo aqueles que por serem já obesos, têm obrigação moral e social de se corrigir.
Porém, esta insensatez, ainda não é das piores. Há uma outra obesidade, a que se pode chamar “obesidade mental”, de efeitos perniciosos muito superiores aos da obesidade física, e tudo por as pessoas na grande generalidade terem ouvidos mas não ouvirem, terem olhos mas não verem, terem neurónios mas não pensarem.
A obesidade física resulta de hábitos alimentares nocivos, principalmente no consumo exagerado de gorduras. A “obesidade mental” resultará da intoxicação de que muita gente se deixou possuir, no campo da informação e da educação. A sociedade moderna está atafulhada de preconceitos, de ideias e opiniões que se generalizaram por se terem tornado moda. As pessoas viciaram-se em juízos superficiais, condenações precipitadas, opiniões formadas mesmo sem se conhecerem o âmago dos assuntos, que lhes foram impingidas por quem tem interesse que elas sejam vulgarizadas. As pessoas não se detêm a reparar na justeza do que lhe é dito ou ensinado, porque não estão atentas à vida, ao oportunismo dos espertos que vivem e prosperam à custa da ignorância dos outros. Preferem ter vontade abúlica que as leva a deixarem-se levar, não por gostos próprios e segundo a sua personalidade, mas por gostos e comportamentos que alguém habilmente conseguiu implantar como moda e de bom tom.
Para isso muito contribuem a imprensa e as televisões. Essa comunicação social, que devia ser, a par da escola, um grande agente da instrução e cultura, conseguiu deturpar e até inverter os valores do são convívio e do progresso social, e a seguir, até para economicamente poder sobreviver, sente-se na obrigação de lisonjear as pessoas na formação que lhes foi dada, e alimentar a inversão que está na origem de tudo. Para isso arranjam comentadores, politólogos, especialistas disto e daquilo, que querem dar a sensação de que sabem de tudo, mas do muito que falam, sabem sem profundidade. Nunca se viu tanta sabedoria, ao mesmo tempo tão acumulada e tão espalhada! Os jornalistas, os artigos de opinião, os editores de livros, realizadores de cinema, de telenovelas e revistas, cozinham, todos em conjunto, uma gigantesca alimentação de fast food intelectual que intoxica a formação cultural e da imaginação das pessoas.
Há milhares de livros que nem sequer deviam existir. O leitor já reparou, por exemplo, que um grande número de livros têm um título que não tem qualquer relação com o seu conteúdo? O leitor que medite um pouco não compreende, mas logo a seguir deixa de meditar e fica convencido de que o título está correcto, se calhar tem a sua profundidade, ele é que por suas limitações não consegue atingir. É o que se pretende, porque uma técnica de massificação das pessoas é exactamente fazê-las convencer-se de que aquilo que é implantado na sociedade e se tornou opinião geral é que é o correcto, O mesmo se passa com os medicamentos. Há muitos que não deviam existir, e só se justificam pela liberdade de mercado e pela avidez económica dos grandes laboratórios. Um fármaco bastante usado no tratamento do colesterol, por exemplo, tem mais de trinta variedades espalhadas no mercado! De certa vez, há muitos anos, falando a um notável médico, pus-lhe em paralelo a condenável abundância de livros e de medicamentos. Quando eu acabei a minha prédica, ele, referindo-se a medicamentos, disse-me: “tens toda a razão, é mesmo assim, mas isso não se pode dizer a toda a gente!” Acabamos com uma risada muito cúmplice. Hoje talvez ele me tivesse dito: “isso não se pode dizer porque não é politicamente correcto”. O leitor já reparou também que o “politicamente correcto” se tornou moda, e hoje em dia tudo está subordinado a isso? Ser ou não ser verdade, sensato ou não, nada pode ser manifesto ou exprimido se não for “politicamente correcto”, e não é “politicamente correcto” ignorar o “politicamente correcto”!
O jornalismo escrito e televisivo, lisonjeiam as inferioridades humanas, e, assim, não se importam de beliscar reputações e, muito mais interessados que informar com verdade, parecem interessados no sensacionalismo de temas polémicos e chocantes. São poucos os programas das TVs. em que se focam problemas humanos que devemos conhecer e se entrevistam pessoas valorizando nobrezas, para degenerarem em sessões de riso sem medida e conversas verdadeiramente fúteis. E então, nos concursos musicais e naqueles programas que pretendem ser de diversão, podemos ver o baixo nível a que desceu a música e a dança nestes tempos. Proliferam grupos musicais que se arvoraram em grupos artísticos, que se comprazem mais em berrar que cantar, mas até conseguem editar álbuns de sucesso e serem convidados para uma exibição ali, o que dantes seria uma grande honra. Esses grupos, que noutros tempos seriam considerados grupos fandangos, dão a impressão, a “quem tiver olhos que vejam e ouvidos que ouçam”, de que encontraram aquilo como solução de vida como um foragido encontra um valhacouto. Regra geral, são acompanhados por umas moçoilas que, cheias de juventude e de irrequietismo, colaboram de triste maneira na exibição dos fandangos, meio despidas e dançando com nível artístico apropriado à música, saracoteando e sacudindo-se como quem quer livrar-se de uma praga de pulgas ou de um exército de formigas! O talvez ainda mais lamentável, é que a numerosa assistência, massificada nas suas opiniões e gostos, sem sentido crítico e sem sensibilidade artística, aplaude alegremente toda aquela actuação! Parece que hoje em dia todas as pessoas a tudo batem palmas e com qualquer coisa se divertem – e lá continuam as TVs. e os intervenientes naquele espectáculo todos satisfeitos, animados a prosseguirem na mediocridade. Também parece que as estações operadoras nunca sentirão essa mediocridade. Pelo contrário, devem sentir-se como entidades de utilidade pública, por em cada festival concederem dezenas de milhares de euros, como prémio entregue a quem tiver a sorte de o arrebatar, sem esforço, sem sabedoria, só porque um telefonema o permitiu. Esta prática está tão vulgarizada, que pode ser considerada como didáctica social psicologicamente censurável, por estimular a apetência pelo dinheiro fácil, o que por ínvios caminhos tem reflexos e consequências na vida pessoal e social. Mas tudo continua a rolar na massificação, no comodismo da rotina e da indiferença.
Como se não bastasse a acção e influência de toda a comunicação social, a família e a própria escola dão uma ajuda para este perverso estado de coisas. Qualquer pai sabe que se os filhos abusarem de chocolates, de gelados, ficarão doentes, embora nem sempre tenha a necessária energia e disciplina para o evitar. Por isso, não admira muito que não se importe que a formação moral e mental deles seja feita por videojogos, telenovelas, filmes de violência e de pornografia mais ou menos velada. Disso só pode resultar uma educação muito deficiente, pelos exemplos que observa, pelo que aprende de falacioso e por falsos conceitos sobre a felicidade e o convívio social. O stress e as emoções com que lida, só lhe podem perturbar o sistema nervoso, e, por isso, grande parte dos jovens nunca conseguem uma vida verdadeiramente saudável e equilibrada.
Pela superficialidade da instrução, pela permissividade na educação, não admira que as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência: família contestada, as tradições esquecidas, a religião abandonada, a cultura, o folclore e tudo que é artístico banalizado. Florescem as baixas e até doentias manifestações do espírito, como a falta de fraternidade, a falta de civismo e de delicadeza, o egoísmo, a pornografia, donde resulta aumento de violência e de criminalidade. É este o lamentável estado de coisas na chamada civilização ocidental, tudo derivado de não se seguir a doutrina do Evangelho e por se esquecer os conselhos de Cristo, entre os quais o de “quem tiver ouvidos que ouça”.
Nota importante– O conceito de “obesidade mental”, em que se baseia o exposto, foi recolhido da internet, onde vi noticiado (Out.2013) que o Doutor Andrew Oitke, Professor em Harvard, tinha publicado um livro polémico e contundente com esse título, e expunha exactamente, com a sua autoridade, as ideias que já estavam albergadas no meu espírito, hauridas de outras fontes e resultantes do que tenho observado em toda a vida social. Expus as minhas ideias fortalecidas e animadas pelas opiniões do referido catedrático.
LAURENTINO SABROSA - Senhora da Hora, Portugal
laurindo.barbosa@gmail.com
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - A DOAÇÃO DE ORGÃOS, UM GESTO DE PROFUNDA SOLIDARIEDADE HUMANA
Caracterizado como uma operação cirúrgica pela qual se enxerta no organismo receptor um tecido obtido de um doador, o transplante é tido como uma das mais expressivas conquistas médicas, além de se revelar, observadas as exigências legais, numa manifestação de caridade e de exercício dos autênticos sentimentos da humanidade.
Efetivamente, na luta pela vida, os transplantes de órgãos significam uma grande vitória e a Lei de Doação de Órgãos, editada no Brasil em janeiro de 1998, trouxe a muitas pessoas, praticamente condenadas à morte, uma esperança visível de sobrevivência. Entretanto, decorridos dezesseis anos de sua promulgação, o diploma legal ainda não produziu os efeitos desejados, notadamente o sensível acréscimo de operações do gênero. Evidencia-se, por inúmeras constatações, que esse quadro não tem caráter jurídico, mas aparece assim caracterizado em decorrência de inúmeras circunstâncias materiais e culturais que cercam a questão.
Com efeito, a carência de recursos na área da saúde se vislumbra como um dos fatores primordiais de dificuldades, acrescido de problemas administrativos que impedem o avanço e o aprimoramento das centrais de transplantes estaduais e circunstâncias que englobam a aceitação, a incompatibilidade, a rejeição, a conservação dos órgãos, a regeneração, a imunologia, etc.. Além destes aspetos técnicos, há motivos de ordem sócio-culturais, pois evocam o mundo simbólico, emocional, de crenças e relações, como certos obstáculos criados pelas famílias de pacientes com morte cerebral, que entendem ser desrespeitoso dispor da parte do corpo de um ente querido nestas condições. Entretanto, o sofrimento de quem entra na fila do transplante é muito forte, sabendo-se ainda que vai enfrentar um paradoxo. De um lado tem que esperar pelo óbito de um doador compatível, a autorização de parentes e, sobretudo, que o órgão chegue em condições de ser transplantado. Essa maratona dura, em édia, onze meses, se for o coração, e pode chegar a mais de dois anos, no caso de um transplante duplo de rim e pâncreas. Do outro lado, passa conviver diariamente com a possibilidade de risco iminente de passamento, já que a operação em geral, é a última alternativa.
Na realidade, precisamos nos conscientizar que a doação de órgãos se constitui num gesto de profunda solidariedade humana já que possibilita, mesmo após a morte física de uma pessoa, que outras possam continuar vivendo, beneficiadas por esse gesto de amor. Nesse sentido, cite-se trecho de editorial da revista “Família Cristã” (08/95 – pág. 05):- “... a atitude de doar se aproxima muito do mandamento cristão que assegura não existir prova maior de amor do que dar a vida pelo próximo. É um compromisso com a vida que supera a simples luta pela sobrevivência pessoal e denota a vontade de estar em permanente estado de comunhão com toda a humanidade, desejo que se prolonga até mesmo após a morte biológica”.
Sob qualquer perspectiva, a doação de órgãos deve ser incentivada por todos os que consideram a vida um bem precioso pelo qual se deve lutar com todos os meios e toda a tenacidades possíveis. Graças ao transplante, também muitos indivíduos puderam melhorar sua qualidade de vida, recuperando a visão ao receber uma nova córnea, por exemplo. Por isso, a ausência acerca do que é um dever fundamental, não pode prosperar. É necessário que todos se transformem em doadores. Transformação esta que nos ajuda a recuperar, na ética da responsabilidade, a disposição para estarmos mais disponíveis para o outro. Afinal, disse um filósofo, a relação social é o milagre de sair de si, e encontrar o próximo, que antes de nos fascinar, ameaçar ou agredir, é a força que nos ajuda a quebrar o encantamento individualista que nos prende a nós mesmos.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - ATENÇÃO QUE SALVA
Algumas coisas não reparo, mas existem outras às quais dou importância. Creio que os detalhes que valem à pena são os que salvam.
Em 2013, um dos gatos aqui de casa, o Tonho, de idade avançada, passou por problemas graves de saúde. Dentre eles, gastrite e alterações no fígado. Se não fosse a competência e a dedicação da Dra. Célia Camargo, da Clínica Veterinária “Dog Saúde”, dificilmente sobreviveria. Ficou com sequelas. Há dias em que “suplica” à mamãe algo para comer e quase nada lhe agrada. Ela coloca, em pratinhos separados, pitadas de sua ração preferida, carne vermelha, frango, peixe e leite. Naquele que ele der uma lambidinha é sinal de escolha, como refeição, para a semana. Embora franzino, seus olhos são vivos e o miado bem forte.
Não sei se existe época certa para isso, porém, em casa, apareceram diversos casulos de borboleta entre fevereiro e início de abril. A mamãe se empenhou em protegê-los e, para a sua alegria, de algumas observou a saída. Como se sentiu cuidadora de borboletas, tornaram-se, para ela, as mais belas da natureza, com tons únicos.
Recentemente, ao passar em frente ao “Bom Prato”, logo cedo, vi dois homens, prováveis moradores de rua pelos trajes, à espera. De repente, surgiu uma senhora de cabelos branquinhos, que os observou e, em seguida, deu passos para dentro do restaurante. Retornou de imediato. De volta à porta, acenou-lhes para que seguissem com ela e, sem dúvida, a fim de lhes pagar o café da manhã. São delicadezas que me comovem e preservam a vida.
Deus também me dá atenção enorme. Ele sabe o tempo certo para que eu compreenda algumas coisas. Na Semana Santa, me fez assimilar em profundidade o que citou o Padre Alberto Simionato em sua pregação, durante a Cerimônia da Paixão do Senhor, na capela do Carmelo São José. Repetiu as palavras de um Santo, do qual não me recordo o nome, que falara que não fora difícil para Deus tirar o povo do Egito, mas que o complicado era tirar o Egito do coração do povo. Tenho refletido bastante sobre o que existe de “Egito” dentro de mim e pedido a Eles que me esvazie o coração das amarras que escravizam.
Durante a Vigília Pascal e a Missa de Páscoa, o Senhor me manifestou que é preciso fazer rolar a pedra de meu coração sempre, não importa qual seja o acontecimento ou a pessoa com quem me depare. É a única maneira de a morte abrir espaço ao Ressuscitado. Não é fácil quando as pessoas ou as situações me incomodam em demasia ou o cansaço e as responsabilidades pesam em excesso sobre os ombros.
Essas descobertas, no entanto, são amabilidades de Deus com o propósito de me fazer experimentar, ainda do lado de cá, a liberdade da terra onde mana leite e mel.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - É coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
Sexta-feira, 25 de Abril de 2014
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - ÉTICA E EDUCAÇÃO
Há dias nos quais eu conto até um milhão para não ser grosseira com as pessoas. Primeiro porque não tenho esse direito, sobretudo gratuitamente. Segundo porque isso me machuca mais do que me faz feliz. Contudo, há situações nas quais eu, que não sou feita de aço, não posso e não consigo simplesmente deixar passar.
Tenho recebido, há meses, ligações de certo banco, em meu celular, procurando por alguém que eu não conheço e que jamais tive qualquer contato. Sequer, inclusive, sei se referida pessoa existe. O problema é que dito banco me liga várias vezes ao dia, nos mais variados horários, inclusive à noite e aos finais de semana.
Nas primeiras vezes, pedi, educadamente, que excluíssem meu número, eis que em nada tenho a ver com a tal mulher. Tudo em vão. Minutos depois, lá vinha a ligação novamente. Comecei a não atender, como estratégia, até para não me estressar. Entretanto, as ligações foram se intensificando e eu perdi a paciência, sendo incisiva e exigindo a providência.
Quando nada adiantou, minha compostura foi para o brejo e eu, ainda que se ofender os atendentes, acabei me exaltando. Eles passaram a desligar na minha cara, no meio da minha reclamação. Pois bem, entrei no site deles, fiz uma reclamação e esperei o prazo de três dias úteis informado no sistema. Outra vez, sem efeito.
Hoje, depois de receber um email muito mal educado, de alguém grosseiro e desinformado, falando sobre coisas que não tinha conhecimento ou razão, entrei na Ouvidoria deles e falei como advogada, deixando claras as medidas a serem tomadas e que, para além de tudo, não sou e nunca pretendo ser cliente de um banco que não respeita o consumidor e que contrata gente mal preparada, que desliga o telefone em meio a um atendimento, sem qualquer satisfação. Menos de duas horas depois recebi outra ligação, agora da ouvidoria, pedindo desculpas e dizendo que meu número, por fim, seria excluído..
Pergunto, assim, se tudo isso foi necessário, se todo esse mal estar, meu sobretudo, poderia, não ter ocorrido. A resposta, sem dúvida, é positiva. Bastaria um pouco de respeito, de educação, de ética nas condutas interpessoais e as pessoas sofreriam menos, assim como haveria menos ações judiciais em andamento e menos violência.
Infelizmente, muitos preferem a impunidade da falta de bom senso que vem se instalando na sociedade moderna. Todos querem apenas aquilo que lhes favorece, independentemente do outro, do direito do outro. Pouco importa se lhes falta razão, se lhes sobra desejo, ganância ou inveja.
Hoje, estou de luto pela ética e pela boa educação, sabedora de que, para algumas pessoas, elas não podem ressuscitar. Quem é grosseiro, assim sempre o será...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
FAUSTINO VICENTE - ACREDITE SE QUISER
A manchete acima tem a sua origem numa série produzida pela televisão norte-americana que, a partir da década de 70, constitui-se num grande sucesso internacional. No Brasil ela foi exibida pela (extinta) Rede Manchete.
O programa era apresentado por Jack Palance (1919-2006), ator que ganhou fama por ter sido indicado ao Óscar, como uma das estrelas do filme Os brutos também amam (1953), mas a estatueta somente veio em 1992, com a comédia Amigos, sempre amigos, aos 73 anos.
Pela TV, ele narrava casos (verdadeiros) incríveis, inusitados, bizarros e muito estranhos, que eram garimpados nos quatro cantos do planeta.
Por analogia, vamos relatar fatos do nosso tempo de bancário, décadas de 50 e 60...do século passado, em Jundiaí, em Londrina (PR) onde residimos alguns anos, na sede em São Paulo e em cidades dos vários estados brasileiros por onde tivemos a oportunidade de exercer o cargo de auditor de agencias.
Aos 18 anos, uma de nossas atribuições era ir (diariamente) aos demais bancos da nossa cidade, com a finalidade de sacar os valores dos cheques que havíamos recebidos em nossa agência.
Os cheques, que na época tinham credibilidade, eram provenientes de depósitos ou pagamentos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos do mercado financeiro.
O funcionário-caixa fazia uma relação dos cheques, identificando cada um dos nossos concorrentes e, em dupla, íamos com uma bolsa enorme receber elevadas quantias de dinheiro, que eram contadas na presença de todos os clientes, sem que tivéssemos a mínima preocupação com um provável assalto.
Diga-se de passagem, que esse procedimento era habitual, eficaz e seguro, pois ainda não tinham inventado a famosa “saidinha de banco”.
Quando alguma agência precisava de numerário, e como não havia o hoje conhecido serviço prestado pelos “carros fortes”, colocava-se o valor solicitado em malas, apanhava-se um taxi em São Paulo e ía-se direto para a estação da Luz. Tomava-se o trem e, tranquilamente, viajava-se por centenas de quilômetros.
Esse procedimento era padrão também entre as agências do interior, das cidades brasileiras.
Encerramos com o célebre bordão, com que o Jack Palance (Vladimir Palahniuk Lattimer Mines) se despedia do programa...acredite se quiser.
Faustino Vicente – Consultor de Empresas e de Órgãos Públicos, professor e advogado – e-mail: faustino.vicente@uol.com.br – Jundiaí (Terra da Uva) – São Paulo - Brasil
PAULO ROBERTO LABEGALINI - CIÊNCIA, TECNOLOGIA E EVANGELIZAÇÃO
Há algum tempo, participei de um workshop em Belo Horizonte sobre ‘Ciência, Tecnologia e Inovação’, onde o arcabouço legal brasileiro foi debatido por advogados, engenheiros, empresários, professores e outros profissionais de sucesso público e privado.
Ouvi coisas do tipo: inovação já é coisa do passado; não me surpreenderá, um dia, trocarmos o pneu com o carro andando; nunca na história o ‘amanhã’ foi tão incerto etc. Com as dúvidas e as inseguranças manifestadas, cheguei à conclusão que ninguém consegue êxito na vida sem compartilhar conhecimento com seus parceiros.
Da mesma forma, precisamos, cada vez mais, nos unir na evangelização. Se o mundo globalizado nos permite obter temas bíblicos e aprender com reflexões diversas, necessitamos das pastorais para ações missionárias mais desafiadoras – pescar em águas profundas.
Jesus Cristo também escolheu doze aliados para sua caminhada pública. Depois de aderirem à causa dos fracos e entenderem as lições, os apóstolos continuaram a obra do Mestre, anunciando o Reino da Salvação. E os frutos vieram: novos adeptos a cada dia, grandes manifestações de amor ao próximo e orações ecoando pelos quatro cantos do mundo até os dias de hoje.
Individualmente, se o sujeito tiver crescido em espiritualidade, também pode contribuir na evangelização de ambientes: na família, com os amigos e no trabalho. Mas é preciso usar de bom senso para não se tornar chato. Eu reconheço que amadureci e não bato mais de frente com pessoas que não valorizam a partilha. Por exemplo, lembro do dia em que um amigo procurou-me para contar a viagem que fez com a esposa. Disse-me, eufórico:
– Rodamos a Europa e conhecemos lugares maravilhosos. Comemos muito bem e tiramos fotos de lugares inesquecíveis!
Meio desinteressado ao relato, fui logo cortando:
– Sobrou algum dinheiro para os pobres?
Bem, logicamente que o diálogo acabou e perdi um possível benfeitor das obras de caridade que participo. Reconheço que isto aconteceu na fase em que eu procurava não perder nenhuma oportunidade de evangelizar, mas, até para isso, é preciso critério e planejamento.
A verdade é que nem mesmo um padre aguenta alguém falando de Deus o dia todo! Certa vez, dei risada quando o Pe. Maristelo disse-me que todos o veem como sacerdote 24 horas por dia e só puxam assuntos relacionados à religião. Segundo ele, seria ótimo se, mais vezes, pudesse diversificar os temas e conversar como um cidadão comum. Eu acho que aprendi e, de vez em quando, falo de futebol, cultura e coisas da vida.
Mas, será que não colocar em prática a espiritualidade é pecado? Segundo a ‘parábola dos talentos’, enterrar os dons que Deus nos deu é motivo de condenação; então, estarmos revestidos com a graça do Espírito Santo a serviço da evangelização faz parte da nossa missão. A única condição necessária para isso é ter amor no coração para crescer na fé.
Nestas histórias, a falta de espiritualidade impede algumas pessoas de servir a Deus com alegria:
Certa noite, quando um policial passava em ronda por uma rua deserta, viu um menino atirando coisas na janela de uma casa. Abordado pelo militar, o garoto foi contido naquela sua ação intempestiva:
– Por que está fazendo isto? Não sabe que as pedras podem quebrar as vidraças?
– Não são pedras, não! Neste saco estão os pedaços de pão duro que a senhora desta casa me deu hoje para comer.
Com certeza, a mulher que entregou o pão ao menino apenas queria ficar livre dele e não enxergou Jesus Cristo faminto à sua frente.
Eis outro caso:
Três operários estavam trabalhando na obra de uma igreja quando um peregrino lhes perguntou o que estavam fazendo. O primeiro, disse que carregava pedras; o segundo, falou que ganhava o seu sustento; e o terceiro, disse emocionado que estava construindo a Casa de Deus, onde muitas pessoas buscariam a salvação.
Portanto, sempre teremos muitas oportunidades de servir o Senhor. E fazê-lo com amor agrada mais ao Pai e produz mais frutos. A ciência e a tecnologia também podem contribuir para isso, porque nos permitem usar conhecimentos e instrumentos inovadores na evangelização. Eu não tenho dúvidas que Jesus usaria microfones e computadores se vivesse hoje, em carne e osso no meio de nós.
Apenas uma lembrança neste mundo moderno: a Palavra de Deus continua a mesma há séculos, pode ser expressa mesmo de maneira simples e nunca ficará ultrapassada. Também na vida real, algumas soluções são simples e salvam vidas, como nesta piada:
Dois caçadores acordaram pela manhã, sem munição, e foram surpreendidos por um leão no acampamento. O primeiro saiu correndo enquanto o segundo agachou-se para colocar a bota. E o que correu disse ao outro:
– Você acha que calçando o sapato vai correr mais que o leão?
– Eu sei que não, mas espero correr mais que você!
PAULO ROBERTO LABEGALINI - Escritor católico, Professor Doutor da Universidade Federal de Itajubá-MG. Pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da UNIFEI.
FELIPE AQUINO - JESUS RESSUSCITOU DE VERDADE ?
A Igreja não tem dúvida em afirmar que a Ressurreição de Jesus foi um evento histórico e transcendente. S. Paulo escrevia aos Coríntios pelo ano de 56: “Eu vos transmiti. O que eu mesmo recebi: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitado ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, e depois aos Doze” (1Cor 15,3-4). O apóstolo fala aqui da viva tradição da Ressurreição, que ficou conhecendo.
O primeiro acontecimento da manhã do Domingo de Páscoa foi a descoberta do sepulcro vazio (cf. Mc 16, 1-8). Ele foi a base de toda a ação e pregação dos Apóstolos e foi muito bem registrada por eles. São João afirma: “O que vimos, ouvimos e as nossas mãos apalparam isto atestamos” (1 Jo 1,1-2). Jesus ressuscitado apareceu a Madalena (Jo 20, 19-23); aos discípulos de Emaús (Lc 24,13-25), aos Apóstolos no Cenáculo, com Tomé ausente (Jo 20,19-23); e depois, com Tomé presente (Jo 20,24-29); no Lago de Genezaré (Jo 21,1-24); no Monte na Galiléia (Mt 28,16-20); segundo S. Paulo “apareceu a mais de 500 pessoas” (1 Cor 15,6) e a Tiago (1 Cor 15,7). Toda a pregação dos Discípulos estava centrada na Ressurreição de Jesus. Diante do Sinédrio Pedro dá testemunho da Ressurreição de Jesus (At 4,8-12). Em At 5,30-32 repete. Na casa do centurião romano Cornélio (At 10,34-43), Pedro faz uma síntese do plano de Deus, apresentando a morte e a ressurreição de Jesus como ponto central. S. Paulo em Antioquia da Pisídia faz o mesmo (At 13,17-41).
A primeira experiência dos Apóstolos com Jesus ressuscitado, foi marcante e inesquecível: “Jesus se apresentou no meio dos Apóstolos e disse: “A paz esteja convosco!” Tomados de espanto e temor, imaginavam ver um espírito. Mas ele disse: “Por que estais perturbados e por que surgem tais dúvidas em vossos corações? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! “Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne nem ossos, como estais vendo que eu tenho”. Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E, como, por causa da alegria, não podiam acreditar ainda e permaneciam surpresos, disse-lhes: “Tendes o que comer?” Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado. Tomou-o então e comeu-o diante deles”. (Lc 24, 34ss)
Os Apóstolos não acreditavam a principio na Ressurreição do Mestre. Amedrontados, julgavam ver um fantasma, Jesus pede que o apalpem e verifiquem que tem carne e ossos. Nada disto foi uma alucinação, nem miragem, nem delírio, nem mentira, e nem fraude dos Apóstolos, pessoas muito realistas que duvidaram a principio da Ressurreição do Mestre. A custo se convenceram. O próprio Cristo teve que falar a Tomé: “Apalpai e vede: os fantasmas não têm carne e osso como me vedes possuir” (Lc 24,39). Os discípulos de Emaús estavam decepcionados porque “nós esperávamos que fosse Ele quem restaurasse Israel” (Lc 24, 21).
Com os Apóstolos aconteceu o processo exatamente inverso do que se dá com os visionários. Estes, no começo, ficam muito convencidos e são entusiastas, e pouco a pouco começam a duvidar da visão. Já com os discípulos de Jesus, ao contrário, no princípio duvidam. Não creem em seguida na Ressurreição. Tomé duvida de tudo e de todos e quer tocar o corpo de Cristo ressuscitado. Assim eram aqueles homens: simples, concretos, realistas. A maioria era pescador, não eram nem visionários nem místicos. Um grupo de pessoas abatidas, aterrorizadas após a morte de Jesus. Nunca chegariam por eles mesmos a um auto-convencimento da Ressurreição de Jesus. Na verdade, renderam-se a uma experiência concreta e inequívoca.
Impressiona também o fato de que os Evangelhos narram que as primeiras pessoas que viram Cristo ressuscitado são as mulheres que correram ao sepulcro. Isto é uma mostra clara da historicidade da Ressurreição de Jesus; pois as mulheres, na sociedade judaica da época, eram consideradas testemunhas sem credibilidade já que não podiam apresentar-se ante um tribunal. Ora, se os Apóstolos, como afirmam alguns, queriam inventar uma nova religião, por que, então, teriam escolhido testemunhas tão pouco confiáveis pelos judeus? Se os evangelistas estivessem preocupados em
“provar”ao mundo a Ressurreição de Jesus, jamais teriam colocado mulheres como testemunhas.
Os chefes dos judeus tomaram consciência do significado da Ressurreição de Jesus, e, por isso, resolveram apaga-la: deram aos soldados uma vultosa quantia de dinheiro para negá-la (Mt 28, 12-15). A ressurreição corporal de Jesus era professada tranquilamente pela Igreja nascente, sem que os judeus ou outros adversários a pudessem apontar como fraude ou alucinação.
Eles não tinham disposições psicológicas para “inventar” a notícia da ressurreição de Jesus ou para forjar tal evento. Eles ainda estavam impregnados das concepções de um messianismo nacionalista e político, e caíram quando viram o Mestre preso e aparentemente fracassado; fugiram para não ser presos eles mesmos (Cf. Mt 26, 31s); Pedro renegou o Senhor (cf. Mt 26, 33-35). O conceito de um Deus morto e ressuscitado na carne humana era totalmente alheio à mentalidade dos judeus.
E a pregação dos Apóstolos era severamente controlada pelos judeus, de tal modo que qualquer mentira deles seria imediatamente denunciada pelos membros do Sinédrio (tribunal dos judeus). Se a ressurreição de Jesus, pregada pelos Apóstolos não fosse real, se fosse fraude, os judeus a teriam desmentido, mas eles nunca puderam fazer isto.
Jesus morreu de verdade, inclusive com o lado perfurado pela lança do soldado. É ridícula a teoria de que Jesus estivesse apenas adormecido na Cruz. Os vinte longos séculos do Cristianismo, repletos de êxito e de glória, foram baseados na verdade da Ressurreição de Jesus. Afirmar que o Cristianismo nasceu e cresceu em cima de uma mentira e fraude seria supor um milagre ainda maior do que a própria Ressurreição do Senhor.
Será que em nome de uma fantasia, de um mito, de uma miragem, milhares de fiéis enfrentariam a morte diante da perseguição romana? É claro que não. Será que em nome de um mito, multidões iriam para o deserto para viver uma vida de penitência e oração? Será que em nome de um mito, durante já dois mil anos, multidões de homens e mulheres abdicaram de construir família para servir ao Senhor ressuscitado? Será que uma alucinação poderia transformar o mundo? Será que uma fantasia poderia fazer esta Igreja sobreviver por 2000 anos, vencendo todas as perseguições (Império Romano, heresias, nazismo, comunismo, racionalismo, positivismo, iluminismo, ateísmo, etc.)? Será que uma alucinação poderia ser a base da religião que hoje tem mais adeptos no mundo (2 bilhões de cristãos)? Será que uma alucinação poderia ter salvado e construído a civilização ocidental depois da queda de Roma? Isto mostra que o testemunho dos Apóstolos sobre a Ressurreição de Jesus era convincente e arrastava, como hoje.
Na verdade, a grandeza do Cristianismo requer uma base mais sólida do que a fraude ou a debilidade mental. É muito mais lógico crer na Ressurreição de Jesus do que explicar a potência do Cristianismo por uma fantasia de gente desonesta ou alucinada. Como pode uma fantasia atravessar dois mil anos de história, com 266 Papas, 21 Concílios Ecumênicos, e hoje com cerca de 4 mil bispos e 416 mil sacerdotes? E não se trata de gente ignorante ou alienada; muito ao contrário, são universitários, mestres, doutores.
FELIPE AQUINO - Escritor católico. Prof. Doutor da Universidade de Lorena. Membro da Renovação Carismática Católica.
FRANCISCO VIANNA - HAVANA CAINDO AOS PEDAÇOS
A ilha-cárcere dos irmãos Castro, com seus onze milhões de almas mantidas na mais rasa pobreza e miséria pelo regime socialista – com exceção de restrita minoria da burguesia capitalista estatal do politiburo do partido único – sofre de um déficit habitacional de meio milhão de moradias, mesmo dentro da indignidade dos padrões residenciais do país. Tal situação, no entanto, piora a cada ano pela ação corrosiva da umidade, da salinidade marinha e dos ciclones tropicais que se abatem rotineiramente sobre a região.
A população de um modo geral se amontoa em cortiços em adiantado estado de desintegração, herança mal cuidada de uma época em que a cidade convivia com um progresso e um desenvolvimento de há muito esquecido pelos seus habitantes (Foto: AP).
A agência de notícias ‘The Associated Press’ publicou recentemente uma matéria que mostra o fenômeno relatado pelo título deste pequeno artigo, da qual seleciono duas fotos emblemáticas incluídas em seu texto.
De repente, em Havana, um grande estrondo, como um trem passado perto ou mesmo como uma explosão, acorda de sobressalto a vizinhança da área de Oquendo 308, no populoso bairro do Centro da cidade. Uma parte do sétimo andar de um velho edifício desmoronou para dentro do pátio interno, danificando os apartamentos de baixo. Por sorte, ninguém morreu, mas cerca de 120 famílias que moravam no prédio ficaram ao relento sem local para habitar.
Apesar dos terremotos serem ocorrências extremamente raras em Cuba, tais desmoronamentos costumam acontecer com frequência em especial em Havana, a capital do país.
É claro que isso não ocorre nas protegidíssimas áreas onde se situam as residências da pequena alta burguesia que governa a ilha com mão de ferro. Os desmoronamentos acontecem onde, por décadas, a falta de manutenção dos prédios e a escassez socialista da construção civil estatal consistem nos principais problemas sociais da ilha, sem que até agora seus governantes se disponham a realizar as reformas prometidas pelo populismo demagógico do novo ‘ditador da vez’ da dinastia dos Castros, o novo ‘comandante’ Raúl Castro.
De catástrofe em catástrofe, os sujos refugiados se amontoam em bivaques em parques públicos da cidade como uma forma de pressionar o governo a lhes providenciar novas moradias. Enquanto isso, outras famílias passam a morar com parentes ou aceitam ser levadas para ‘albergues provisórios do governo’, onde vivem amontoadas já há anos numa espera infrutífera por uma casa própria doada pelo regime.
No fim de 2011, Castro “legalizou o mercado” de bens duráveis na ilha – pela primeira vez em cinco décadas – sob argumentos dentre os quais se destacou o de que a nova legislação estimularia a construção civil de novas moradias e as reformas das antigas. Os resultados, até hoje, no entanto são pífios e “o déficit habitacional
poderia ser ainda maior caso a avaliação fosse baseada na própria definição do governo daquilo que constitui uma ‘moradia adequada’ (tantos metros quadrados, com banheiro e cozinha interna, e etc.)”, nas palavras do pesquisador Sergio Díaz-Briquets, doutor em demografia da Universidade da Pensilvânia, nos EUA. De acordo com ele, as estimativas da carência habitacional em toda a ilha estariam entre 800.000 a um milhão de moradias. Segundo o Escritório Nacional de Estatística e Informação (ENEI), a ilha dispõe de um total de 3,8 milhões de “unidades de alojamento” (residências ou apartamentos).
Com um pacote de reformas que incluiu a mencionada modificação da lei que regula a compra e a venda de bens duráveis, as autoridades do regime insular começaram a por em ação um plano de subsídios às famílias para ampliar, reformar ou terminar suas casas.
Anaidis Ramirez, um dos lesados no desmoronamento, morava com nove parentes num apartamento de um quarto em Havana com teto muito alto onde fizeram um mezanino sem qualquer controle de engenharia (AP).
O Vice Primeiro Ministro da Construção Civil, Angel Vilaragut, explicou que “a medida visou buscar soluções para o enorme problema do déficit habitacional que flagela Cuba hoje em dia”. Ele considera que não há um “estancamento” dessas novas medidas e dos subsídios, mas apenas uma “mudança de política”. “Não se pode suspender a construção de moradias por meio do estado”, disse Vilaragut, mas “o que se quer é que a população tenha acesso aos materiais de construção”, como areia, cimento e tijolos para que possa edificar. Todavia, como ninguém ganha dinheiro com o processo – como é parte da ilusão comunista – o desinteresse é geral por parte da própria população afetada, praticamente destituída de qualquer perspectiva de melhoria social.
Paralelamente, o governo de Havana decidiu também entregar à população antigos prédios comerciais, armazéns e outras edificações estatais subutilizadas para serem adaptadas como moradias. Um simples passeio pelas ruas de Havana mostra como as pessoas estão a “tirar proveito” do momento para consertar as fachadas, e incluir um segundo andar a essas construções – nem sempre com a supervisão adequada de engenheiros qualificados – para agregar mais moradias, numa verdadeira “cultura do puxadinho”. O resultado é o aumento de cortiços que crescem desordenada e caoticamente em plena capital do país.
Os próprios analistas cubanos dizem, com os cuidados que isso requer por lá, que “as soluções adotadas pelo governo às vezes beneficiam uma ou outra família, mas que os esforços são pouco sistematizados e não conseguem reduzir o déficit habitacional em seu conjunto”.
Os trabalhos possibilitados por essa política dirigida pelo estado socialista começaram fortes em 2008, quando a ENEI relatou a construção e reforma de 44.775 residências, mas, depois disso, a queda dos números se tornou uma tendência crescente por parte tanto do estado como de iniciativas particulares. Em 2011 apenas 32.540 casas e, em 2012, 32.103 novas casas foram terminadas. Quanto a 2013 ainda não existem estatísticas disponíveis, mas os números preliminares são inferiores ao esperado.
Após um balanço do setor de dezembro último na Assembleia Nacional, o ‘parlamento’ unicameral de partido único – uma caricatura de mau gosto de democracia – o deputado Santiago Lage revelou que no fim de outubro de 2013, o setor estatal veria ter terminado 10.450 casas populares, mas apenas 80 por cento da meta foi atingida, ao passo que o esforço privado de uma população extremamente empobrecida conseguiu terminar 9.604 novas moradias, o que demonstra a fragilidade da política governamental para o setor. Com tal projeção, 2013 deverá se inclusive muito pior que o ano anterior.
O economista cubano Pavel Vidal, atualmente professor da Universidade Xavieriana da Colômbia argumenta que “pode ser que essa mudança no ‘mecanismo estatal’ leve algum tempo ou que o novo sistema não esteja compensando. Caso a responsabilidade da construção civil de casas populares esteja sendo atribuída aos “contapropristas” (a nova categoria de pessoas autorizadas a trabalhar por conta própria), às microempresas e as recém criadas cooperativas, esse novo setor privado, na escala que tem, com o capital do qual não dispõe, evidentemente não irá compensar o que o estado cubano vem fazendo, por mais insuficiente que seja”. E isso sem contar com as dificuldades que os cubanos têm para comprar uma casa popular já pronta, conforme a nova lei.
Distante umas poucas quadras do edifício parcialmente desmoronado, mora Lázaro Márquez, de 44 anos, que compartilha com sua esposa Mileivis e sua filha adolescente e incapaz apena um quarto numa “cabeça de porco” (um cortiço) no Centro de Havana, descreve que o lugar tem infiltrações de água de esgoto e rachaduras pelas paredes. O local é lúgubre e fétido. Márquez ganha em média 50 pesos (2 dólares) por dia dirigindo um “bicitaxi”, e há seis anos seu nome está numa lista – que parece não avançar nunca – de casos que requerem apoio urgente do estado para que possa sair dali e ir para uma casa popular melhor, uma vez que sua filha na fala nem anda e tem que ser carregada numa cadeira de rodas pelas intrincadas escadarias com grande perigo de cair.
Caso não consigam solucionar por si próprios onde morar, ou seja, construir ou comprar, os três acabarão tendo que ir para algum albergue estatal, isso se antes o prédio em que vivem não desabar sobre suas cabeças. Mas, um apartamento de um quarto pequeno no Centro de Havana custa cerca de sete mil dólares... “Na verdade, não existe um mercado de bens duráveis liberalizado, mas apenas uma flexibilização da compra e da venda de casas, todavia com muitas restrições”, explicou Vidal.
Ou seja, o regime cubano não pratica nem um capitalismo estatal direcionado a beneficiar o povo nem tampouco permite que o capitalismo privado se desenvolva para criar prosperidade e riqueza para as pessoas. No mundo inteiro a procura pela casa própria suscita um mecanismo financeiro, tanto privado como estatal, que gera um crédito hipotecário que – em condições normais e sem abusos populistas – estimula a expansão da indústria da construção civil de novas unidades habitacionais, que beneficia todas as camadas da população, principalmente as menos “favorecidas”. Qualquer economista sabe disso.
Mas em Cuba, um feudo político dos Castros, a coisa não é vista como no resto do mundo e para o regime, a maior ameaça é o aumento da prosperidade e da riqueza que as pessoas do povo possam conseguir com seu trabalho diário.
Enquanto isso não muda, os prédios em Havana continuarão desmoronando, até que um dia desmorone de vez o malfadado regime socialista que vitimiza a população da maior ilha caribenha.
FRANCISCO VIANNA (da mídia internacional)
Terça feira, 22 de abril de 2014
FRANCISCO VIANNA - Médico, comentador político e jornalista - Jacarei, Brasil.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - AFORRAR PARA A VELHICE
No livro de leitura para o 1ª, 2ª e 3ª classe dos liceus, de Abel Guerra, obra adoptada no ano de 1927, no Colégio da Formiga, Ermesinde, há um conto de Júlio César Machado, escritor que Camilo considerava: “ Benquisto, que já goza, como La Fontaine, da antonomásia de bom, não por ter ensinado a sua moral aos meninos com historietas de bichos, mas por ser tolerante com todos os bichos. (*) - que se intitula: “O Macaco Juiz”.
É uma interessante fábula em que dois bichanos, após haverem surripiado cibinho de queijo, assentaram socorrerem-se da justiça, para que o juiz, na figura de astuto macaco, repartisse imparcialmente.
A audiência termina com o juiz a devorar o queijo, perante o espanto dos gatinhos.
Lembrei-me desse curioso conto ao ser abordado por amigo, que sobrevive do rendimento de dois apartamentos que adquiriu, aforrando tudo que podia, sempre no receio de chegar à velhice e não ter meios para viver decentemente.
Tinha-os alugado, por sinal, devido à lei existente, mal arrendados, mas era o menos.
O pior foi quando o caseiro, após dar calote, abandonou a casa sem entregar a chave. Não liquidando, também: condomínio, água e eletricidade.
Não teve outro remédio senão buscar advogado e manter questão, que se arrastou longos meses.
Pensou arrombar a porta, mas desaconselharam-no, porque o levaria de acusador a réu.
Em vão procurou o caseiro. Andou de inculcas em inculcas, e só à força de dinheiro, conseguiu descobrir o novo paradeiro do homem.
Lembrou-se que havia fiador, mas como emigrara, o advogado disse-lhe que para pouco lhe servia.
Decorrido quase um ano, obteve finalmente autorização para tomar posse do apartamento.
Alegrou-se, mas foi amarga alegria. Ao abrir a porta, deparou com: paredes esburacadas, riscadas, tacos em falta, manchas e nódoas negras, nos armários da cozinha e na pequena dispensa.
O mestre-de-obras fez orçamento. Rondava milhares de euros.
Então meu companheiro de escola, quase choroso, declarou-me:
- Dizem que é bom poupar; para quê!? Vem financeiros e roubam; vem o Estado e tira; vem a Justiça e pede dinheiro para que se faça…Bem teria feito se gastasse o dinheiro em prazeres, viagens e festas… em lugar de privar-me de tudo…até de férias, na esperança de futuro melhor! …
Será que compensa aforrar para a velhice? Julgo que não. Infelizmente não conheço outro meio, para ter fim de vida menos infeliz.
*) “ Memórias do Cárcere ”
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
EUCLIDAS CAVACO - HERÓIS DE ABRIL
HERÓIS DE ABRIL Dos meus diversos trabalhos alusivos ao 25 de Abril este ano partilho convosco este poema declamado que poderão ver e ouvir neste link:
Euclides Cavaco Director ,da Rádio Voz da Amizade - Canadá
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CONVITE
A Academia Itajubense de História convida V. Sª e família para assistirem a palestra sobre “A vida e obra do Padre José Aquilino Machado”, a ser proferida pelo Prof. Paulo Roberto Labegalini.
Data: 26 de abril de 2014 (sábado)
Horário: 15h00
Local: Auditório Antônio Rodrigues de Oliveira (AARO)
Antecipadamente agradecemos a sua presença.
Sexta-feira, 18 de Abril de 2014
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - PÁSCOA E ÊNFASE AOS VALORES DA VIDA E DO AMOR.
A Páscoa nos lembra da importância de se festejar o renascimento da vida. Devemos refletir sobre o mundo em que vivemos, marcado pelas desigualdades, egoísmos e injustiças, e passarmos a lutar contra as malesas reinantes, através de ações desprendidas, que possam consolidar a dignidade humana, e conseqüentemente, a ordem social. Enraizada em princípios éticos que reafirmem a primazia da pessoa sobre a economia, alcançaremos uma convivência solidária, fraterna e com partilha.
Como boa parte das comemorações religiosas, a Páscoa tem sua origem relacionada aos fenômenos da natureza. Há milhares de anos, os pastores do Hemisfério Norte proclamavam a chegada da primavera com festa, revelando-se por isso, num evento universal, onde os homens, independente do credo e origem, festejam o renascimento da vida. Para os católicos ela passou a significar libertação através da Ressurreição de Jesus, que venceu a morte, completando a redenção da humanidade. Este fato é de capital importância à compreensão do Cristianismo, de tal modo, que sem ele, não seria possível imaginar sua existência e continuidade. Nesta trilha, com raro brilhantismo, nas comemorações da Semana Santa do ano passado, Dom Cláudio Hummes, cardeal-arcebispo metropolitano de São Paulo, apregoou que é preciso “derrotar a cultura da morte e instalar a cultura da vida”.
Para nós, a Páscoa propõe que lutemos contra as injustiças, as discriminações, a pobreza e a agressividade, tentando consolidar a dignidade humana, e conseqüentemente, a paz social. Para tanto, devemos contribuir com princípios éticos que reafirmem a primazia da pessoa humana sobre a economia, buscando os reais valores no plano da justiça social e distribuição de renda.
Assim, desejar “Feliz Páscoa” é querer que a pessoa faça a experiência reconfortadora de passar da desesperança à esperança, da tristeza à alegria, de uma situação de trevas e confusão interior a uma situação de luz e de certeza; da ausência prática de Deus na vida para o seu predomínio nos afetos, desejos, pensamentos e ações.
Quando deixarmos morrer dentro de nós todo egoísmo, toda vaidade e arrogância e cedermos esforços em nossos corações à partilha e solidariedade, alcançaremos um mundo melhor, no qual inexistirão a ganância, a violência, a miséria e a exclusão dos que não são economicamente úteis. Enraizada na semente indestrutível da caridade, única forma capaz de impor uma convivência permanentemente fraterna, aproveitamos a ocasião para anunciar com ênfase o valor da vida e do amor como critério fundamental na construção de uma nova era.
Há muitas tradições e símbolos envolvendo o período pascal, como ovos de chocolates e coelhos. Apesar da importância histórica que representam, praticamente foram absorvidos por apelos comerciais, distanciando-se de seus verdadeiros significados. O maior sentido da Páscoa reside na força da ressurreição de Jesus, colocando a pessoa no caminho de realizações sólidas e na linha da fraternidade. Então, a palavra de ordem é lançar na vida humana as sementes da ressurreição, para que todos possam cantar a vitória da vida.
Nessa trilha e a título de reflexão, transcrevemos parte de artigo publicado pela historiadora Mary Del Priore :- “O mito do eterno retorno embutido nos ritos da Páscoa, no símbolo do ovo, significa, não o paraíso perdido, mas o que podemos construir. Para vivermos o desafio de nos encontrar com a vida, é preciso nos inserirmos numa dinâmica que nos transforme em seres melhores do que somos. Despojando-nos de toda a resignação diante do horror. Abandonando todo o comodismo perante o desespero. Para isso, além de “ter boa mão”, como recomenda a tradição popular, melhor seria “dar a mão” (“ O Estado de São Paulo”- Suplemento Feminino – pág. 02 – 22/23.04.2000).
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - é advogado, jornalista, escritor e professor universitário
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - AGONIA E ÊXTASE
Agonia e Êxtase (1965) é um filme clássico, extremamente bem feito, no qual figuram dois grandes e premiados atores, Charlton Heston (o que fez também o papel de Ben-Hur e de El-Cid) e Rex Harrison (o que representou o Professor Higgins, em My Fair Lady). Em Agonia e Êxtase, Heston fez o papel de Michelangelo, e Harrison, o do Papa Júlio II. O choque das fortes mentalidades dos dois homens é magnificamente bem interpretado no filme, com um cenário e um figurino de primeiríssimo nível.
Quanto aos cenários, ao figurino, à ambientação, é sem dúvida um filme grandioso, se bem que alguns pequenos anacronismos nele aparecem de permeio. Exemplo de anacronismo: pareceu-me um tanto deslocado o escândalo provocado por certas figuras nuas ou quase tanto na pintura da Capela Sistina, realçado no filme. Pelos costumes da época, a utilização de nus artísticos era então generalizadíssima e não poderia provocar o escândalo da forma apontada pelo filme.
Agonia e Êxtase retrata muito bem aquela fase de inegável decadência religiosa, na qual o elemento humano e pecador da Igreja Católica adquiriu um realce desmedido, fazendo sombra a seu elemento divino, espiritual e santo.
Como diria, séculos depois, o historiador Ludwig von Pastor, autor de uma monumental História dos Papas da Renascença, a Igreja Católica provou ser realmente de instituição divina, pois nem os Papas conseguiram destruí-la, por mais que tentassem...
Quem não toma em consideração esse duplo aspecto da Igreja Católica - de um lado sua natureza espiritual e divina, pura e santa, de outro seu elemento humano, cheio de misérias, defeitos e até crimes - muito facilmente perde a perspectiva adequada para julgá-la na História.
Na Idade Média, entendia-se a arte como a expressão da beleza, e o belo se definia como o esplendor do bem, ou da bondade (splendor bonitatis). Tudo isso, numa ótica teocêntrica, em que o homem se postava numa posição secundária. Deus era o sumo Bem e a suma Beleza. Todas as formas de representação de belezas artísticas se ordenavam a Deus. Nesse contexto, o belo era um fim em si, pois remetia diretamente a Deus, que era a suma Beleza.
Como o elemento humano era deixado em segundo plano na Idade Média, muitas obras-primas eram anônimas. Das catedrais, por exemplo, quase nunca se sabe o nome dos projetistas e construtores. Tudo era feito dentro de um espírito religioso, muitas vezes até mesmo como penitência por crimes e pecados, tudo se fazia de modo a centrar o foco das atenções em Deus.
Já com a Renascença, deu-se uma verdadeira reviravolta nessa ordenação medieval. Entrou em cena o antropocentrismo. O Homem, e não mais Deus, passou a ser o centro das atenções. Do ponto de vista formal, não se chegou imediatamente ao ateísmo; mas, na ordem concreta dos fatos, Deus foi cada vez mais se tornando elemento secundário. O Homem era o centro de tudo.
A gigantesca reviravolta assim constituída na passagem da Idade Média para a Renascença foi muito bem expressa pelo filósofo francês Etienne Gilson: “A diferença entre o Renascimento e a Idade Média não foi uma diferença produzida por adição, mas por subtração. O Renascimento, tal qual nos foi descrito, não foi a Idade Média mais o homem, mas a Idade Média menos Deus, e o que houve aí de trágico, foi que, ao perder Deus, o Renascimento perdeu o próprio homem.” Essa observação lapidar de Gilson foi transcrita numa das questões do exame do ENAD, de História, em 2005.
Dentro do contexto dos novos tempos, os critérios estéticos tiveram importância fundamental. Houve todo um retorno a padrões estéticos da Antiguidade. E sempre com o Homem no centro das coisas. E aí duas figuras tomaram uma importância também nova: em primeiro lugar, o artista, que passava a ser o autor reconhecido da sua obra, que não mais se contentava com o anonimato humilde dos artistas medievais; e em segundo lugar, o mecenas, que financiava o artista e em homenagem ao qual, pelo menos em princípio, era feita a obra. Era sempre o homem que estava em foco, seja como autor, seja como finalidade.
O filme mostra muito bem essa dicotomia, entre o artista Michelângelo e o mecenas Júlio II, que queria decorar a capela Sistina para, assim, perpetuar seu nome e o de um papa anterior, seu parente. Um precisava do outro, um não podia viver sem o outro. Mas ambos em perpétuo conflito, com seus egos poderosos sempre se chocando.
Postas as coisas como estavam, naquele contexto, o mecenato era uma instituição inevitável. O mecenato também teve, por parte da Igreja, certo caráter pastoral e apostólico. Entendia-se que, por meio da beleza e da arte, era possível tocar os corações e, assim, aproximá-los de Deus. O empenho de colocar a estética a serviço da fé seria, pouco mais tarde, uma das características do estilo barroco, gerado pela Contra-Reforma.
No filme Agonia e Êxtase, porém, no meu modo de entender essa ideia apostólica está quase inteiramente ausente, ficando mais focado o lado antropocêntrico do problema: o conflito dos dois egos, o de Michelângelo - desejoso de realizar plenamente sua concepção estética e, assim, imortalizar-se como artista - e o de Júlio II, desejoso de engrandecer sua família e, assim, a si mesmo.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - é historiador e jornalista, ex-diretor da Revista da Academia Piracicabana de Letras
VALQUÍRIA GESQUI MALAGOLI - SOBRE O NATURAL
Ontem, um estalo primaveril repercutiu em meu quintal, ao sutil pouso de pardaizinhos. Há quanto eu os não via!
Não pensem que se ausentaram. Decerto passeavam por lá conforme o costume. Eu é que não estava, ocupada que venho com a lida diária, hoje em dia, diuturna.
Meus gatos, apesar de malemolentes sob o banho de sol e embriagados pelas mordiscadas nos temperos dos vasos, notaram-lhes os passos miudinhos. Apenas, todavia, notaram, preguiçosos que estavam.
“Têm o faro admirável estes meus companheiros!”, pensei. E juntar-se àquele, outro pensamento veio: “que companheirinhos fiéis tenho comigo!”.
Nunca mais me senti só, desde que vieram morar conosco. E vieram mesmo, cada um por sua vez, caindo como anjos dos céus das circunstâncias.
Acaso? Deixem disso, não me tentem convencer. Já descartei a ideia. Aliás, em acaso não acredito – piamente. E não sou lá, vocês sabem, adepta do ceticismo. Sou bastante crente. Por vezes... até demais.
Acredito em felicidade. Pura e simplesmente porque minha natureza humana, assim como as suas, procura alguma parte de si no que há de vir, sem saber se de fato virá, no desconhecido, no sobrenatural...
Metade de mim quer saber o encoberto, assombrar-se, reduzir-se frente à magnitude do inominável.
Já outra o quer tanto quanto, muito embora não o saiba. Precisa do esteio que é a matéria para escorá-la. Carece da face física das coisas, que, entanto, se coisas são é porque um tanto de indizível em si trazem. Porque até as coisas duras têm sua parcela de maleabilidade, seu avesso, sua raiz que se agarra, mas que necessita para sobreviver esticar-se também.
Dito o acima, confesso crer no talento. Julguem-me à vontade, mas, a meu ver ambos são indissociáveis. Pois é preciso talento para ser feliz.
E talento, ora, todo mundo tem. Seja lá para o que for, porém, se não levar à felicidade, é porque foi enterrado, mascarou-se.
Nele crê-se com certa facilidade, porque sem cessar é possível distingui-lo em manifestações incontestes. Rasga-se aos olhos às vezes. Aí, nem é preciso muita fé para sabê-lo.
Nem sempre, entretanto, tudo é posto à vista facilmente. C'est la vie.
Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br / www.valquiriamalagoli.com.br