PAZ - Blogue luso-brasileiro
Terça-feira, 28 de Julho de 2015
DOM GIL ANTÔNIO MOREIRA - PRESERVAR VALORES
No caminhar da história é necessário estar sempre atento aos valores. Na ânsia natural de progresso, corre-se o risco de mudar por mudar, esquecendo-se que há certas coisas que devem ser legitimamente conservadas. Há o risco da superficialidade na análise e acabar por ter preconceito contra a palavra conservação. Ser conservador pode ser um crasso erro ou um genial acerto. Há certas coisas das quais não se pode abrir mão, porque representam riqueza inalienável. Há de se ver que em questões artísticas, entendemos bem isto, pois mesmo havendo expressões novas, nunca se destrói uma obra de arte antiga. Quem seria louco de, em valorizando as edificações de Niemayer, pôr ao chão as obras de Aleijadinho ou de Leonardo da Vinci ou de Michelangelo? Quem, apreciando Portinari ou Picasso, despreze Rafael, Giotto, Ataíde, ou Pedro Américo? Em arte não há competição. Os poemas de Adélia Prado ou de Cecília Meireles ou de Manoel Bandeira não se rivalizam com os sonetos de Raimundo Correia, nem com as poesias de Castro Alves. As composições musicais de Bela Bartók, de Vila Lobos, de Antonin Dvórak não são a destruição dos concertos de Brandenburgo ou das seis suítes para Violoncelo de Johann Sebastian Bach, nem da Quatro Estações de Antonio Vivalvi, nem das sinfonias imortais de Ludwig van Beethoven.
Nas festas comemorativas de Nossa Senhora do Carmo, estive mais uma vez, a convite, ministrando ofícios sagrados em São João del Rei, no novenário da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmelo, da Paróquia da Catedral, celebrados naquela histórica cidade desde o século XVIII, tendo sido fundado o sodalício no ano de 1727. A parte musical, desde 1925, tem sido levada pela Orquestra Ribeiro Bastos, uma das corporações musicais populares mais respeitadas no Brasil, pela excelência de sua performance, pelo alto nível de seu repertório sacro. O novenário e a festa litúrgica celebrada no dia 16 de julho, recordando as experiências místicas de São Simão Stock a quem Nossa Senhora, numa visão, entregou o escapulário no ano de 1251, são imensamente concorridas por verdadeira multidão. Várias são as Missas celebradas por dia, todas elas com presença de grande número de pessoas que também, nestes dias procuram fervorosas o sacramento da Reconciliação.
Tais celebrações tradicionais, feitas em grande parte na língua latina, tendo o povo o Ritual bilíngue nas mãos, onde pode ler a tradução dos textos em português, são enlevantes e possibilitam autêntico encontro pessoal com Jesus, alimentando a piedade e o genuíno amor a Deus e ao próximo. Com orações, antífonas, ladainhas e aclamações, celebra-se jubilosamente a única mediação de Cristo, na qual encontra-se presente a intercessão de Maria, como em Caná da Galiléia (cf. Jo. 2, 1-12), dos Santos, como Pedro e João à porta do Templo de Jerusalém (cf. Atos 3, 1-9) e dos Anjos, como por exemplo, a fiel presença do Arcanjo Rafael ao lado de Tobias (Cf. Tobias 3,25). Os sermões são momentos importantes, propícios para aprofundamento do conhecimento bíblico e sua adaptação à vida, sendo dividido o novenário em três tríduos confiados cada um a um pregador.
São João del Rei distingue-se como capital brasileira da música sacra, das artes sacras em geral, da catolicidade presente em sua gente que, de geração em geração, procura conservar tradições que não podem se perder, e preservar valores que não podem ser diminuídos, pois seria o mesmo que perder inesgotável fonte de fé, de espiritualidade e de vivência cristã.
O Concilio Vaticano II (1962-1965), obra extraordinária do Espírito Santo, verdadeiro novo pentecostes na Igreja, renovou legitima e necessariamente muitas coisas, porém teve o cuidado de não desconhecer os valores já presentes nas comunidades marcadas pela história. Sobre a música sacra, ensina a Constituição Sacrosactum Concilium: Havendo em algumas regiões...povos que têm uma tradição musical própria, a qual desempenha importante função em sua vida religiosa e social , a esta música se dêem a devida estimação e o lugar conveniente, tanto para lhes formar o senso religioso, quanto para adaptar o culto à sua mentalidade...(SC 119).
Diz ainda o mesmo Documento Conciliar: A Igreja aprova e admite no culto divino todas as formas de verdadeira arte, contanto que estejam dotadas das devidas qualidades ( SC 112).
Quanto à conservação de tais valores religiosos, a Igreja não exige que se extingam para simplesmente dar lugar a outras formas, podendo, como acontece na inteligência das artes em geral, conviverem pacificamente de forma complementar, pois seria lastimável perder o que serve, de maneira tão bela e forte, para a prática da vivência do povo de Deus no que diz respeito aos mistérios de Jesus Cristo.
DOM GIL ANTÔNIO MOREIRA
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
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Por motivo de férias, como tem acontecido nos anos anteriores, não será atualizado o blogue durante o mês de Agosto.
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JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - A ARTE DE ESCREVER E A PARTILHA DE CONHECIMENTOS
A todos os escritores, as nossas sinceras homenagens, pois com sabedoria proporcionam o despertar da imaginação de milhares de pessoas. É através de suas histórias que formamos opiniões, refletimos sobre coisas e também conseguimos estimular nossa criatividade abrindo pensamentos para novos espaços e tempos.
25 de julho é o Dia Nacional do Escritor no Brasil por decreto governamental de 1960 e foi criado após o sucesso do I Festival do Escritor Brasileiro, organizado naquele ano pela União Brasileira de Escritores, por iniciativa de seu presidente, João Peregrino Júnior, e de seu vice-presidente, Jorge Amado. Trata-se de uma data de grande relevância por reverenciar àqueles que escrevem, por ofício, por prazer, pela junção desses dois aspectos e principalmente por transmitirem ideias, sonhos, fantasias, realidades e tantos outros atributos através das palavras.
Desde a Antiguidade, a obra literária é a grande companheira do ser humano, que através dela, pode adquirir os mais diversos conhecimentos.
Por outro lado, o maior desafio dos brasileiros neste século é apagar os vestígios indesejáveis da ignorância, da injustiça e miséria. Um dos aspectos para que tal quadro se instale é possibilitar o acesso de todos à educação que tem nos livros e nos autores, seus maiores instrumentos de consolidação. Tanto uns, como outros são necessários à efetivação cultural que se pretende para o desenvolvimento do país. E ambos sempre se reciclam, mantendo-se vivos, apesar de todas as dificuldades impostas pelo consumismo desenfreado e pela comunicação virtual.
Vale aqui invocarmos o escritor francês André Gide que escreveu:- “Todas as coisas já estão ditas, mas como ninguém escuta, é preciso recomeçar sempre”. O catarinense Emanuel Medeiros Vieira assim se expressou:- “E o ofício de escrever é um eterno recomeçar; lutar com palavras mil rompe a manhã para usar a expressão do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade. Creio que travamos, através da linguagem, o que Thomas S. Eliot, poeta norte-americano chamou de “combate intolerável com as palavras” que se esticam, racham, escorregam e perecem!”.
Homenageamos todos os escritores que tanto faz por nosso entretenimento e educação. Mesmo com a internet em pleno uso, mantém fiéis ao nobre ofício de escrever, perpetuando assim nossa história, nossas tradições e nossa cultura. Uma justa reverência a todos os que receberam o dom de transcrever em palavras, relatos, histórias, fantasias, sentimentos e vivências. Um escritor pode nos fazer chorar, rir, ter medo. Pode nos fazer repensar, mudar de ideia ou nos levar a viver ou partilhar emoções e experiências, conhecendo lugares e costumes, sem que precisemos sair de casa ou do conforto da cabeceira.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário. Presidente da Academia Jundiaiense de Letras (martinelliadv@hotmail.com)
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - O PROBLEMA DA PROBLEMATIZAÇÃO...
Costuma-se ensinar, em todas as nossas universidades, que "todo trabalho científico deve ser problematizado". Problematizar é formular explícita e claramente uma dúvida, um problema, uma hipótese a ser estudada. É uma formulação que até pode ser mudada, reformulada, revista, readequada em face de novas informações ou experiências, mas deve, segundo se afirma, ser explícita desde o início.
Isso parece muito lógico, pois só pode encontrar algo quem procura. Desde que o mundo é mundo existem macieiras e pessoas que se deitam à sombra delas. Desde que o mundo é mundo, portanto, incontáveis maçãs maduras caíram na cabeça de incontáveis dorminhocos... mas só Sir Isaac Newton foi capaz de extrair, desse fato tão corriqueiro, uma lei física que revolucionou a Ciência. Por quê? Porque ele tinha, no seu espírito, um problema que o atormentava, um problema que ele longamente considerou e analisou. A queda da maçã representou, na verdade, a resposta a indagações que havia muito tempo estavam germinando e borbulhando no seu espírito. A queda da fruta foi suficiente para que, como num passe de mágica, o raciocínio científico longamente trabalhado chegasse a seu bom termo.
Assim, a quem pesquisa, é muito importante levantar perguntas. É quase mais importante levantar perguntas do que formular respostas. A problematização é, pois, fundamental para o pensador, para o estudioso.
Mas daí não se deve deduzir, quadrada e matematicamente, que a problematização deva ser sempre explícita e sempre prévia à pesquisa. Na realidade, o pensamento humano segue caminhos lógicos, é claro, mas também caminhos analógicos. Muitas vezes, numa pesquisa, o estudioso, com seu "faro", com seu "feeling", com seu "sexto-sentido", intui que deve seguir preferencialmente determinadas pistas e deve abandonar, desde logo, outras. Ele não sabe explicar por que é assim, mas “sente” que é assim. Agindo dessa forma, ele não está agindo de modo estritamente lógico, mas também não está agindo irracionalmente. Ele está tão-só seguindo sua intuição. De um modo geral, as mulheres são, nesse particular, mais bem dotadas que os homens. Nelas, o "sexto-sentido" é mais vivo e mais atuante. Mas também os homens se beneficiam dele.
E é aí que se chega ao ponto de que estamos tratando. Que deve haver problematização, sem dúvida deve. Mas nem sempre ela é inteiramente explícita, muitas vezes ela pode, no espírito do pesquisador, estar em germinação, até mesmo meio no campo do subconsciente. Ele sabe, com um grau maior ou menor de explicitude, que dali sairá alguma coisa útil, mas ele nem sempre é capaz de formular com toda a sua clareza.
Também não é necessário que a problematização seja prévia. Por vezes acontece de fazermos descobertas... e só depois percebermos que elas são úteis para resolver problemas nos quais nunca pensamos. O caso mais típico foi o de Alexander Fleming, cientista que estava estudando fungos e por acaso descobriu os antibióticos. Ele não foi estudar os fungos porque queria curar infecções, ele somente se interessava por fungos. Mas fez sem querer e sem esperar uma das maiores descobertas da História da Medicina.
Não nego a importância da problematização, apenas julgo que ela não precisa ser sempre inteiramente explícita e tampouco precisa ser prévia. Parece-me excessivo dizer, como afirmam alguns teóricos, que a problematização é necessariamente o primeiro momento de todo trabalho científico.
Muitas vezes, a intuição nos conduz na pesquisa para certos caminhos que não sabemos explicitar, mas sentimos que dali poderá sair alguma solução interessante para um problema que não temos ainda formulado. Muitas vezes aconteceu comigo de me interessar por um assunto específico pelo qual sentia grande atração, e me pus a estudá-lo sistematicamente, pesquisando, lendo numerosos livros sobre o tema, fazendo fichas, resenhas etc. E só ao cabo de alguns anos me dei conta, de repente, que tudo aquilo se encaminhava, no plano subconsciente, para um problema que somente mais tarde se manifestaria, e para o qual aquela bagagem cultural acumulada trazia, consigo, os elementos para a rápida solução.
Pelo menos 3 ou 4 dos meus livros foram frutos de pesquisas desse tipo, conduzidas durante anos sem objetivos definidos, mas que, de repente, diante de certas circunstâncias, se definiram e me permitiram um aproveitamento imediato. Eu não tinha nenhuma problematização formulada, apenas um interesse muito grande e uma vaga intuição de que, no futuro, aquilo ainda me serviria.
O longo período de gestação terá sido não científico, só porque não foi explicitamente problematizado? Ou será que ele já estava problematizado no subconsciente, se bem que não tivesse ainda aflorado ao nível da consciência? Nesse caso, proceder assim seria algo irregular, algo fora do razoável do ponto de vista metodológico?
Aqui ficam estas indagações. Quem sabe algum leitor possa me ajudar a respondê-las!
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - ABUSO E MASCARAS
Creio que o abuso sexual infantojuvenil é assunto a ser comentado em todas as oportunidades. Mesmo que não deixe marcas no corpo, fere a alma e as lembranças para sempre. Jesus Cristo foi claro, como relata o evangelista Mateus (18,6.8): “Quem provocar a queda de um só destes pequenos que creem em mim, melhor seria que lhe amarrassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem no fundo do mar. (...) Se tua mão ou teu pé te leva à queda, corta e joga fora...”
Antes de conhecer a história de mulheres em risco, em situação ou que passaram pela prostituição, considerava raro o abuso de crianças e adolescentes e que seria provocado por tarados que habitavam os bueiros da humanidade. Bastaria, portanto, ensinar prudência aos menores. Ledo engano. Pode-se até instruir a “dizer não”, mas de que adianta quando o abuso acontece dentro de casa ou por adultos próximos, “trajados” de forma a merecer o respeito dos que o cercam e da sociedade? E sabe-se que o abusador, com sua sedução, estrangula o sentimento de crianças e púberes, os quais perdem até mesmo a noção de sua individualidade e assumem o perfil de marionetes.
Penso que inúmeros fatores contribuem para o “exercício” da pedofilia: repetição do que fizeram com ele; problemas psicológicos e psiquiátricos; certa indiferença dos que notam algo estranho, se a criança for de família desagregada e em estado de miséria; acobertamento do abusador, caso desempenhe um papel significativo para um grupo menor o maior e que a revelação possa causar danos à imagem de alguma organização e outros. E a vítima permanece em segundo plano.
Prudência demais, quando há um fato sobre pedofilia a ser divulgado – a comunicação pode inibir pedófilos e proteger crianças – , amplia o espaço dos abusadores.
Algumas coisas não compreendo: por que um pedófilo, que tem consciência do que é certo e do que é errado e condições de buscar ajuda para se superar, não o faz? Por que, inúmeras vezes, os que se encontram no entorno do abusador, em lugar de inocular mais máscaras para defendê-lo, não o ajudam a assumir a verdade e, a partir dela, perseguir caminhos que salvam?
Há uma colocação do Livro do Apocalipse (3, 15.16) que tenho sempre comigo: “Conheço a tua conduta. Não és frio, nem quente. (...) Mas porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca”.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - POR AÍ
Há dias nos quais antes de mesmo de pensar sobre o que irei escrever, já tenho algum assunto desenvolvido em pensamentos. Outros dias há, no entanto, nos quais nada de especial me ocorre. No passado, tive alguns “brancos” que me apavoraram, eis que eu via o prazo para entrega do artigo se esvaindo sem que eu tivesse uma só ideia digna de ocupar o espaço em branco do monitor a minha frente.
Assim, em parte por conta disso e em parte porque sou uma curiosa por definição, vivo sempre procurando por imagens, cenas e detalhes que passam despercebidos pelas pessoas. Geralmente, neles encontro inspiração para uma nova crônica. Entendo que, para quem me observe a distância, posso parecer um tanto estranha, olhando para cima, para o alto dos postes, janelas, árvores e mesmo para o chão, para os rastros que as pessoas vão deixando por aí.
Nessas minhas “observâncias” já vi de um tudo. Vi pessoas que, nuas, passavam livremente pelas janelas de suas casas e apartamentos, certas de que não seriam vistas ou na esperança de o serem. Vi pássaros dos mais variados e até pequenos mamíferos, os quais eu sequer imaginava existir em plena selva de pedras. Examinando o chão encontrei joias perdidas, bilhetes de amor esquecidos ou descartados, carteirinhas de faculdade e até mesmo dinheiro.
As sacadas dos prédios e janelas de casas podem ser uma deliciosa fonte de observação. Há algumas tão floridas, tão repletas de plantas que eu fantasio serem a entrada para alguma outra dimensão, para algum lugar no qual o verde prevaleça sobre o cinza. Em uma delas, para minha surpresa, vi um mamoeiro carregado, opulento e orgulhoso de si. Em várias janelas notei cães e gatos que se pareciam ora como guardiões da rua, ora como admiradores de um mundo que não lhes era franqueado.
Dia desses, enquanto aguardava meus cachorros fazerem suas necessidades durante uma caminhada pelas ruas, eu me preparava para recolher o que quer que resultasse deles e comecei a observar a árvore que estava a minha frente. Notei que uma outra planta, um trepadeira, subia nela, enroscada como um amante possessivo. Logo notei que se tratava de um pé de maracujá, fruta que aprecio demais. Segui, desse modo, o percurso da rama e suas gavinhas e vi, maravilhada, que, lá no alto, bem no alto mesmo, imensos e amarelos maracujás enfeitavam a árvore, tal qual uma árvore de natal temporã.
Não sei se o maracujá foi plantado ou se lá nasceu de alguma semente descartada displicentemente, mas o fato é que ele, majestoso, salvaguardou, nas alturas, seus frutos que antevejo doces e cheios de polpa. Lá de cima, inalcançáveis, cairão quando assim o desejarem, talvez quando já não estejam tão bons para o consumo, caso sobrevivam à queda.
Acredito que ninguém os tenha notado ou quiçá cobiçado. Se o fizeram, pela altura, desistiram de se apossarem deles. Gosto de achar que são meus, dos meus olhos, já que os descobri. Gosto de admira-los sempre que passo por lá e fico pensando se algum dia vou presenciar o jogar-se de algum deles. Já não cobiço o fruto, mas as sementes. Quero, eu também, o meu próprio pé de maracujá das alturas.
Divido, aqui, a experiência de tê-lo encontrado, mas não o seu esconderijo, sua morada, pois como disse, esse é o “meu” pé de maracujá. Convido, ao invés disso, cada leitor a fazer a sua própria busca... A vida é muito curta para olharmos apenas para uma direção, pois os mistérios, as surpresas, estão sempre onde menos se espera, escondidos somente de quem não tem olhos de ver...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
JOSÉ RENATO NALINI - QUEM QUER SER JUIZ ?
O Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do mundo, tem hoje 818 vagas no quadro da Magistratura. Os números não mentem. Conta com 2883 cargos criados, dos quais 2065 estão providos. Portanto, há 818 cargos por preencher.
Vamos à demonstração de que há 818 vagas: são 360 desembargadores e 8 cargos não estão providos. Mais 5 de Juiz Substituto em 2º Grau, 187 juízes de entrância final, 43 da entrância intermediária-titular e 56 da intermediária-auxiliar da capital. 128 vagas de Juiz Auxiliar do Interior, 99 cargos vagos na entrância inicial e 300 vagas de Juiz Substituto. A soma: 818 cargos para serem providos na Magistratura bandeirante.
É óbvio que não poderíamos preencher todos esses cargos. Não haveria orçamento para tanto. O juiz precisa de uma estrutura funcional para trabalhar. A queda de arrecadação neste ano de 2015 torna tudo mais difícil. Aproxima-se o limite prudencial de gastos com pessoal, imposição da LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal.
Não fora isso, os concursos nunca chegam a aproveitar um número de candidatos que atenda às necessidades da Magistratura. Posso mencionar como exemplo o 183º Concurso de Ingresso: foram 18 mil os candidatos inscritos. E de acordo com a Resolução 75 do CNJ, só poderíamos recrutar para as fases posteriores à prova preambular, 300 juízes. Recorremos ao CNJ e o Colegiado nos permitiu aprovar para as provas escritas e orais 600 candidatos. Menos de cem foram nomeados a final.
Ainda não chegamos ao modelo ideal, em que a memorização enciclopédica de todo o conjunto legislativo, doutrinário e jurisprudencial valha menos do que a vocação. O Brasil precisa de juízes sensíveis, humanos e consequencialistas. Que tenham noção do impacto de suas decisões no mundo real. Os concursos públicos, tal como hoje são realizados, parecem priorizar a exclusão. Retirar 300 de milhares. Só mediante formulação de 100 questões de múltipla escolha, sem consulta, com correção por leitura ótica.
Quem garante que muitos vocacionados não ficaram fora dessa área? Mas é difícil mudar. Só quando a sociedade começar a atuar e a exigir um Judiciário antenado com o mundo, mais atento às profundas mutações sociais. Por enquanto, vamos realizando os concursos tradicionais. Por sinal, já está aberto o 186º Concurso de Ingresso à Magistratura de São Paulo. Habilitem-se e boa sorte!
JOSÉ RENATO NALINI - é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.
FELIPE AQUINO - A IMPORTÂNCIA DOS AVÓS NA EDUCAÇÂO DOS FILHOS
Meu pai dizia que “alegria de velho é ser avô”. Hoje eu experimento essa verdade. Como é bom estar com os meus dez netos, contando estórias para eles, desafiando-os com “o que é o que é?”, jogando futebol, vídeo game, andando de bicicleta, desenhando para eles, enxugando suas lágrimas infantis, dando balas escondido das mães… Que coisa gostosa os netos!
Mas em tudo isso eu procuro colocar nos corações deles a chama da fé, o amor às virtudes, o respeito aos pais, aos mais velhos, o amor a Deus e a beleza da vida que Deus lhes deu.
Na Oração do Ângelus no Palácio São Joaquim, em 26.07.2013, na JMJ, o Papa Francisco disse:
“Olhando para o ambiente familiar, queria destacar uma coisa: hoje, na festa de São Joaquim e Sant’Ana, no Brasil como em outros países, se celebra a festa dos avós. Como os avós são importantes na vida da família, para comunicar o patrimônio de humanidade e de fé que é essencial para qualquer sociedade! E como é importante o encontro e o diálogo entre as gerações, principalmente dentro da família”.
Penso que nessas palavras o Papa resumiu a importância dos avós na vida dos netos. Eles trazem consigo uma longa experiência adquirida na escola da vida, nos livros, nas lutas, nas lágrimas, na dor e nas alegrias. Eles já viram muitos morrer, já sofreram na própria carne as derrotas e os fracassos, e tiveram de se levantar novamente em cada tropeço. Por isso eles podem ensinar os filhos e netos a fugir do perigo. É muito melhor aprender com os erros dos outros do que com os próprios erros.
Diz o livro dos Provérbios que: “A beleza dos jovens está na sua força, e o enfeite dos velhos são os seus cabelos brancos” (Pr 20,29). O homem moderno “conquistou o universo, mas perdeu o domínio de si mesmo”, disse Michel Quoist; por isso “sente-se ameaçado por aquilo mesmo que construiu com sua inteligência e com suas mãos”, disse João Paulo II. Isso porque falta-lhe sabedoria. E essa os avós trazem na alma. Não basta a ciência e a técnica, é preciso cultivar os valores éticos e morais. Para o ignorante, a velhice é o inverno da vida, mas para o sábio, é a época da boa colheita.
Leia também: Uma palavra aos avós
“Não são os anos que nos envelhecem; mas sim, a ideia de ficarmos velhos. Há homens que são jovens aos oitenta anos, e outros que são velhos aos quarenta”, disse o Pe. Antônio Vieira (1608 – 1697). Um ancião que soube como o vinho,
envelhecer sem virar vinagre, saberá agradar os netos e fazê-los crescer em sabedoria e santidade.
Neste mundo tão corrido onde os pais e mães se agitam com muitas atividades, muitos filhos ficam sem as suas presenças tão importantes. Então, cresce mais ainda a importância dos bons avós que podem suprir essa falta. É um verdadeiro apostolado da terceira idade. Os avós podem ser hoje os primeiros catequistas dos netos, quando os pais já não podem fazer isso; especialmente naqueles casos em que falta um dos pais na vida do neto. Sem dúvida não é uma missão fácil por causa do peso dos anos, mas é uma tarefa magnifica num mundo onde começam a desaparecer os verdadeiros valores morais e espirituais.
FELIPE AQUINO - Escritor católico. Prof. Doutor da Universidade de Lorena. Membro da Renovação Carismática Católica.
PAULO R. LABEGALINI - A MISSA E O FUTEBOL
José Roberto Torero, escritor do jornal ‘Folha de São Paulo’, há tempo redigiu um texto como se fosse Lelê, seu sobrinho fictício. Eis alguns trechos para relembrar nosso tempo de criança:
“Esse domingo foi um dia engraçado, porque eu fui em dois lugares bem diferentes mas que eram meio parecidos. De manhã, a minha mãe me levou na missa. De tarde, o meu pai me levou num jogo de futebol.
Se eu pudesse comer aquilo que o padre dá, ia ser bacana. E se um dia eu for padre, na minha igreja vai ter uma hóstia bem gostosa, com gosto de pizza ou de banana. Lá na missa, o padre ficou falando sobre os milagres de Jesus e disse que o maior de todos foi ele ter voltado dos mortos, porque ele tinha morrido, mas renasceu no final da história.
Bom, aí de tarde o meu pai, que é palmeirense, me levou para ver o jogo do Palmeiras contra o Atlético do Paraná, que foi o maior bom porque parecia que o Palmeiras ia perder de dois a zero, mas aí ele fez dois gols e empatou, e o meu pai ficou o maior aliviado e disse: ‘Você viu, Lelê? Foi um milagre! O time estava morto, mas renasceu no finzinho.’
Aí, por causa do que o meu pai disse, eu fiquei pensando que a missa e o jogo de futebol têm um monte de coisa igual. Então eu falei: ‘Pai, a primeira coisa igual é que o padre e o juiz gostam de se vestir de preto. Deve ser para parecer bem sério, porque quem se veste de preto é para parecer sério. E os dois dizem para todo mundo o que que é certo e o que que é errado.’
‘É, você até que tem razão, filho. Tem mais alguma coisa?’
Aí eu lembrei de uma coisa importante: ‘Nos dois lugares a gente reza. Só que na igreja todo mundo reza junto e no estádio cada um reza sozinho. O senhor mesmo nesse jogo ficou assim: Ai, meu Jesus Cristo, ilumina esse nosso ataque, senão quem vai ter um ataque sou eu.’
‘É, meu filho, para torcer pro Palmeiras a gente tem que ter muita fé mesmo!’
‘Outra coisa parecida é que a missa e o jogo têm torcida, e as duas cantam. A do jogo de futebol canta mais vezes que a da igreja, e isso é bom, mas a música deles têm palavrão, e isso é ruim. E também tem uma coisa engraçada, que é que na missa e no futebol tem o bom e o mau. Os bons são Deus e o nosso time, e os maus são: o Diabo e o outro time. E a gente sempre torce para o bom ganhar, mas às vezes quem ganha é o mau.’
‘Às vezes, não. Muitas vezes! Acabou ou tem mais alguma coisa, Lelê?’
‘Tem mais uma: na missa e no futebol a gente senta com uma turma que nem conhece e parece que é todo mundo é amigo. Será que é por isso que as pessoas vão na missa e no jogo? Por que elas gostam de ficar numa turma de amigos e torcer para a mesma coisa?’
Aí o meu pai pensou e disse: ‘Acho que é isso mesmo. Você anda muito esperto!’
‘Então, pai, se a missa é igual ao futebol, na semana que vem, em vez de eu ir na missa e no jogo, eu posso ir em dois jogos?’
Eu achei que tinha sido o maior esperto, mas aí o meu pai falou: ‘Hum... O seu argumento é muito bom, mas vamos fazer diferente. Já que é tudo igual, você vai na missa da manhã e na missa da tarde.’
Aí me ferrei. Eu sou esperto, mas o meu pai é mais. Droga!”
Pois é, tem muita coisa que eu poderia discordar da opinião de Lelê, mas sendo uma história de criança, vou deixar passar e apenas lembrar que Jesus também contava histórias há 2000 anos, tipo: “O Reino do Céu se compara a uma semente de mostarda que um homem plantou em seu jardim. Ela cresceu tanto que quase virou uma árvore, onde os pássaros do céu faziam ninho”. E Jesus continuou: “O Reino do Céu pode ser comparado também ao fermento, que uma mulher mistura em três medidas de farinha, de tal modo que a massa toda fica fermentada” (Lc 13,18-21).
Fica claro que os exemplos são necessários, principalmente para explicar algo difícil de imaginar. Se eu tentasse dizer a uma pessoa que não tem fé o quanto poderá ser feliz caso se aproxime de Deus, seria uma tarefa meio árdua; mas, contando fatos milagrosos que já presenciei, ficaria um pouco mais fácil convencê-la a respeito do quanto o Pai nos ama.
Isso acontece muito nos retiros católicos, quando o Espírito Santo se faz presente e nos ajuda a mudar uma série de paradigmas nas cabeças das pessoas. Reforçamos que, aceitando a proposta que Deus nos faz, nossa opção de vida passa a ser outra: a santidade!
E tem gente que confunde santidade com ‘chatice’ ou ‘uma vida só voltada à oração’. Muito pelo contrário: buscar a santidade significa ser feliz já, sem incluir o pecado no dia-a-dia – que nos tira completamente a paz. Seguir Jesus é o único caminho para sermos felizes eternamente!
Portanto, entre a missa e o futebol, dá para ficar com os dois – cada um no seu tempo. Entre o pecado e a paz duradoura, não resta dúvida que a segunda opção é melhor. E entre histórias de crianças e as parábolas do Evangelho, também podemos reservar um tempinho para ambas, concorda?
Tenho certeza que Deus não se incomoda de passarmos algum tempo nos distraindo com coisas boas. Ah, mas não se deixe enganar: somente Jesus Cristo voltou dos mortos em carne e osso!
PAULO ROBERTO LABEGALINI - Escritor católico. Vicentino de Itajubá - Minas Gerais - Brasil. Professor doutor do Instituto Federal Sul de Minas - Pouso Alegre
HUMBERTO PINHO DA SILVA - QUEM É VERTICAL DIFICILMENTE PASSA DA CEPA TORTA
Na nossa terra só tem valor quem pensa como nós. Quando se aprecia um escritor ou interprete, primeiro procura-se saber: “ De que partido é? …” Se tem as nossas ideias, é mestre, se não, tem habilidade ou não passa de coitadinho, que se põe em bicos de pés…
Vem o introito a propósito da conversa travada por meu pai e conhecido político, amigo de infância.
Vários intelectuais lisboetas ou que viviam em Lisboa, em encontros ou por carta – nesse tempo ainda não havia Internet, – não se cansavam de dizer: “ Por que não desce à Capital? Seus artigos são magníficos! Tão bons como os de Ramalho!... Mas enquanto não escrever em periódico da Capital, ninguém lhe dará valor…”
Acicatado por esses confrades, resolveu, certa tarde, visitar amigo de infância, que se tornara importante político.
Bateu-lhe à porta e foi recebido de braços abertos:
- Por que não apareces mais vezes? …Contigo não faço cerimónias…
Meu pai agradeceu a gentileza e disse ao que vinha: que ilustres professores e reconhecidos intelectuais, não se cansavam de elogiar os artigos, e diziam-lhe para descer à Capital…
- Mas como? Se não conheço proprietário ou diretor de grande jornal que queira apadrinhar? …
- Ó Mário: Eles têm razão… – Meu pai ia-lhe lendo frases de cartas que recebera de sonantes nomes da literatura portuguesa. - Tenho lido a tua coluna no matutino que compro, e francamente te digo: És excelente! …
Meu pai estava radiante. Bastava cartão de visita do amigo, com algumas palavras, para que revistas e jornais de expansão nacional abrissem-lhe as portas… e as janelas…
Mas quando assim pensava, ouviu este desabafo:
- Mário: Tu sabes que não sou homem de Igreja. Sou ateu por convicção e militante de esquerda. Como queres que recomende católico praticante e ainda por cima colaborador de jornais de direita! …Deixa, pelo menos, o semanário X, e pode ser que te encontre um diário de Lisboa. Mas vê lá o que vais escrever! …Tens que apimentar a prosa e escolher temas que agrade ao povo…Compreendes? …
Meu pai agradeceu a cortesia, mas preferiu continuar a ser jornalista nortenho, que trair sua crença e seus princípios.
Saiu de cabeça erguida, mas condenado a ser sempre intelectual de província… porque não desceria à Capital…
Se aceitasse, certamente teria alcançado fama. Os editores disputariam seus livros e os críticos agnósticos, teceriam louvores ao mestre.
Seria premiado e aplaudido pelo povo acéfalo, que correria ao livreiro para adquirir a obra que a crítica da “ capelinha” diria ser best-seller.
Seria tudo, mas a crença e a consciência não lhe permitiram “ apimentar” a prosa nem deixar de escrever artigos de inspiração cristã.
Morreu como escritor e jornalista nortenho…mas morreu em paz…
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
PINHO DA SILVA - ESCUCHA, MADRE MIA...
Tradução, em japonês, do Dr. AKIRA UEMATSU
Versão, em castelhano, do Prof. Doutor Antonio Perpiñá
PINHO DA SILVA – (1915-1987) – Nasceu em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Frequentou o Colégio da Formiga, Ermesinde e a Escola de Belas Artes do Porto. Discípulo de Acácio Lino, Joaquim Lopes e do mestre Teixeira Lopes. Primo do escultor Francisco da Silva Gouveia. Vilaflorense adotivo, por deliberação da Câmara Municipal de Vila Flor.
Tem textos seus dispersos por várias publicações, entre elas: “O Comércio do Porto”, onde mantinha a coluna “ Apontamentos”, e no “Mundo Português”, do Rio de Janeiro, onde publicou as “ Crônicas Lusíadas”. Foi redator do “Jornal de Turismo”, membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, e secretário-geral da ACAP.
Domingo, 19 de Julho de 2015
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - "A AMIZADE É ANTES DE TUDO CONFIANÇA"
Diante da atual crise de valores, devemos meditar sobre o verdadeiro sentido que a amizade encerra, relevando sempre o relacionamento humano. Infelizmente, as funções de um amigo - dar um sorriso, um gesto de compreensão, um perdão, uma atenção, um cumprimento – estão se exaurindo no fechamento provocado pelo egoísmo reinante e pelas equivocadas visões de que ter e aparecer são mais meritórios do que ser.
O Dia da Amizade, comemorado a 20 de julho, foi criada pelo filósofo e sociólogo argentino Enrique Ernesto Febbraro, inspirado pela chegada do homem à Lua, nesta data em 1969. Em alguns estados brasileiros como o Rio de Janeiro, sua celebração é determinada por leis próprias, motivadas estritamente por apelo comercial – um evento para troca de presentes. No entanto, o seu propósito original é incentivar a reflexão sobre esse importante e necessário instrumento de união entre as pessoas, notadamente num mundo extremamente consumista e competitivo.
Com efeito, o dinamismo provocado pelos reflexos materialistas leva os indivíduos a se fecharem em si mesmos, pois passam a viver em função de ganhos, posição social e poder, como se tais aspectos fossem fundamentais às suas realizações. Esquecem de circunstâncias humanistas e imprescindíveis à própria felicidade, como gestos e atitudes fraternas, relacionamentos afetivos, solidariedade com o próximo, respeito a todos os seres vivos em geral e tantas outras, sobrepostas por interesses exclusivamente pessoais e ao mesmo tempo, eivados de puro egoísmo.
Nesta trilha, vale invocarmos a psicóloga Rosely Sayão: “Fazer amigos ajuda a combater a ideologia consumista de nosso tempo, que pega tão pesado com os jovens, já que ter amigos subverte a lógica do consumo. Quem cultiva amizades entende que mais importante do que ter o poder de ter algo é ter alguém ao lado, poder contar com alguém” (Caderno Equilíbrio, Folha de São Paulo, p. 12 -25/08/2005 – “O Poder da Amizade na Adolescência”). Por outro lado, a amizade é citada por Aristóteles como uma das principais bases da consolidação do regime democrático. Ele igualou a amizade entre irmãos à democracia, que só seria possível pelo processo de fraternização. Efetivamente, as pessoas quando se entendem bem, mantém a ordem social de maneira objetiva tornando a igualdade uma característica da própria convivência.
O consagrado jurista Miguel Reale Filho assim se expressou:- “Dizia Cícero que a amizade é antes de tudo confiança. Para que a relação entre duas pessoas se aprofunde o pressuposto é ver com simpatia o outro no seu modo de ser. Do contrário, há uma distância impeditiva de vir a prosperar o afeto. Essa distância não existe numa relação de igualdade, na qual cada um se torna solícito em face do outro, que se transforma não apenas na pessoa a ser conhecida, mas compreendida” (O Estado de São Paulo- “A Amizade e Seus Desafios”- 07.08.2011- A-2).
A jornalista Daniela Neves apontou que “desde a época dos filósofos gregos, a relação entre amigos é comparada com a existente entre irmãos ou parentes próximos. Platão, Santo Agostinho e Montagne entendiam que a identificação como outro era porque no amigo se vê a própria imagem, a cópia de si mesmo. “Com efeito, quem olha para um amigo verdadeiro vê nele, por assim dizer; uma imagem de si mesmo. É por isso que os amigos, ainda que ausentes, estão presentes. Ainda que pobres, têm abundância; ainda que fracos, são fortes e, o que é mais difícil dizer, ainda que mortos, estão vivos: tamanha é a consideração, a lembrança, a saudade dos amigos que os acompanha (...)”, escreveu Santo Agostinho, em Confissões IV. De outro lado está o alemão Friedrich Nietzche que entendia que a relação fraterna e sem conflito não é a melhor forma de amizade. Para esse filósofo, devemos afastar os “bons amigos” que sempre dizem o que queremos escutar nunca criticam. No amigo, segundo ele, não devemos procurar uma adesão incondicional, mas a incitação, o desafio. Nietzsche dizia que no próprio amigo devemos ter “nosso melhor inimigo” (Caderno Viver Bem – “Sobre a Amizade”- Gazeta do Povo- Curitiba- PR- p.10- 20/07/2008).
Deixando os extremos e as diversas concepções que o tema suscita, vale reiterar que diante da atual crise de valores, devemos aproveitar o DIA DA AMIZADE, para meditarmos sobre o verdadeiro sentido que ela encerra, relevando sempre o relacionamento humano. Infelizmente, as funções de um amigo - dar um sorriso, um gesto de compreensão, um perdão, uma atenção, um cumprimento – estão se exaurindo no fechamento provocado pelo egoísmo reinante e pelas equivocadas visões de que ter e aparecer são mais meritórios do que ser. Voltamos a insistir: quando formos capazes de pensar na satisfação de todos e não apenas nas vantagens pessoais, iremos superar a conjuntura moral do mundo e, em conseqüência, as dificuldades econômicas, sociais e tantas outras que afligem o homem atualmente.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário. Presidente da Academia Jundiaiense de Letras (martinelliadv@hotmail.com)
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - COMER,COMER...
Fico pensando que, no passado, comer era algo mais simples. As pessoas tinham poucas opções quando o assunto era comida e acredito que escolher entre três ou quatro opções, quando elas existiam, era muito menos complicado do que hoje, quando há, ao menos em tese, centenas de possibilidades, poucas delas saudáveis de fato.
Ao mesmo tempo em que escrevo isso sei o quanto pode parecer superficial e fútil discutir sobre o que comer quando há no mundo tantas pessoas sofrendo e morrendo por não terem absolutamente nada para comer. Infelizmente, penso que muito tempo ainda haverá de passar até que, talvez, um dia, não haja mais diferenças sociais e que todos possam ter, minimamente, as mesmas chances. Dessa forma, não se trata de ignorar a realidade alheia, mas apenas da constatação sobre outros fatos.
Em geral, em grande parte do mundo, creio eu, as pessoas comem muito mais do que deveriam, mas não o fazem necessariamente melhor. No quesito qualidade da alimentação moderna, há muita coisa confusa, muitas teorias e muita gente com ideias doidas por aí. A quantidade de pessoas que vem padecendo dos males de uma alimentação ruim apenas faz aumentar e a obesidade é tão somente uma ponta desse problema.
Quando se fala em obesidade, inclusive, inicia-se uma outra discussão que, ao meu sentir, vem beirando à loucura. É quase como se todos tivessem que ser magros para estarem dentro de um padrão de “normalidade”. Qualquer barriga pode ser vista como uma prova de que a pessoa é preguiçosa, doente ou desleixada. Mulheres bonitas sentem-se feias apenas por não serem a imagem e semelhança de esquálidas modelos ou de pessoas irreais, retocadas por programas de computado. Ser magro acabou se tornando sinônimo de ser aceito, de ser bonito.
Daí que a neura de ser magro e mesmo o desejo de ser saudável faz com que fique um tanto complexo saber o que comer. Em um dia, o café é poderoso e, no dia seguinte, um vilão abominável. As pesquisas dessa semana refutam as da semana passada e gente saudável passa semanas à base de chás e sopas, almoçando e jantando barras energéticas, com uma estranha devoção, privando-se de uma refeição saborosa, do prazer de comer o que se gosta.
Vejo pessoas que passam os dias calculando índices de massa corporal, às custas de potes de misturas em pó que “sabe-se-lá” o que irão provocar a médio e longo prazo. Inaugurou-se uma corrida bizarra rumo aos menores números de manequim possíveis, fazendo com que quem é gordinho sinta-se deixado para trás, excluído...
Por isso afirmo que hoje em dia é muito mais complicado saber o que se deve comer. Acredito piamente que uma alimentação balanceada, que contemple mais alimentos naturais, menos industrializados, com menos conservantes, que contemple tudo, mas com moderação, possa ser um passo importante para a boa saúde, mas isso não implica, necessariamente, em uma barriga definida ou na ausência de algumas gordurinhas.
Penso que nunca se teve tanta variedade de comida à disposição, mas também nunca se comeu com tanta culpa ou sendo alvo de tanta reprovação alheia. Temo, de toda forma, os excessos, os extremos. Deveríamos saber desfrutar de uma boa refeição, até porque ter o que comer é uma dádiva e porque poder comer também é sinal de saúde. E por mais que seja bom sentir-se bem com o próprio corpo, é mais importe estar bem com a alma e com o coração.
Que todos nós tenhamos com o que nos alimentar. Que todos saibamos apreciar uma refeição saudável. Que todos estejamos em paz com aquilo que somos, apreciando a beleza de nossos corpos, ainda que eles não sejam mais músculos do que gordura, ainda que não sejam estereótipos do que é ser bonito, e sim reflexos do que é ser feliz...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - ÁGUA COM VIDA
Uma amiga me fez portadora de um lindo macacão quentinho de azul intenso para um bebê que está chegando, filho da periferia. Deus juntou a necessidade da mãe, que não possui roupas de frio para a criança, com a percepção de minha amiga. A irmã, de sete anos, quis registrar o fato em bilhete de agradecimento. Escreveu assim: “A minha mãe adorou a roupa do meu irmãozinho. Quando ela colocou em cima da barriga, o nenê fez uma onda enorme, que você nem imagina”.
Comove-me o entendimento da moça sobre a importância de respeitar aquele que no momento cresce em suas entranhas e de acarinhá-lo, até mesmo com os presentes que recebe. Seus recursos financeiros são reduzidos, contudo se empenha para que os filhos se desenvolvam com dignidade.
Recordei-me de movimentos que marcham em favor da legalização do aborto provocado. Justificam que a criminalização não impede que as pessoas continuem abortando e comprometendo sua saúde, no caso as mulheres pobres, que o realizam em clínicas sem estrutura, diferentemente das que têm condições financeiras. Dentre eles se encontra a chamada “Marcha das Vadias”, que pede a realização do aborto pelo Sistema Único de Saúde -SUS- , como oportunidade para os que desejarem remover o filho de seu ventre.
Argumento algum me convence que possa ser um direito da mulher e do homem provocar um aborto, pois aquele que ocupa o útero é outro ser, um indivíduo distinto. Caso não possa ou não deseje criá-lo, há filas para adoção. Considero incoerência interceder pelos direitos de menores fragilizados por sua história e ser adepto de destruir um pequenino que ainda não tem possibilidade alguma de se defender. Repito: a mulher e o homem, pois quem fecunda um óvulo é tão responsável quanto quem o agasalha com sua placenta. Li um comentário, não me recordo onde, sobre o direito da mulher em extirpar o seu útero e do homem as suas glândulas sexuais, mas uma pessoinha em desenvolvimento de modo algum.
Voltando ao bebê que pela ternura fez uma “onda enorme”, em relato emocionado da menina: navega em água com vida, onde paira o Espírito de Deus. O líquido amniótico lhe fala da viagem próxima para os braços maternos. Indica um porto seguro em que gente miúda é reverenciada.
Que pena existir bolsa amniótica que interrompe de propósito o velejar para a luz e vaza água de pântano!
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.