PAZ - Blogue luso-brasileiro
Domingo, 21 de Junho de 2015
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - TORTURA, GRAVE CRIME CONTRA OS DIREITOS HUMANOS !
O Dia Internacional das Nações Unidas em Apoio às Vítimas da Tortura é celebrado em várias partes do mundo no dia 26 de junho, em comemoração à adoção pela ONU – Organização das Nações Unidas da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Desta forma, por toda Nação ocorreram durante a semana atos políticos, sessões legislativas e manifestações públicas que lembraram vítimas da tortura e da repressão. Trata-se de uma data de suma importância e que nos convida a sérias reflexões. Com efeito, tratamentos e penas cruéis constituem ofensa à dignidade humana e violação das liberdades fundamentais. Pelo direito internacional, “tortura é qualquer ato de dor violenta e sofrimento, físico ou mental infligido por um funcionário público para obter informações ou confissão. O Estado deve tomar todas as medidas para impedir sua prática”.
No Brasil a Lei 9.455, de 7 de abril de 1997, afirma que “tortura é constranger alguém com uso de violência ou ameaça grave, causando-lhe dano físico ou mental para obter declaração ou confissão, provocar ação ou omissão de crime ou discriminar por raça ou credo. Também a caracteriza, a submissão de alguém sob a guarda de outrem ou autoridade, a intenso sofrimento físico ou mental, para aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. É um crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Sua pena é de reclusão, em regime fechado, de dois a oito anos. Se houver morte, a pena é dobrada para até 16 anos. Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las, deve ser condenado de um a quatro anos de prisão.
Ressalte-se que a nação brasileira é signatária da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969 (pacto de São José da Costa Rica), a qual aderiu em 1992, e da Convenção Interamericana Para Prevenir e Punir a Tortura, de 1985, ratificada em 1989. Além disso, e acima de tudo, a Constituição Federal no artigo 5º, inciso III, determina que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. A Carta considera ainda inafiançáveis, insuscetíveis de graça ou indulto, os crimes denominados hediondos, dentre os quais se inclui a prática de tortura (artigo 5º, XLII). Nos ternos do artigo 2º da Convenção supramencionada, “entender-se á por tortura, todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa, penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou como qualquer fim. Entender-se-á, também, como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a eliminar sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica”.
Apesar dessas disposições legais, é notório o fato de que ela permanece utilizada por alguns, até mesmo como método de investigação policial. Tanto que o sistema de Justiça, desde abril de 1997, quando foi promulgada a lei criminalizando a tortura, tem se mostrado incapaz, como aponta relatório do governo federal, de processar e condenar os funcionários do Estado torturadores. Quando à repressão no sistema prisional, a dificuldade maior reside na diluição de responsabilidade de controle entre a Justiça, a polícia e a administração penitenciária, que infelizmente, não tem sido satisfatório.
Por outro lado, a CF ainda dispõe no § 5º do art. 109: - “Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”. Doutrinariamente, são considerados crimes contra os direitos humanos os seguintes delitos: tortura; homicídio doloso praticado por agente de quaisquer dos entes federados no exercício de suas funções ou por grupo de extermínio; crimes praticados contra as comunidades indígenas ou seus integrantes; homicídio doloso, quando motivado por preconceito de origem, raça, sexo, opção sexual, cor, religião política, idade ou quaisquer outras formas de discriminação, ou quando decorrente de conflitos fundiários de natureza coletiva e uso, intermediação e exploração de trabalho escravo ou de crianças e adolescentes, em quaisquer das formas previstas em tratados internacionais. Como se vê, ela aparece em primeiro lugar na escala de gravidade de tais práticas criminosas.
Espera-se que a tortura, bastante utilizada pelo regime de exceção que imperou no Brasil após o golpe de 1964, e também hoje abusivamente usada como meio de investigação policial ou de intimidação por bandidos, seja totalmente banido de nossa convivência e quando comprovada a sua prática, os autores sejam rigorosamente punidos. Essas medidas são fundamentais para que valores democráticos como liberdade, justiça social e direitos humanos, sejam efetivamente conquistados por nossa sociedade.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário. É presidente da Academia Jundiaiense de Letras (martinelliadv@hotmail.com)
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - PEQUENAS IMENSAS ALEGRIAS
Ainda que o título acima seja contraditório em termos literais, na essência é exatamente o contrário. Depois de algum tempo de vida fiquei convencida de que as pessoas sofrem além do que deveriam porque criam falsas expectativas. Desde muito pequenos, a maior parte de nós é educada para esperar por grandes marcos, por momentos especiais e comemorativos sem os quais nada mais faria muito sentido. E aí está, em minha opinião, o grande erro.
Nossa vida é o resultada da somatória de cada segundo, cada minuto, cada hora e de cada dia que vivemos. No meio de tudo isso, há momentos mais marcantes, dos quais nos lembramos mais, seja pela alegria que nos proporcionaram, seja pela tristeza que deixaram. É inevitável que alguns dias sejam mais difíceis do que os outros e que certas horas sejam especialmente felizes, sobrepujando-se as demais. O que nos falta entender, de verdade, penso eu, é que a vida não é apenas esses momentos, mas o conjunto de todos eles, dos mais aos menos recordáveis.
Viver esperando pela formatura, pela festa de aniversário, pelo dia do casamento, pelo dia em que se ficará rico, pelo dia de se aposentar, pelo dia em que tudo der certo e etc., muito mais causa decepção. Claro que criamos expectativas sobre as boas coisas que podem e que esperamos que aconteçam, até porque muito do que fazemos é almejando algo e isso nos impulsiona, dá esperança e forças para viver. Viver sem aproveitar o percurso, sem admirar o caminho, a paisagem dos dias, é que se configura desperdício, despreparo para vida.
Acredito que muitas das melhores coisas que nos acontecem surgem naqueles dias dos quais nada estamos esperando de especial. De fato, costumamos encontrar amores, amigos e sorrisos em dias como esses. Sem aviso, como presentes surpresa. Não é à toa que o dia de hoje se chama presente. Infelizmente, as grandes tristezas também surgem em dias comuns, aleatoriamente, pegando-nos em meio a tranquilidade ordinária.
Particularmente, aprendi, a duras penas, a driblar minha ansiedade e meu desejo pelos grandes marcos da vida. Como pedra que se esculpe, senti na pele e na alma que a programação que fazemos para nossos dias é ilusória e tola. Quase tudo está fora de controle e, no fim das contas, muitos de meus planos eram bem medíocres diante do que a vida me deu. Mesmo diante de eventual indignação de minha parte, no frigir das coisas, tudo é como deve ser. O importante é o caminhar, o buscar, o agir. O restante vem, como tiver quer vir.
Dia desses estive em uma escola pública, na cidade de Lins, onde morei e onde ainda moram meus pais. Fui lá conversar com uma classe de crianças idade média de 10 anos. Durante quase um ano eles vem trabalhando minhas crônicas, por iniciativa da professora Silvana e ficaram curiosos em me conhecer. Mal sabiam eles que a curiosidade e ansiedade era mais minha do que deles.
Para minha surpresa, tão logo cheguei eles cantaram uma música que prepararam especialmente para aquele momento. Eu não estava, nem de longe, preparada para aquilo e, chorona que sou, derramei livros de lágrimas de pura emoção e genuína alegria. Que delícia de dia, de surpresa. Saí de lá com minha alma renovada, com vontade de escrever mais e melhor. A isso eu chamo de “pequenas imensas alegrias”...
Depois de fotos, beijos e abraços, eu fui para casa certa de que o amor tem tantas formas, tantos caminhos e que sempre acha um jeito de chegar até nós. Àquelas crianças lindas e sua professora querida, eu agradeço de todo coração, por transformarem meu caminho, meu dia, em um especial dia inesquecível.
Desejo, assim, a todos, que a vida nunca deixe de nos surpreender e que possamos sempre ter olhos para os dias comuns, para as horas ordinárias, para o caminho que chamamos de existência, porque, em um segundo qualquer, podemos ser extremamente felizes...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
VALQUÍRIA GESQUI MALAGOLI - PARCIALIDADE OU PARCIMÔNIA
Quando menina, curtia futebol ao lado do meu pai, que me ensinou o amor à camisa. Embora nos privilegiasse a derrota dos times adversários, a gente não desejava a eles qualquer outro tipo de mal.
Se eu citar agora a cor de uma bandeira, um monte de leitores, à simples citação, debanda irracionalmente, como se já não nos fôssemos caros.
Eu gostava de torcer, porque aquilo não era matar ou morrer, nem desprezo pelo diferente, nem oportunidade de espezinhá-lo, nem fomentação de preconceito, ou oportunidade de enriquecimento. Era gol, drible, defesa espetacular.
Hoje ainda é. Todavia, em paralelo ao ademais todo, quando não posto abaixo dele.
Não fui mais ao estádio. Desliguei a TV, mudei a estação do rádio. Esqueci o hino.
Quem fica desfalcado por tal desgosto não são os clubes ou as torcidas. Perco eu e perde você (às vezes a gente tem que minimizar, ir trazendo o foco pro próprio umbigo pra saber onde a coisa pega), pontos mínimos que somos nesses extremos, independentemente do brasão que adoremos.
Aliás, há adorações e adorações, hein...
Deus me livre da pregação no facebook! Na primeira avalanche de postagens que recebi, pensei: que inferno! E, se eu – que não sou santa! – não aplicasse meu mínimo quinhão de misericórdia e uma boa dose de vista grossa, estaria até agora, isso sim, usando também o santo nome em vão.
E santinho de candidato?! Que disputa acirrada entre contrários e defensores da campanha no referido espaço.
Todo lugar é palanque onde postar idealismos ou pseudos.
Todo bate-papo é discurso de egos.
Há que se conviver. Absorver ou descartar, observando o que nos serve e o que não.
Parcialidade ou parcimônia, oxalá todos tivéssemos compromisso com as próprias escolhas, o que já é responsabilidade imensa.
Quem dera nossas posturas com relação a quaisquer assuntos não tomassem vulto de ódio pelas questões em si.
Da minha parte, garanto, não jogarei fora a responsabilidade que me cabe – seja meu voto seja minha fé no que quer que seja.
Se apregoo algo é isto.
Se devo alguma satisfação, quer íntima quer publicamente de minhas escolhas, seja pelo exemplo não pela imposição.
Não sou candidata. Ninguém precisa assinar embaixo nem votar em mim.
Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br / www.valquiriamalagoli.com.br
LAURENTINO SABROSA - ECONOMIA E POLÍTICA
A palavra ECONOMIA deriva do grego oikos, casa e nemos, lei. Por isso, esta palavra etimologicamente significa governo ou administração da casa. Ora, parece que este pormenor é muito desconhecido de muitos intelectuais da Economia, embora de vez em quando haja vozes mais sensatas, que dizem que governar um país é quase o mesmo que governar uma casa. É só uma questão de “volume de negócio”. Por causa do desconhecimento do que é uma boa Economia, as crises económicas de um país passam a ser também crises financeiras. Na vida de cada qual de nós ou de uma empresa, até pode haver, provisoriamente, uma boa situação económica e uma má situação financeira, o que tem um certo sabor a paradoxo.
Há aproximadamente setenta anos, no currículo escolar, a cadeira em que se estudava estes assuntos tinha o nome de ECONOMIA POLÍTICA. Ora, a palavra Política deriva do grego polis, cidade, e, então, ECONOMIA POLÍTICA quer significar governo ou administração da cidade, ou, por extensão de significado de “cidade”, governo da economia do país.
Modernamente, há muitos economistas que se arvoram em políticos e muitos políticos que se arvoram em economistas . Quase todos eles ignoram, ou põem de lado, o nobre significado de economia e de política. Não conhecem Jean Baptiste Say nem Adam Smith, cujas obras foram monumentos na sua época, no aspecto económico, e se calhar nunca ouviram falar de David Ricardo, um Mestre na área financeira. Este Mestre ousou contrariar Napoleão, por não estar de acordo com o seu sistema de impostos. Não se submeteu a uma Política (administração do país) que considerava errada.
Quase teríamos implantado o Céu na Terra, se toda a Economia fosse o que devia ser, não subordinada ao “politicamente correto”, e se toda a Política fosse o que devia ser, não subordinada ao proveito de uns tantos. Seria bom que todos os economistas soubessem muito de Política, e que todos os políticos soubessem muito de Economia porque, ao fim e ao cabo, Política e Economia são duas irmãs gémeas que visam, quando bem exercidas, a boa administração da casa, ou, como diria Adam Smith, “o progresso dos povos e a riqueza das Nações”.
LAURENTINO SABROSA - Senhora da Hora, Portugal
laurindo.barbosa@gmail.com
PAULO R. LABEGALINI - DEUS PERDOA
1ª. Parte: Há 18 anos, escrevi este diálogo:
– Conte os seus pecados, meu filho.
– Padre, ontem eu estive na casa de um amigo para pedir dinheiro emprestado. Não encontrando ninguém, fui até o quarto do casal e tirei a quantia que precisava da gaveta da penteadeira. Estou desesperado, pois nunca tinha roubado antes.
– Calma, não chore! Deus tudo perdoa.
– Só que não terminou aí. Em seguida a mulher dele apareceu, me perguntou o que estava fazendo no seu dormitório e, no momento, menti jurando-lhe que fui à sua procura. Entusiasmamo-nos e fizemos amor. Que vergonha!
– E era bonita essa mulher?
– Muito, padre, um mulherão!
– Então, Deus perdoa, filho.
– Mas o pior aconteceu depois. Meu amigo chegou, nos viu na cama e puxou o revólver. Parti pra cima dele e, no disparo inesperado, o matei! Não sei o que fazer, padre.
– Você vai rezar bastante e Deus vai lhe perdoar.
– Como me perdoar se eu roubei, menti, jurei falso, desejei a mulher do próximo e matei o meu melhor amigo? Tudo o que Jesus tanto combateu nas suas pregações!
– Quando Ele pregava não podia imaginar um homem na sua situação: endividado, tentado por uma bela mulher e ameaçado de morte. Neste caso, Deus perdoa. Vá em paz.
2ª. Parte: Há 7 anos, inspirado por um texto do Papa João Paulo II, escrevi isto:
O Sacramento da Confissão não só tem por objetivo o perdão dos pecados, mas leva também a um encontro profundo com Cristo – produz uma verdadeira ressurreição espiritual e uma restituição dos bens da vida. Por este motivo, seria ilusório querer buscar a santidade sem aproximar-se com frequência do Sacramento da conversão e da santificação. Esta obra é realizada pela Confissão através da purificação, da iluminação e da unificação com Cristo.
Quem se confessa com frequência e o faz com o desejo de progredir, está seguro de receber no Sacramento uma luz preciosa para seu caminho de perfeição. De confissão em confissão, o fiel experimenta progressivamente uma comunhão cada vez mais profunda com o Senhor misericordioso até a plena identificação com Ele.
Você concorda que não dá para desprezar tamanha graça em nossas vidas em apenas alguns minutos diante de um sacerdote? Por isso é que quando eu percebo que estou começando a ficar impaciente com alguma coisa, corro confessar. Mas, se é tão fácil, rápido e santificador, por que tanta gente reluta em receber esse Sacramento?
3ª. Parte: Trecho do artigo que publiquei na Revista Anais:
Pois é, o ser humano busca valores extraordinários e grandes fortunas, mas, quase sempre, despreza a sabedoria que Deus nos dá de graça: a riqueza espiritual contida na Bíblia. É bíblico o ensinamento: ‘Não juntem riquezas neste mundo, onde os ladrões assaltam e roubam; juntem antes riquezas no Céu, porque não há traça nem ferrugem para destruí-las. Onde tiverem a riqueza, aí terão o coração’. E quando recebemos Jesus Cristo na Eucaristia, encontramos o único Tesouro que pode entrar conosco na eternidade.
4ª. Parte: Conclusão:
Acho que deu para perceber que cresci bastante em espiritualidade, não? Trabalhando em comunidade, a gente aprende muitas coisas preciosas: valorizar os Sacramentos, amar o próximo, perdoar com o coração, obedecer com humildade, agir com simplicidade, rezar pelos sofredores; enfim, aprende-se a unir forças para ajudar na construção do Reino de Deus no meio de nós.
Aprendi também que: a autoestima combate a inveja e as tentações; a humildade combate a vaidade e o orgulho; a bondade evita o egoísmo e a ambição; e a sinceridade ajuda na imagem pessoal e na confiança que depositam em nós.
Há uma história de um casal que sobreviveu a um naufrágio e ficou 20 anos esquecido numa ilha. Quando cada um completou 60 anos de idade, apareceu-lhes um gênio prometendo conceder um desejo a ele e um outro a ela. A senhora logo pediu:
– Quero ficar aqui a sós com o meu velho para sempre porque nada mais me interessa além do seu amor.
Com este desejo concedido a ela e percebendo que não poderia mais sair da ilha, ele falou:
– Gostaria de ter uma companheira 30 anos mais nova do que eu para me motivar a ficar o dia todo junto dela.
Imediatamente o gênio elevou a idade dele para 90 anos, realizando o seu desejo.
Comigo também aconteceu mais ou menos isso. O único gênio que acredito – Nosso Senhor Jesus Cristo – me fez viver dezenas de anos maravilhosos em apenas 20. Desde 1991, quando estava praticamente morto num hospital, fui caminhando na fé e, hoje, me sinto próximo de Deus. O meu maior desejo é continuar com Ele para sempre, e sei que isso depende exclusivamente de mim, já que Jesus me perdoou por ter me afastado dele tantas vezes!
PAULO ROBERTO LABEGALINI - Escritor católico. Vicentino de Itajubá - Minas Gerais - Brasil. Professor doutor do Instituto Federal Sul de Minas - Pouso Alegre
HUMBERTO PINHO DA SILVA - UM DITADOR CAMUFLADO
Havia nos anos setenta, sindicalista que se tornou gerente da área comercial de importante empresa.
Era jovem e ambicioso. Sempre que participava em reuniões ou cursos de reciclagem, punha-se em bicos de pés e botava faladura.
Como tinha sempre argumentos para rebater as ideias dos colegas, ninguém o contrariava. Uns, porque temiam a voz de bordão; outros, porque sabiam que, como esquerdista, em época revolucionária, era melhor tê-lo como camarada amigo.
Certa ocasião, o sindicato decretou greve. O nosso sindicalista, agora na função de representante da empresa, furou-a, esclarecendo que estava com os trabalhadores…mas como chefe não convinha faltar…
Levantaram-se vozes de censura, algumas de militantes de seu partido, mas a maioria eram de direitistas, que resmungavam em surdina, porque temiam represálias.
No dia da greve, alegando que era “política” e pretendia apenas derrubar ou dificultar o governo, alguns empregados apresentaram-se ao serviço.
Eram poucos. Como sempre, a maioria prefere aderir, mormente quando percebe que os dirigentes são favoráveis à greve.
Trabalhador honesto, apolítico, pai de família, entrou na empresa e apressou-se a marcar o ponto.
Mal começara a ler os documentos pendentes, sentiu que o observavam por cima dos ombros
Voltou-se e encarou o chefe, que sorrindo, disse-lhe num cicio irónico:
- “ Depois queres receber prémios! …”
Engoliu em seco e desculpou-se – que o dinheiro fazia-lhe falta e não podia dispensar a quantia …
Escusado é dizer que o infeliz, apesar da dedicação e lealdade, não recebeu qualquer prémio, e o castigo durou anos…
Este episódio, bem demonstrativo da pouca democracia que se vivia na época, foi-me contado por amigo, para confirmar o que eu já sabia: muitos que pedem justiça e liberdade, não passam de ditadores dissimulados.
Diz bem o povo “ Quem quer conhecer o vilão, meta-lhe a vara na mão”. E pode-se dizer também – Se quer conhecer o ditador meta-lhe o poder na mão.
Há sindicalistas e políticos honestos, mas, em regra, o povo não os elege, porque honradez e falar verdade, raras vezes atrai a simpatia dos eleitores.
Este antifascista, segundo me contaram, certo dia, após comezaina com camaradas, declarou: - “ Eu levo qualquer um…A malta não passa de carneirada! …Com inflamados discursos e mentiras, ficam todos na palma da minha mão! …”
Não disse mentiras…
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
CLARISSE BARATA SANCHES - PASSANTES DA TERRA
A Terra imensa e tão magnificente,
Em nada nos pertence, enquanto vivos…
Mesmo saudáveis, jovens e ativos,
Somos dela, passantes, simplesmente!
Felicidade, Amor, honra influente,
Por mais que sejam bens estimativos,
São todos, eles, dotes fugitivos
Que a morte leva, um dia, de repente!
Há quem se julgue rico e proprietário,
Quando muito, será usufrutuário
Dum bem que pensa ter, mas não é seu…
A nossa Vida é qual sopro divino,
E porta entreaberta, do destino,
A fazer-nos passagem, rumo ao Céu!
CLARISSE BARATA SANCHES - Goís, Portugal
Segunda-feira, 15 de Junho de 2015
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - CELEBRAÇÕES JUNINAS, REPLETAS DE TRADIÇÕES !
As festas juninas chegaram reunindo dança e comidas típicas para homenagear os três santos católicos: Santo Antônio (13/06), São João (24/06) e São Pedro (29/06). É grande a alegria. Nelas, a tradição é pular fogueira, dançar quadrilha, tomar quentão, vinho quente e canjica, comer bolo de fubá, pinhão assado, pé-de-moleque, curau, arroz doce, pipoca, milho cozido e tapioca.
Elas vieram ao Brasil com os portugueses no período colonial. Desde então, os casais fantasiados de caipiras, com chapéus de palhas, seguem a noiva, ao som de músicas específicas acompanhadas normalmente de sanfonas e embaixo de bandeirinhas e balões coloridos que enfeitam o “arraiá”. Embora escassas, maior ou menor destaque, ainda são realizadas em todas as regiões brasileiras e representam uma de suas manifestações culturais mais expressivas.
No nordeste já a própria perspectiva desses festejos transforma as cidades e o espírito dos indivíduos, que parecem sentir uma irresistível atração e afinidade pelas celebrações. No entanto, o ciclo junino em outros locais como São Paulo vem se urbanizando, o que provoca a perda de sua originalidade, embora ainda se vislumbrem alguns pequenos focos de resistência e nesta trilha, outras ricas expressões populares também reduziram de forma significativa, dependentes de poucos entusiastas ou idealistas que procuram mantê-las a qualquer custo.
São pessoas que lutam pela preservação do patrimônio cultural de seu país, que não pode padecer pela negligência ou omissão do próprio povo. Com efeito, uma situação de interesses por nossas tradições e folclore deveria ser mais desenvolvida nos jovens, que com isso preparam melhor sua personalidade social já que eles propiciam consciência de valores, cultivo da autonomia crítica e sentido de responsabilidade, condições indispensáveis para o exercício da liberdade e da democracia.
E o principal, conhecendo suas raízes, exige mais qualidade, já que atualmente as nossas artes em geral, principalmente nas músicas, parece prevalecer um manifesto péssimo gosto. Enquanto não dermos muita importância às circunstâncias de nossa cultura popular, não teremos esperança de que brevemente prevalecerá mais humanismo em nossas relações.
E enquanto curtimos as recordações das quermesses nas praças, das festas nas chácaras e sítios, dos ensaios de quadrilhas, dos terços conduzidos pelas rezadeiras, das fogueiras, das gulosemas típicas e do quentão, que tal não as reciclarmos para se transformarem em realidade hoje?. Vamos festejar nossos santos de Junho! Até quem não segue a religião pode aproveitar os festejos e caprichar nos pedidos e simpatias.
Mística e crendices fomentam os festejos
Os santos homenageados são cheios de mística e crendices populares. É o caso de Santo Antônio, considerado o santo casamenteiro. São comuns as simpatias para mulheres solteiras que querem se casar e no dia 13 de junho, as igrejas católicas distribuem o “pãozinho de Santo Antônio”. Diz-se que o pão bento deve ser colocado junto aos outros mantimentos da casa, para que nunca ocorra a falta de alimentos e as mulheres que querem se casar, diz a tradição, devem comer deste pão e se possível, também do bolo.
São João. Santa Isabel era muito amiga de Nossa Senhora e, por isso, costumavam visitar-se. Uma tarde, a primeira foi à casa da segunda e aproveitou para contar-lhe que, dentro de algum tempo, iria nascer seu filho, que se chamaria João Batista. Esta então lhe perguntou: - “Como poderei saber do nascimento do garoto?” – “Acenderei uma fogueira bem grande; assim você de longe poderá vê-la e saberá que Joãozinho nasceu”. Mandarei, também, erguer um mastro, com uma boneca sobre ele. E cumpriu a promessa. Nossa Senhora viu, ao longe, uma “fumacinha” e depois umas chamas bem vermelhas. Dirigiu-se para o local e encontrou o menino João Batista, que mais tarde seria um dos santos mais importantes da religião católica. Isso se deu no dia vinte e quatro de junho. Começou, assim, a ser festejado o Dia de São João com mastro, e fogueira e outras coisas bonitas como: foguetes, balões, danças, etc…
No dia 29 de junho, São Pedro é cultuado como protetor das viúvas (sendo estas mulheres que, geralmente, organizam sua festa) e dos pescadores - são realizadas procissões marítimas em diversas cidades. Depois da sua morte, foi nomeado o chaveiro do céu, segundo o folclore. Assim, para entrar no céu, é necessário que ele abra as portas. Também lhe é atribuída responsabilidade de fazer chover, assim quando começa a trovejar, e as crianças choram com medo, suas mães tentam acalmá-las dizendo: "é a barriga de São Pedro que está roncando" ou " ele está mudando os móveis do lugar".
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário (martinelliadv@hotmail.com).
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - REGÊNCIA, PRÉ-EXPERIÊNCIA REPUBLICANA
O período regencial, entre a abdicação de D. Pedro I, em 1831, e a proclamação da maioridade de D. Pedro II, em 1840, é geralmente entendido como uma pré-experiência republicana. De fato, a característica principal do regime monárquico é sua unidade. É em torno da pessoa do monarca - que por definição está fora e acima dos partidos e das facções - que se constitui a unidade nacional. A pessoa do monarca é de todos e não é de ninguém. Ninguém o contesta, mas também ninguém se apropria dele. O papel representado pelo monarca é, por natureza, agregador, aglutinante, unitivo, centrípeto. Com esse fator presente e ativo, todos os partidos, todas as facções e todos os interesses pessoais ou de grupos podem se combinar-se, confrontar-se e enfrentar-se livremente, sem que a unidade do conjunto fique ameaçada.
Vemos isso, por exemplo, na Inglaterra atual. Lá, a pessoa da soberana paira acima das paixões partidárias - o que de modo algum significa que essas paixões não existam e não atuem livremente. O partido na oposição lá recebe a designação de "leal oposição de Sua Majestade", não porque se oponha à Rainha, mas porque é em nome da Rainha e, em princípio, para melhor servir à Rainha, que faz “leal oposição” ao partido no poder.
No caso do Brasil, D. Pedro I, enquanto imperador, assegurou essa unidade. Muitos historiadores, ter os quais eu me incluo, consideram óbvio que o Brasil se teria desintegrado numa série de republiquetas se, em 1822, não tivéssemos prudente e sabiamente conservado o regime monárquico (o único que, naquelas circunstâncias, poderia garantir a unidade nacional) e a dinastia de Bragança. Foi esse um "jeitinho" muito bem achado (e a história do Brasil, desde 1500 até agora, é cheia de "jeitinhos"; não se pode entender a História do Brasil quem não toma em consideração essa característica do nosso povo) para fazer uma ruptura política com Portugal sem perder a continuidade com o passado e a esperança de um futuro que não representasse um salto no escuro, rumo ao desconhecido.
É verdade que D. Pedro, levado por sua impulsividade e por sua insuficiente habilidade política, acabou se transformando, ele próprio, num protagonista da disputa política e, com isso, sua figura, que deveria manter-se fora e acima dos debates, acabou se envolvendo e se indispondo com muita gente. Isso enfraqueceu e comprometeu sua posição, chegando, como todos sabemos, à crise do Sete de Abril e à abdicação. Mas, apesar de tudo, enquanto reinou conseguiu assegurar a unidade, e teve habilidade suficiente para deixar seu filho menor como imperador, confiando-o à guarda e aos cuidados da Nação. Em torno do menino-imperador, do "órfão coroado" confiado "a todas a mães do Brasil", com autoridade moral e simbólica, conseguiu-se assegurar a unidade até 1840, com o episódio da Maioridade.
De qualquer forma, sem embargo de seu altíssimo simbolismo, era fraca, na ordem concreta dos fatos, a autoridade de um menino de 5 a 14 anos (1831 a 1840). E o que atuou mais decididamente, nesse período crítico, foram os fatores desagregadores, centrífugos, presentes mais ou menos por todas as partes do Império. Esses fatores que tinham começado a influir em 1823-24, por ocasião da primeira Constituinte, e que D. Pedro I, autoritariamente, mas também com muito jeito, conseguiu neutralizar, oferecendo ele próprio uma Constituição e submetendo-a à aprovação das Câmaras Municipais de todo o país (note-se, aí, mais uma vez o "jeitinho" de legitimar, do ponto de vista liberal, uma constituição outorgada...), esses fatores se reapresentaram com força nova e produziram revoltas em várias províncias.
A tradição histórica de Portugal sempre foi a de um reino unitário. Em Portugal, existe um regionalismo muito vivo, mas este nunca manifestou tendência desagregadora, como ocorre em algumas partes da vizinha Espanha. Sendo um país territorialmente menor, Portugal sempre conservou, ao longo de seus oito séculos de existência, um senso muito vivo da sua unidade.
Curiosamente, essa característica não se transmitiu ao Brasil independente sem percalços. A extensão por assim dizer desmedida do novo Império, o exemplo das numerosas nações fragmentadas em que se transformou o antigo império espanhol do Novo Mundo, a tentação do caudilhismo (também característica indissociável das nações hispano-americanas), os interesses políticos das elites locais, muitas vezes divergentes entre si, constituíam fatores centrífugos, desagregadores. E tudo isso adquiriu força nova durante os 9 anos de Regência, carente que estava o Brasil de um Poder Moderador atuante. Mas acabou prevalecendo o fator unitivo, assegurado pela autoridade moral do Imperador-menino.
É assim que interpreto as crises e conturbações da Regência, que puseram em sério risco a unidade nacional. Não fosse a força moral do menino Pedro II, o Brasil se teria fragmentado, como quase se fragmentou durante as conturbações havidas pouco depois da proclamação da república. E se não tivesse havido o episódio da maioridade, mas a Regência prosseguisse mais alguns anos, talvez não tivéssemos hoje um Brasil grande e unido.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - SHYIMA HALL
Shyima Hall é o nome da egípcia, nascida em 1989, que reside atualmente nos Estados Unidos. Sétima filha de 11 irmãos, vendida por seus genitores, aos oito anos, para serviços domésticos como escrava, a uma família rica do Cairo, que a tratava apenas por “garota estúpida”. Aos 10, seus raptores se mudaram para os EUA e ela os acompanhou de forma ilegal. Aos 13, foi resgatada pelo serviço de Proteção à Criança do país.
O livro da autobiografia de Shyima, que tem como coautora Lisa Wysocky, intitula-se “Garota Oculta – a história real de uma menina escrava nos dias de hoje”. Foi lançado no Brasil em 2014 pela Vergara & Riba Editoras S/A. Um livro fantástico!
Durante o período de escravidão, por diversas vezes entrou em contato com os pais, via telefone, para que fossem buscá-la. Respondiam que era ingrata e que o problema não estava na família de quem era serviçal, mas em sua maneira de reagir.
Bastante clara ao expressar sentimentos, salienta o que foi ter sua vida tomada por terceiros.
Muitas colocações, no livro, me fazem refletir, como a “invisibilidade” da escravidão atual, facilitada pelo egoísmo vigente. Ao endeusar o prazer e o bem-estar, o ser humano não desloca os olhos de seu umbigo. Aquilo que se encontra à sua volta, interessa somente se lhe provocar regozijo. E a capacidade de enxergar se encurta no consumismo de coisas e gente.
A escravidão atravessa os séculos porque opressoras e opressores se alimentam de platéias levianas.
Recrutamento, transporte, transferência, acolhida e admissão de pessoas por meio de ameaça, força, coerção, abdução, fraude, engano, abuso de poder, vida privada de todos os seus direitos é a realidade na estrutura da escravidão.
O Brasil tem 155,3 mil pessoas em situação análoga à escravidão, segundo o relatório Índice de Escravidão Global 2014, da Fundação Walk Free, publicado em 17/11/2014 pela Mídia Livre – FCS – Brasil. Isso sem dizer de outros tipos de escravidão: uso de drogas, exploração do comércio do sexo etc.
Se alguém não olhasse distante pela fresta de seu cotidiano e denunciasse, Shyima, que realizava até tarde serviços domésticos, vestia-se com roupas sujas e de tamanho inadequado, não ia à escola, poderia ainda ser escrava.
Será que também estamos de olhos abertos em nosso entorno para quebrar correntes que escravizam?
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - UM DIA DEPOIS DO OUTRO
Como professora universitária, estou sempre em contato com jovens recém saídos do ensino médio e com aqueles que se preparam para deixar os bancos universitários, rumo ao mercado de trabalho. Todos os anos, uma turma entra e outra se despede. Todos os anos, vejo rapazes e moças, mas sobretudo as moças, sofrendo de ansiedade, desesperados com o porvir. Nesses momentos é inevitável que eu me lembre da jovem que também fui, sofrendo do mesmo mal...
Agora, a distância no tempo, parece tudo muito mais simples, mais fácil de ser entendido, mais passível de ser aguardado, mas quando somos pouco mais do que crianças, crescidos por fora e um tanto pequeninos por dentro, parece-nos que se não pensarmos a respeito, tudo saíra do controle, do planejado e, assim, o desespero toma conta de nós, dos nossos sonhos, do nosso sono, da nossa paz de espírito.
Empenho-me na tentativa, quase vã, de convencer meus alunos de que, no fim das contas, tudo se ajeita, de um jeito ou de outro. Digo-lhes que, apesar dos nossos planos quase sempre mudarem à revelia da nossa vontade, os ventos do destino costumam direcionar nossos navios para lugares nos quais nossos corações acham morada. Entretanto, eu estou certa de que, em que pese minha intenção, não se aprende determinadas lições pela experiência alheia. A vida, por si só, é uma experiência sensorial, um trajeto que só se conhece percorrendo.
O passar do tempo, nesse sentido, é algo que ordinariamente vem em nosso favor. Vamos entendendo que tudo tem um tempo e que a cada dia basta o seu bem e também o seu mal. Aprendemos que o que tem que ser, será, mas o que não tiver que ser, não acontecerá, por mais que tentemos torcer as cordas da vida. E o mais importante é que chega um dia no qual a maioria de nós entende que o que não foi tinha uma razão para não ser...
O fato é que passamos uma parte muito grande de nosso tempo nesse mundo preocupados com o que não está ao nosso alcance, eis que, em verdade, nada está sob controle. Cada dia é único em sua dor ou em sua alegria e vivê-lo é uma dádiva que não se repetirá. Mesmo o mal de alguns dias nos ensina algo, mostrando que o bem deve ser comemorado, deve ser cultivado e desejado e que é pelos dias de bem que tudo vale a pena.
Se eu soubesse, no passado, que o futuro seria bom, mesmo que nem remotamente parecido com o que planejei ou imaginei, teria perdido menos tempo com aflições inúteis, com medos quase incapacitantes e com dores inexistentes. Eu sorveria cada dia, cada hora, na esperança serena daqueles que conhecem segredos escondidos nas dobras do mundo, certa de as melhores histórias e estórias são escritas por mãos bem criativas e são cheias de surpresas, reviravoltas e significados surpreendentes.
Se eu tivesse a calma que os anos trazem consigo, eu teria vivido melhor e aproveitado mais o amor e a companhia daqueles que o tempo levou com ele. SE eu soubesse das coisas, eu não teria sido jovem e não saberia como é ter medo, ansiedade, receio de não ser feliz. Infelizmente, não se aprende pelo outro, mas é possível ajudar mesmo a quem não tem compreensão. Se para isso foi necessário que eu mesma me sentisse perdida em alguns pensamentos, em algumas encruzilhadas da minha vida, então, uma vez mais, compreendo que nada é por acaso e tudo vale a pena.
Agora, ao menos, meu coração vive um dia de cada vez, batendo mais compassado, mais atento à beleza de todas as horas, na expectativa e na esperança dos mais estranhos finais felizes...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
VALQUÍRIA GESQUI MALAGOLI - MEMÓRIAS QUE ME FAL(T)AM
Íamos a ver navios... Batendo um bom papo, meus amigos e eu viajávamos.
O que nos levou a navegar? Carnaval.
Tratando-se de turma eclética, haja vista diferenças de idade, experiências e gostos, ancoramos em históricas marchinhas, mas também encalhamos em descartáveis “delícias”.
Apercebi-me que entre uma e outra anedota, entre este e aquele enredo (de escolas de samba a contos de viagens) que eu era toda ouvidos.
Pudera – não tinha o que contar absolutamente!
Nunca desfilei numa avenida ou pulei (como dizem) folias carnavalescas.
Assim como também jamais viajei para aproveitar o feriado especificamente. As viagens que fiz ou faço, faço-as quando calha, quando agendas de trabalho, escola etc. se entendem. No carnaval? Hummm... não me lembro.
Alguém narrou o quanto foi chocante notar que a filhinha era a única princesa no bailinho da escola (de ensino infantil mesmo, não de samba). Ticos de gente desfilando transparências, saltos altos... foi-se a infância!
“Foi-se... é, foi-se, sim” repetíamos, consensuais, e: “muito, é, muito sensuais andam as fantasias (não só carnavalescas) desde a primeira idade”.
Aqui e ali dávamos quase sem perceber uma pausa. Fazia-se, naturalmente, um breve, mas rompante silêncio.
Penso que os outros, assim como eu, viam-se, de repente, julgadores, conservadores, mutiladores, cheios de pudores... com mil dores enfim.
De repente, da mesma maneira que calávamos, lá íamos de novo: tantos comentários, e era “tanto riso, oh,, quanta alegria”, e éramos de fato os próprios palhaços (embora em menos de mil) no salão.
Ríamos de nós mesmos. Eu deles e de suas hilariantes passagens por outros carnavais, uns na estrada, outros nos clubes ou nos blocos; eles de mim por não ter desta vez lorotas com que contribuir – logo eu!!!
Vivendo e aprendendo. Que máxima!
Ano que vem narrarei a vez em que passei o carnaval ouvindo vantagens de bocas alheias. E, quando memórias próprias me faltarem noutra ocasião, trarei à tona estas, agora um tanto minhas, porque compartilhadas.
Aos incrédulos que me tentarem tirar a máscara, cantarei: “não me leve a mal: hoje é carnaval”.
Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br / www.valquiriamalagoli.com.br
JOSÉ RENATO NALINI - PAÍS INSANO
O Instituto TrataBrasil apurou que a coleta de esgoto subiu apenas 0,3 percentual em um ano. Só 39% da população brasileira tem esgoto tratado. Milhões de brasileiros vivem num ambiente de risco à saúde. A população atendida com água tratada caiu 0,2 por cento. A se considerar esse ritmo, só em 129 anos se atingiria a meta prevista para 2033.
Várias capitais ostentam índices vergonhosos. Porto Velho, capital de Rondônia, tem quase 500 mil habitantes e nunca tratou um litro de esgoto. Em 2013, apenas 2,7% do esgoto doméstico era captado. Praticamente todo o esgoto vai para fossas ou escorre até córregos e rios. Mesmo assim, a cidade investiu nessa área só 0,01% da arrecadação naquele ano.
Já a cidade de Franca ficou, pela segunda vez, em primeiro lugar no ranking. Toda a população tem acesso a água tratada e coleta de esgoto. Este é tratado numa percentagem que ainda pode melhorar: 78%. Em segundo lugar está Maringá, em terceiro Limeira, em quarto Londrina e em quinto Curitiba.
Já as piores do Brasil são Porto Velho, Santarém, Ananindeua (Pará), Jaboatão dos Guararapes (Pernambuco) e Macapá, capital do Amapá. As periferias das metrópoles oferecem quadro lastimável. A ocupação indiscriminada de áreas de mananciais faz com que a água se torne inservível. Não há segurança de que os lençóis freáticos deixem de se contaminar, por isso que ninguém pode estar tranquilo, mesmo que tenha o seu poço artesiano. E em São Paulo eles se multiplicam, mais uma resposta egoística para uma crise que mereceria um movimento unânime e firme de toda a sociedade.
O Estado Brasileiro adotou o modelo provedor, tornou-se responsável por todas as demandas e aspirações, mas não cuidou de educar sua população. A má educação é concausa eficiente de aprofundamento de todas as crises. A sujeira é um atestado de falta de consciência. Produzir resíduo sólido em excesso é um testemunho da miserável situação da maior parte do povo brasileiro, que polui, suja, convive com a imundície e acredita que o governo é obrigado a atender a contento, a todas as necessidades. Muitas delas supérfluas e artificiais, fruto de uma publicidade que também contribui para deixar tudo menos limpo. Insanidade física, insanidade moral. O que nos espera nas próximas décadas?
JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.