PAZ - Blogue luso-brasileiro
Terça-feira, 20 de Outubro de 2015
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - NOÇÕES DA ETERNIDADE

Era pequenino quando a mãe se foi pelos mistérios da morte. Garoto travesso que observava o amanhecer do galho mais alto da árvore, enquanto as pessoas insistiam que descesse para não se machucar. O que o feriu foi a partida da mãe. Desacelerou e se pôs a recordar do sorriso e das palavras doces que o embalavam. A mãe insistia, dentre consultas, internações, remédios, mas ele, no entanto, não imaginava que a insistência era para ficar com eles. Não supunha que perderia a mãe.
Recordo-me de quando ela teve a paralisia facial periférica. Visitei-a. Contou-me, feliz, que em nada alterara os braços e as pernas, possibilitando-lhe cuidar dos filhos. A aparência não importava. A cada sintoma da doença, encontrava uma razão de esperança. Meses mais tarde, ao se perceber de debilidade extrema, pediu-me que, em sua falta, encaminhasse os filhos à Vara da Infância e da Juventude, solicitando uma família substituta que os mantivesse unidos. A irmã, que é da valentia e da ternura, não quis nem ouvir falar a respeito. A agilidade e a força de suas mãos e o tamanho de sua alma lhe permitiriam criar as crianças do mesmo jeito que os seus. E fez assim.
Retornando ao menino. Desacelerou em todas as coisas. Foi levando a vida, chutando as pedras do caminho sem pensar em construção. Hibernava na claridade e à noite caçava cantos de mau agouro e pirilampos apagados, até que deu na cadeia. Afundou com a erva, o pó, a pedra...
Do presídio, pouco tempo antes de sair, escreveu à tia para pedir desculpas por não ter dado alegria à família. Não escreveu antes, porque, detido, não seriam possíveis ações concretas para mostrar que “acelerara” na lucidez e que, a partir de agora, se faria da diferença que molda a dignidade do ser humano.
Em uma parte da carta colocou: “Sei que minha mãe, no lugar que ela está, ela não está feliz comigo. Posso até imaginar como ela está, com um filho que não traz orgulho para sua família, mas, às vezes, acho que para acabar com a tristeza é só morrer. Mas falei com minha mãe nas minhas orações que iria trazer orgulho para todos vocês ainda nesta vida”.
Tocou-me fundo! A mãe se foi há quase 20 anos, porém lhe deixou, pelo testemunho, a noção da Eternidade: ausência-presença. E foi em nome da Eternidade que ele deu o primeiro grande passo de ressurreição no rumo de sua história.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil
JOSÉ RENATO NALINI - MEUS QUERIDOS PROFESSORES
O Dia do Professor enseja reminiscências. A revisita à memória e o percurso, cada vez menos claro, nos jardins que só a mim pertencem. No meu tempo, o pré era uma atividade lúdica. Não considerávamos as carinhosas pessoas que cuidavam de nós como professoras. Mesmo assim, lembro-me com carinho de D. Branca Paolielo Conde, da Irmã Josina e da Irmã Carmem, nos meus tempos de Educandário Nossa Senhora do Desterro.
Professora mesmo foi Irmã Otávia, no primeiro ano. Quando foi trocada pela Irmã Susana, fiquei temeroso. Diziam que ela era muito brava. Mas me apeguei a ela, assim como à Irmã Úrsula, que me presenteou com um crucifixo com o qual sua mãe falecera. A Irmã Flórida pediu a meu pai o devolvesse. Ela trocaria por outro. Mas onde foi parar esse crucifixo? Reviramos a casa. Até o teto. Ele desapareceu.
No terceiro primário da Escola Paroquial Francisco Telles, Irmã Verona era eficiente e disciplinadora. No quarto ano, Irmã Zélia. Um dia minha mãe teve de ir a uma reunião e me perguntou: “Quem é sua professora?”. Eu respondi: “A irmã mais bonita!”.
No Divino Salvador, o querido Padre Paulo de Sá Gurgel, Padre Ditmar Graeter, Padre Angelo (Marcelino) Zanela, Padre Gabriel Contini, Padre Miguel Schlerdon. Mas também Durval Fornari, Daniel Hehl Cardoso, Wilson Minzon. Padre Mário Teixeira Gurgel, que brincava chamando os alunos de “jumentos”. Depois foi Bispo de Itabira, em Minas Gerais. Padre Damião Prentke, um artista genial e temperamental.
Tive um casal de professores muito simpáticos no cursinho “Akademos”, em Campinas. Incrível! Naquele tempo era preciso fazer cursinho para o vestibular de Direito. Hoje é diferente!
Na Faculdade tive excelentes mestres: Milton Segurado, figura inesquecível, João Roberto Martins, João Mendes, Jorge Luiz de Almeida, José Benedito Barreto Fonseca, Névio Arruda Guerreiro, Padre Narciso Vieira Ehrenberg, Djalma Negreiros Penteado, Hélio Quadros Arruda, João Severino Oliveira Peres, Benvindo Aires, Hélio Moraes Siqueira, Alberto Gomes da Rocha Azevedo, Romeu Santini, Walter Hoffman, Adib Casseb, Farid Casseb, Heitor Regina. Na pós-graduação, tudo devo a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. E continuo sempre discípulo! Aprendendo sempre. A todos os meus queridos Mestres, estejam onde estiverem, Feliz Dia do Professor!
JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.
VALQUIRIA GESQUI MALAGOLI - QUILÓMETROS DE PAIXÃO

Adoro observar, nas rodovias, os bambuzais assombrando a pista. Aquelas pontas altas e arqueadas, aquelas estórias de sacis morando neles, aqueles furos, pegadas que dão motivo à dúvida sobrenatural, à certeza infantil.
Gosto de acompanhar a maneira de a terra ir mudando de cor, ora avermelhando, ora arroxeando, ou quase nua porque recém-semeada, ou verdíssima porque brota, ou ainda colorida, e aí à escolha da estação, seja por quaresmeiras, flamboiãs, sibipirunas...
Admiro-me pela janela com os gaviões próximos aos acostamentos, donde posso bem notar sua beleza e seu porte. Preocupo-me, outrossim, quando eles pairam, soberanos, sobre minha alma inquieta a vislumbrar suas vítimas e já por elas rezar.
“Aves de rapina têm filhotes”, tento convencer-me.
Alguns metros apenas e meus olhos divertem-se e dão saltinhos junto dos tizius. Riem brilhantemente também revendo as tantas espécies de pequenas aves que hoje sei distinguir, mas, que – nunca me esqueço – minha mãe com sua sabedoria santa e prática classificava sem fazer distinção: é tudo vira-bosta, filha!
Tanto adulto como eu, antes, se orgulhava ao exibir os progressos na escola a pais e irmãos (no meu caso mais velhos; sou a caçulinha), lendo em voz alta as placas que disputam espaço pelo percurso. “Quem diria”... digo a mim mesma, eis que as letras hoje me assustam um bom tanto, fantasmagoricamente, pelo quanto mal as enxergo, embaçadas que se me apresentam. Como se vê, para o bem e para o mal, não são somente as cidades que passam, o tempo... o tempo como passa!
As bandeiras tremulam nos pátios das indústrias: país, estado, cidade; os fios se sobrepõem: de pipas, de energia, telefônicos; os postes: de madeira, de concreto...
Vibro se o céu se põe mais escuro, os funcionários se achegam aos pontos de ônibus... estou chegando.
Mas, uma sacolinha plástica sobrevoa carros, passa ameaçadora sobre nosso para-brisa, um motoqueiro desvia dela abaixando-se enquanto ela sobe de novo feito urubu na ascendente...
Passado o perigo, graças a Deus, salta aos olhos, branco sobre o verde em letras que, desta vez, a saudade bem divisa: Jundiaí!
VALQUÍRIA GESQUI MALAGOLI - escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br / www.valquiriamalagoli.com.br
FELIPE AQUINO - A NOBRE MISSÃO DOS PROFESSORES

“Não é para si que os homens educam os seus filhos, mas para os outros e para Deus. Educar é colaborar com Deus”. Michel Quoist
O transcurso do Dia do Professor(a), 15 de outubro, é uma boa oportunidade para saudá-los, agradecer pelo trabalho dedicado aos nossos jovens; e de oferecer-lhes uma reflexão sobre esta nobre missão. Eu me incluo entre eles porque há quarenta e cinco anos exerço o magistério.
Não há dúvida de que no rol das profissões, a de professor sempre se destacou pelo fato de trabalhar diretamente com a mais nobre realidade do mundo: o coração, a inteligência e alma do ser humano. Nada é mais importante do que o homem e a mulher. Santo Irineu já dizia no século II que “o homem é a glória de Deus”; é claro que falava do ser humano, não apenas do masculino. A missão do professor, mais do que ensinar, é educar.
Se é nobre e necessário dominar o aço e os microrganismos, ouvir as galáxias e o cosmos, construir casas e computadores, muito mais nobre ainda é formar o homem, senhor de tudo isto. Os sábios gregos já diziam: “dá-me uma sala de aula e mudarei o mundo!”.
Ghandi dizia que “a verdadeira educação consiste em pôr a descoberto o melhor de uma pessoa”. É como fazia Michelangelo com suas obras. Certo dia ele viu um bloco de mármore e disse a seus alunos: “aí dentro há um anjo, vamos colocá-lo para fora!” Depois de algum tempo, com o seu gênio de escultor, fez o belo trabalho. Então os discípulos lhe perguntaram como tinha conseguido aquela proeza. Ele respondeu: “o anjo já estava aí, apenas tirei os excessos que estavam sobrando”. Educar é isto, é ir com paciência e perícia, sabedoria e bondade, retirando os maus hábitos e descobrindo as virtudes, até que o “anjo” apareça.
O grande educador francês Pe. Michel Quoist dizia “Que não é para si que os homens educam os seus filhos, mas para os outros e para Deus. Educar é colaborar com Deus”. O jovem e frágil aluno de hoje, será o condutor da nação amanhã; o que for semeado hoje no seu coração, na sua mente e no seu espírito, será colhido amanhã pela sociedade. Daí a grande tarefa e enorme responsabilidade do professor, em qualquer nível. Já esqueci os nomes de muitas pessoas ilustres que passaram em minha vida, mas nunca me esqueci os nomes das quatro primeiras professoras do curso primário: D. Geni, D. Rosa, D. Iolanda e D. Maria Aparecida.
O que o aluno espera de um Professor? O que os pais e a nação esperam de nós? Em primeiro lugar que sejamos honestos, honrados e capacitados, exigências mínimas de quem carrega o título de mestre. Sabemos que o homem moderno está cansado de discursos… quer ver bons exemplos, a começar do professor. O mestre romano Sêneca dizia: “de nada vale ensinar-lhes o que é a linha reta, se não lhes ensinarmos o que é a retidão”.

Leia também: A graça do trabalho
Professor que nunca havia reprovado um só aluno
Dia dos Professores: “Dá-me uma sala de aula e mudarei o mundo!”
O aluno só aprende com satisfação, quando o professor ensina com entusiasmo e sabe motivá-lo e conquista-lo. Os alunos respeitam o professor que domina a matéria, e sabe motivar para o aprendizado. “Um homem motivado vai à Lua, mas sem motivação não atravessa a rua.”
O aluno espera que o professor tenha paciência com ele, tenha a humildade de não usar o seu conhecimento para humilhá-lo, e que não use do poder da avaliação para destruir a sua autoestima.
O aluno espera que o professor prepare bem as aulas. Nada pior para um aluno do que ter que assistir uma aula maçante, mal preparada, ministrada por alguém que não conhece o que ensina. É um grande desrespeito… para não dizer um crime. Ele quer ver o seu mestre ensinar com didática, competência e clareza; além de pontualidade no horário e apresentação adequada. Ele quer vê-lo como um bom amigo que não lhe dá apenas informações, mas formação e sabedoria de viver.
São João Paulo II, na encíclica Redentor dos Homens, disse que o mundo vai mal porque “o homem moderno conquistou o universo mas perdeu o domínio de si mesmo”. Sente-se hoje ameaçado por aquilo que ele mesmo criou com a sua inteligência e construiu com as suas mãos. Por que? Porque falta-lhe a Sabedoria. Porque junto com a ciência e a tecnologia não cuidou do desenvolvimento e do respeito aos princípios da ética, da moral e da fé. Está cheio de ciência, mas vazio de sabedoria. Ele disse que “os falsos profetas e os falsos mestres conheceram o maior sucesso possível no século XX” (EV,17).
De fato, muitos falsos mestres incutem nos seus alunos certas ideologias mesquinhas, revoltas contra Deus e contra os valores mais sagrados de uma verdadeira civilização. É nos bancos das escolas que se molda o futuro de um país. Toda a atenção e carinho é preciso serem dados à criança desde que penetra na escola. Ela é o tesouro maior de todo país.

Sabemos que a felicidade verdadeira, que não acaba, é aquela que nasce no bojo da virtude. Portanto, é na vivência de um magistério autêntico que colheremos os frutos mais doces da profissão. O professor não é apenas um transmissor de conhecimentos; ele é um “mestre”, isto é, alguém que transmite sabedoria, bons exemplos, amizade com seus alunos. Eles não podem gostar de uma disciplina onde o professor não sabe cativá-los e amá-los.
Não é sem razão que a Igreja escolheu Santa Teresa de Ávila para ser a padroeira dos professores; pois ela foi uma autêntica mestra, doutora da Igreja; sábia, douta e santa. Nunca frequentou uma universidade, mas tinha na alma a mais pura divina, e sabia formar suas filhas com sabedoria eterna.
Sobretudo Jesus foi e é o grande Mestre; é Nele que se alimentaram aqueles que abalaram o mundo: Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, São Bernardo, São Domingos, São Francisco… “Ele é a luz que vindo a este mundo ilumina todo homem” (João 1,9). E todo autêntico professor.
Que neste dia da grande Mestra, Santa Teresa de Ávila, os professores(as) sejam abençoados por Deus e fiéis à grande vocação que abraçaram.
FELIPE AQUINO - Escritor católico. Prof. Doutor da Universidade de Lorena. Membro da Renovação Carismática Católica.
PAULO R. LABEGALINI - EM TUDO DAI GRAÇAS

Blasfemar nunca foi um de meus pecados. Em todas as dificuldades que vivi – e não foram poucas! –, continuei rezando e agradecendo pelo dom da vida, sempre com esperança de receber mais uma grande graça. Tenho dito às pessoas aflitas que, perseverando na fé, um dia irão entender os motivos das provações que estão passando.
Eu também não poderia imaginar em 1983 que, ao perder uma menina na semana do parto de minha esposa, seríamos tão abençoados três anos depois. O Alexandre, nosso terceiro filho, chegou para comprovar o presente que recebemos ao acreditar no amor de Jesus Cristo. Hoje, temos uma filha que intercede por nós no Céu e outros três conosco aqui na Terra – tudo pela graça de Deus!
Há uma história de um professor que pediu para os alunos levarem batatas e sacolas de plástico na aula. No dia seguinte, ele os orientou a separarem uma batata para cada pessoa que sentiam mágoas, escrevessem os seus nomes nas batatas e as colocassem dentro das sacolas. Algumas ficaram muito pesadas, e a tarefa consistia em, durante algumas semanas, levarem a todos os lugares as sacolas com batatas.
Naturalmente, o aspecto das batatas foi se deteriorando com o tempo e o incômodo de carregar as sacolas mostrava-lhes o tamanho do peso espiritual diário que a mágoa ocasiona. Ao colocarem a atenção nas batatas para não esquecê-las em nenhum lugar, os alunos também deixavam de priorizar outras coisas que eram importantes para eles.
Esta é uma grande metáfora do preço que se paga, todos os dias, para manter consigo a dor, a raiva e a negatividade. Principalmente quando damos importância aos problemas não resolvidos ou às promessas não cumpridas, nossos pensamentos enchem-se de mágoa, aumentando o estresse e tirando nossa alegria. Rezar, perdoar e deixar estes sentimentos irem embora é a única forma de trazer de volta a paz e a felicidade.
E após algumas semanas, o professor disse aos alunos que poderiam ir jogando fora as batatas que tivessem os nomes das pessoas que deixaram de ter ressentimentos. Mas, para isso, teriam que tomar a iniciativa de procurar cada desafeto e pedir ou dar o seu perdão. Com o tempo, muitos sacos ficaram quase vazios e, rapidamente, outros se esvaziaram completamente!
Da mesma forma, aprendendo a dar graças a todo momento, estaremos deixando de colocar ‘batatas’ nas nossas sacolas espirituais. E como é bom estar em paz com a consciência e sorrir para a vida, não é mesmo? Eu me lembro que, antigamente, saía do caminho de algumas pessoas para não precisar cumprimentá-las, e ainda dizia: ‘Perdi o meu dia hoje!’. Na verdade, eu perdia o dia sim, mas por deixar de perdoar e de receber mais graças do Céu.
Com a experiência e a espiritualidade de hoje, se eu tivesse que orientar você a viver com alegria e ser mais abençoado a cada momento, diria assim:
1. Afaste-se dos pecados e das pessoas vingativas.
2. Não reclame e não fale mal dos outros.
3. Cultive a alegria, o riso, o bom humor.
4. Evangelize mais o ambiente de trabalho e a sua casa.
5. Esteja sempre pronto a colaborar com as necessidades alheias.
6. Surpreenda as pessoas com convites para participar de orações.
7. Faça tudo com sentimento de amor e sem ressentimentos.
8. Ande com algum sinal de fé em você: terço, imagem na corrente, oração na carteira etc.
9. Confesse e comungue regularmente.
10. Dai graças pelos dons que Deus lhe deu.
Albert Einstein dizia: “Não basta ensinar ao homem uma especialidade, porque se tornará uma máquina utilizável e não uma personalidade. É necessário que adquira um sentimento, um senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto”. E Dom Helder Câmara, sabiamente completou: “Só sabe receber quem primeiro se dá”.
Portanto, dar graças é a condição necessária para receber graças e se doar ao próximo. A consequência disso, como todos sabem, é se aproximar do Reino de Deus. Existe coisa melhor do que isso? Quem já experimentou o imenso amor do Pai sabe que nada pode superar tamanha bondade! Mas, também gosto disto que li esta semana:
Se for para esquentar, que seja no sol. Se for para enganar, que seja o estômago. Se for para chorar, que seja de alegria. Se for para mentir, que seja a idade. Se for para roubar, que seja um beijo. Se for para perder, que seja o medo. Se for para cair, que seja na água. Se for para ter guerra, que seja de travesseiros. Se for para ter fome, que seja de amor. Se for para ser feliz, que seja o tempo todo.
Muito legal, porém, não custa dizer que, nas dificuldades, cada caso é um caso e os Dez Mandamentos devem prevalecer em qualquer situação. Quem obedece a Deus colhe os melhores frutos de todos os tempos. Pena que nem todos acreditam nisso e alguns até preferem viver no pecado. Se ao menos dessem graças de vez em quando, já seria um bom começo.
PAULO ROBERTO LABEGALINI - Escritor católico. Vicentino de Itajubá - Minas Gerais - Brasil. Professor doutor do Instituto Federal Sul de Minas - Pouso Alegre.
Segunda-feira, 19 de Outubro de 2015
HUMBERTO PINHO DA SILVA - DIA DE FIEIS DEFUNTOS

Nos primeiros dias de Novembro os cemitérios enchem-se de gente. Outrora vinham trajados de escuro e de semblantes sombrios; hoje, o preto caiu em desuso, mesmo em dia de funeral. Tornou-se roupa de cerimónia e de elegância.
Mas será que a maioria reflecte, que dentro de poucos anos - décadas para os mais jovens, - serão reduzidos a nada? Que ficarão esquecidos sob a terra vermelha ou encerrados em escuros caixões de chumbo, acompanhando os ascendentes?
O autor da “ Imitação de Jesus Cristo”, lembra que as glórias do mundo são efémeras: “ Diz-me: Onde estão agora todos aqueles senhores e mestres que bem conheceste, quando viviam e floresciam nos estudos?
“ Já outros ocupam os seus lugares, e não sei se haverá quem deles se lembre. Em vida pareciam alguma coisa; agora nem deles se fala.”
Ao percorrer o cemitério da minha cidade, em dia de Fieis Defuntos, deparo jazigos em mármore de Carrara, e capelas ricamente erguidas a pedra lavrada, abandonados.
Alguns ostentam ainda a placa que a esposa ou filhos colocaram, com palavras ternas, dizendo que o defunto foi ilustre professor, digníssimo juiz, distinto médico ou notável empresário.
Foram…agora repousam esquecidos, reduzidos a pó. Nem parentes nem amigos beneficiados com benesses, se lembram deles… Até - quem sabe?! - nem os filhos se recordam que existiram…Passaram a ser, como dizia Cecília Meireles: apenas antepassados…
Esquecem-se que muitos bens e objectos que possuem, já foram deles…Até a educação que receberam e a posição que ocupam na sociedade dependeu deles.
Mesmo os que foram aplaudidos nas plateias e pelas multidões, decorridos anos da morte, desapareceram da memória dos homens.
Quem se recorda de Nicolau, famoso ciclista? Do Prof. José Frutuoso Aires de Gouveia, da Faculdade de Medicina, que administrou uma aula na presença do Imperador D. Pedro II, do Brasil? De Justino Nobre de Faria, que Silva Pinto considera:” Dos nossos actores dramáticos mais dignos de apreço.” - no livro: “ No Brasil”? De Artur Napoleão, prodigioso pianista, que encantou o mundo e foi aplaudido por príncipes e reis e veria a falecer no Rio de Janeiro?
Camões escreveu em Carta enviada de Ceuta: “ Nunca vi cousa mais para lembrar e menos lembrada, que a morte”.
Disse bem, porque sendo a vida passageira e a outra eterna, preocupamos mais com esta e menos a preparar a outra.
Estas reflexões despretensiosas, que me ocorrem, são, certamente, as mesmas de muitos, ao visitarem seus mortos. Mas apesar de serem sobejamente conhecidas, tentamos irracionalmente esquece-las…
Convencemo-nos que a morte mora longe…Chegamos a pensar que nunca nos visitará.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
EUCLIDES CAVACO - RETALHOS DE VIDA

Um regresso às memórias da infância aqui feitas fado que partilho com os meus amigos e seguidores com desejos duma iluminada semana. Veja e ouça em PS ou aqui neste link:
http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Retalhos_de_Vida/index.htm
EUCLIDES CAVACO - Director da Rádio Voz da Amizade , Canadá.
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Domingo, 11 de Outubro de 2015
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - TRAGÉDIAS DAS MORTES

Encontrei-a nos primeiros tempos da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena. Rondava-nos à procura de algo que desestabilizasse o trabalho. Primeiramente, espalhou o boato de que pretendíamos abrir uma casa de comércio de sexo e que buscávamos as que poderiam, em regime da escravidão, oferecer um lucro maior. Havia, no entanto, algumas atitudes concretas de nossa parte que discordavam dos argumentos dela. Intuía que a influência, por parte da Igreja, com as mulheres em situação de prostituição, era perniciosa, diminuiria seus ganhos. Estimulava o aborto provocado e os realizava em sua residência. Ali mesmo, os bebês eram enterrados por seu filho.
Mais assustada ainda, quando as mulheres passaram a frequentar a reunião de evangelização na Catedral. Na tentativa de não perder o contato, fez-se presença também em meio a elas. Confesso-lhes que, de início, me incomodava seu comparecimento com objetivos outros e o seu olhar de resistência às preces e às reflexões. Após rezar muito, me fortaleci na certeza de que Deus é misericórdia sempre e tem os seus caminhos e a mulher deixou de me causar espanto e repulsa.
Passados quatro ou cinco anos, deparei-me com seu filho na cadeia. Cometera um delito para conseguir pagar uma dívida no tráfico de drogas. Disse-lhe que há tempo não via sua mãe. Pediu-me que a visitasse, porque se encontrava “esquisita”.
Recebeu-me muito bem e quis que eu observasse “as crianças que resgatara”. Em cima da cama de casal, uns vinte nenês de borracha, que ela tratava, dando banho, mamadeira, trocando fralda... Comentou que, ao se fortalecerem, os devolveria às mães e pegaria os demais. E assim por diante. Se não quisessem, entregaria ao Fórum para adoção. De mensageira de óbitos, se transformara em protetora de pequeninos. Emocionou-me, embora demonstrasse desequilíbrios psíquicos. O Senhor da Vida tocara as entranhas de sua alma. Mencionei-a, em outro texto, faz anos.
Voltei à sua casa, diversas vezes, para ouvi-la, acompanhar a dedicação com “os bebês” e rezar com ela, como me solicitava. Quando o filho saiu da cadeia, veio em busca de dinheiro. Ao saber que ela “fechara o cemitério da Casa da Moeda” e se dedicava a “recuperar a vida de bebês”, deu-lhe uma martelada fatal na cabeça. Detido novamente, não soube mais dele. Ela, por certo, de alma em joelho diante dos anjos, recebeu o abraço de Deus.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - COMPANHIA DE JESUS: PRECONCEITO E PRESTÍGIO

Em 1759, os jesuítas foram expulsos de todos os domínios da Coroa Portuguesa por nefasta ação do Marquês de Pombal. Foram sumariamente confiscados todos os bens da Companhia, não só os de raiz, mas também arquivos, bibliotecas, objetos sacros. Nem sequer os manuscritos dos religiosos foram poupados.
Para o Brasil, as consequências dessa injustiça ditatorial foram enormes. Todo o ensino na América portuguesa estava, desde os primeiros tempos, confiado aos Jesuítas. Sem eles, o Brasil ressentiu-se muito. Foi severamente proibida a utilização do nheengatu, a chamada “língua geral”, utilizada pelos inacianos em sua pregação em todo o litoral do Brasil, desde o Pará até as capitanias do Sul, e que era entendida correntemente por muitos brasileiros de origem europeia e sem qualquer sangue indígena. O resultado dessa proibição é que o Brasil, que poderia ser hoje uma nação bilíngue (como são o Paraguai e o Peru), esqueceu quase completamente a memória do velho tupi, que na atualidade somente marca presença nos topônimos, em numerosas palavras do léxico brasileiro e na prosódia característica de algumas regiões em que se fala o “dialeto caipira” (como o considerou Amadeu Amaral). O falar “caipiracicabano”, de que legitimamente se orgulha nossa cidade, conserva forte influência do idioma nativo proscrito há mais de 250 anos.
Em 1773, a Companhia de Jesus foi fechada pelo Papa Clemente XIV, pressionado por Pombal e por outros poderosos ministros de monarquias europeias. Foi um doloroso episódio da História da Igreja, até hoje ainda não inteiramente esclarecido.
Nenhuma Ordem religiosa sofrera, até então, uma investida tão brutal como a Companhia de Jesus. A figura caricatural do jesuíta - oculto por detrás das grades de um confessionário e manobrando inescrupulosamente consciências temerosas e, por meio delas, influindo na política das grandes nações - por toda a parte se impunha. Era moda ser contra a Companhia, era moda criticar os Jesuítas. Poucos ousavam, naquelas circunstâncias, defender a Companhia de Jesus. Fazia-se em torno dela um como que consenso de hostilidade e desconfiança. Essa a força da propaganda orquestrada, da moda artificialmente imposta.
Dir-se-ia que a Companhia de Jesus era imensamente impopular. Na realidade, se considerarmos em profundidade, nunca a Companhia teve tanto prestígio como naquela época. Sintoma curioso desse prestígio real, se bem que inconfessado: muitos dos perseguidores da Companhia confiavam precisamente aos tão denegridos jesuítas a educação de seus filhos...
E quando a Companhia foi fechada, dois monarcas não católicos se ofereceram a acolher os jesuítas proscritos: Frederico da Prússia e Catarina da Rússia. Reconheciam, com isso, o papel eminente que desempenhavam aqueles educadores de alto nível.
Em 1814, outro Papa, Pio VII, restauraria a Companhia de Jesus, em larga medida graças à atuação de São José Pignatelli (1737-1811), que viveu uma vida discreta e silenciosa, na fidelidade ao verdadeiro espírito inaciano, trabalhando para que a Companhia pudesse ser restaurada. Faleceu antes de ver seu objetivo atingido e foi sepultado quase secretamente. Parecia para sempre esquecido... mas o Espírito Santo trabalhou nas almas e sua figura foi ganhando importância ao longo dos tempos. Em 1933, foi beatificado por Pio XI, que o considerava o principal elo entre a Companhia extinta por Clemente XIV e a nova, instituída por Pio VII, e o designou como o verdadeiro restaurador da Companhia de Jesus. Em 1954, foi canonizado pelo Papa Pio XII.
Ao longo do século XIX, prosseguiu atuante o preconceito contra a Companhia de Jesus, e prosseguiu também seu prestígio, até mesmo entre os que a criticavam. Um exemplo curioso dessas duas coisas - o preconceito e o prestígio - é reportado por Gilberto Freyre, em “Ordem e Progresso”. Lembra ele que Ruy Barbosa, quando redigiu um primeiro projeto de Constituição republicana, inseriu um dispositivo proibindo, para todo o sempre, que entrassem jesuítas na República que acabava de ser proclamada. A sugestão não vingou e a primeira Constituição do novo regime, promulgada em 1891, não continha essa vexatória exclusão. No entanto, como nota o mesmo Gilberto Freyre, os filhos de Ruy Barbosa foram educados... em colégios da Companhia de Jesus!
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é jornalista profissional e historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI - O NÚMERO DE CIDADÃOS COM FOME NO MUNDO CONTINUA AUMENTANDO

Segundo o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, o mundo atualmente enfrenta três crises simultâneas e interligadas – dos alimentos, do clima e de desenvolvimento – para as quais são necessárias soluções integradas. “Nossos esforços até agora têm sido muito divididos e esporádicos. Agora é a hora de termos um enfoque diferente”, afirmou. Com efeito, esse tríduo é manifestamente preocupante e deve ser alvo de providências em todo o mundo para que se possa alcançar um necessário equilíbrio nessas áreas, de máxima relevância a sobrevivência da própria humanidade.
Um desses enfoques, inclusive, tem data especial. A FAO, órgão da ONU para a alimentação e a agricultura, escolheu o dia 16 de outubro, aniversário de sua criação ocorrida em 1945, como o DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO, sexta-feira passada, visando destacar a importância dos gêneros alimentícios à qualidade de vida das pessoas em todo o planeta. Mesmo assim, o número de indivíduos com fome no mundo continua subindo, em razão da disparada dos preços dos alimentos, anunciou o diretor da entidade, Jacques Diouf.
Por outro lado e na trilha de dependência dos graves problemas, esta alta nos valores ameaça reverter todos os avanços globais com desenvolvimento e levar cem milhões de pessoas em todo o mundo para abaixo da linha da pobreza, avançando a miséria, o que contraria todos os preceitos outorgados em prol de atendimento das necessidades fundamentais dos seres humanos. Tanto que as cúpulas sobre alimentação de 1996 e 2002 concluíram por “alcançar a segurança alimentar” e “reduzir à metade o número de pessoas subnutridas até 2015, no máximo”. Para Diouf, no entanto, se a atual tendência for mantida, a última meta indicada será alcançada em 150 anos e não em 2015, como proposto. Para obtê-la, seria necessário tirar 500 milhões de indivíduos desta triste condição em sete anos. Desta forma, é preciso que se criem políticas específicas, já que a fome é uma causa da pobreza, não apenas sua conseqüência. Atualmente, globaliza-se a pobreza e não o progresso; a dependência e não a soberania; a competitividade e não a solidariedade (Manifesto do Grito dos Excluídos – 2001), consolidando-se um sistema de tal forma que, para que poucos tenham muito, é necessário que muitos tenham pouco. Esse quadro de desigualdades é uma afronta à dignidade da pessoa humana e impede de construirmos um mundo solidário e justo, onde todos possam indistintamente satisfazer suas necessidades fundamentais.
No entanto, se quisermos uma sociedade onde o viver e o convívio sejam os valores máximos, faz-se necessário um esforço maior em dar a todos iguais possibilidades de participação. A fome se revela num agravo à consciência ética da humanidade. Não por acaso a Declaração Universal dos Direitos do Homem dispõe que o alimento é condição indispensável à vida e à cidadania, ao que se poderia acrescer, também à liberdade. Assim, permanecem plenamente atuais as palavras de Adlai Stevenson, que “um homem com fome não é um homem livre”. E seja qual for o entrave que tolhe a liberdade dos indivíduos, é sempre um empecilho ao desenvolvimento dos seres humanos e à plenitude da vida.
DIA DO MÉDICO
A Universidade e Pádua, na Itália, proclamou no dia 18 de outubro de 1468, o evangelista e médico Lucas como patrono do Colégio dos Filósofos e dos Médicos. A partir daquele ano essa data passou a ser comemorada como o Dia do Médico. É uma homenagem aos profissionais que exercem a arte de curar, através de métodos científicos. Nessa trilha, transcrevemos parte de artigo publicado pelo jornal “Folha de São Paulo”, assinado por Miguel Srougi: “A medicina nos oferece um privilégio sem paralelo na existência humana: a chance de aliviar o sofrimento e de resgatar seres para vida. A sensação proporcionada por esses momentos é arrebatadora. E isso acontece no cotidiano da vida médica. Esse processo de insere no conceito de felicidade plena, cuja melhor definição roubei da telinha despretensiosa de meu computador. Li e concordei que felicidade é um estado de contentamento como que somos, é viver num “continuum” de bem-estar físico, mental e afetivo. Nada material.” (16/01/2011- p. A-3)
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário. Presidente da Academia Jundiaiense de Letras (martinelliadv@hotmail.com)
JOSÉ RENATO NALINI - SEMENTEIRAS DE INOVAÇÃO

Ninguém hoje pode negar os fatos: o Brasil atolou em lamaçal produzido pela destruição da ética. A causa única das crises é a falta de consciência em relação às responsabilidades sobre todos impostas para o convívio menos conflituoso que se possa exigir entre os homens.
Eliminadas as barreiras morais, tudo se torna possível. O descalabro tomou conta e não se pense terminará com as operações policiais e judiciais ora em curso. Espanta ver a desenvoltura com que os malfeitores – pois agora a corrupção não se denomina “mal feito”? – continuam a agir.
Resta àquele que não teria nada a ver com isso, ao menos diretamente, mas que tem de pagar a conta, assumir as rédeas da Nação.
Não se espere reforma política de quem não tem interesse em mudar o quadro. Cabe invocar uma vez mais Lampedusa: as pequenas mudanças têm o intuito de deixar tudo como era antes e como sempre foi.
A sobrevivência dos normais passa a depender de um protagonismo com o qual o Estado tem pouco a ver. Como seria bom se o governo não atrapalhasse a iniciativa privada! Tudo poderia ser e, com certeza, seria muito melhor.
O naufrágio político e econômico, subproduto amargo da derrocada moral, só não será completo se a sociedade reagir. E sociedade é aquela que não tem por si o Erário. Que não tem garantido o seu salário, produza com eficiência ou não, tenha ou não consciência do verdadeiro papel de cada agente estatal.
É urgente se reciclar. Assim como o fez, por exemplo, a IBM. Vendeu máquinas de datilografar, aperfeiçoou-as, com as esferas que mudavam as fontes. Grande progresso! Mas as Tecnologias de Comunicação e Informação tornaram obsoleta a máquina de escrever. Hoje, no computador ou em qualquer bugiganga eletrônica, se produz texto com a qualidade que nunca se ousou sonhar. E o que fez a IBM? Ficou chorando, lamentando a perda do mercado? Não. Converteu-se numa plataforma de criação de tecnologia visionária para resolver problemas contemporâneos.
As tecnologias disruptivas constituem um desafio. Mas não é preciso ser uma gigantesca IBM para encontrar um nicho de subsistência digna. Quando penso em “sementeiras de inovação”, estou a contemplar a criatividade de jovens – em espírito – que encontram alternativas de sobreviver com dignidade, a partir de seu trabalho, esforço, sacrifício e empenho, a despeito das trapalhadas que o governo insiste em semear no caminho do empreendedor.
JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - LIVRES COMO AS POMBAS

Quando eu era criança, morei, como minha família, em uma cidadezinha do interior de São Paulo, em uma chácara, quase na zona rural. Lá comprei um estilingue e ficava escondida, fosse atrás de alguma moita ou fosse encima de alguma árvore e, treinando minha mira, atirava caroços de mamona nos meninos que tentavam matar os muitos passarinhos que viviam soltos por lá.
Na chácara onde morávamos, muitas vezes soltei pássaros que ganhava em gaiolas, todos capturados com alçapões, pequenas armadilhas que eram montadas com comida como atrativo. Um padrinho do meu pai, inclusive, nem se conformava com tantos pássaros que “fugiam” sempre que me eram destinados. Desde aquela época, eu olhava o céu tão imenso e, ao compará-lo com a pequenez (em todos os sentidos) de uma gaiola, era claro que aquilo não estava certo.
Naquela época, assim como ainda sou hoje, era uma admiradora dos pássaros e de toda sua fabulosa engenharia. Gostava de descobrir ninhos e, em vigília discreta, acompanhava o colocar dos ovos, o nascer dos pequenos e o vazio satisfeito do ninho após o os primeiros voos. Embora me falte certa flexibilidade e coragem para seguir subindo em árvores, continuo, em minhas andanças a pé, a observar as árvores à procura de ninhos e, para uma moradora de uma cidade como São Paulo, já encontrei bastante coisa legal, como ninhos de beija-flores e de João-de-barro.
Há alguns anos, um casal de amigos quis me fazer uma surpresa e, quando vi, voltava para casa com uma gaiola com dois periquitos australianos. Eram pouco mais que filhotes, nascidos na casa deles. Na minúscula cela, os pobrezinhos mal podiam se mexer, dando apenas pequenos pulinhos. Aquilo me cortou o coração. Levei-os para casa e, depois de acomodá-los melhor, procurei, por meses, algum santuário, algum lugar confiável para o qual eu os pudesse mandar e no qual pudessem ser soltos, eis que, como não são da fauna brasileira, não podem ser soltos em qualquer lugar. Além de tudo, nascidos em cativeiro, se fossem simplesmente soltos, morreriam rapidamente, ou de fome ou vitimados por predadores.
Infelizmente, depois de algumas promessas e várias tentativas, nada consegui e eles foram ficando. Para tornar o suplicio deles um pouco menor, mandei fazer um viveiro no qual eles podem ao menos dar pequenos voos e eu, todos os dias, coloco água para banho, frutas, verduras e sementes, além de coloca-los para tomar sol. Sei que não é nada perto do que poderiam ter vivido, mas eu me sinto como o senhorio de um inquilino que não está por ser convidado, mas por ser prisioneiro. Cuidar deles o melhor que posso é o mínimo que posso fazer.
Olho para o céu, aquele mesmo céu da minha infância e penso em como as pombas são mais felizes, livres para voar e livres da inveja humana. Aliás, não tenho a menor dúvida de que as aves são feitas prisioneiras exatamente por serem capazes do que os humanos não são. Se prendermos a respiração, somos capazes, ainda que por poucos minutos, de nos sentirmos como os peixes, mas o céu é território que não nos pertence, não sem aparatos artificiais. Invejosos das asas que não possuímos, historicamente aprisionamos as criaturas aladas, pequenas joias da natureza e, ouvindo seu lamento, fingimos que cantam para nos alegrar.
Livres de nossa cobiça, as pombas, sem belas penas ou singelo cantar, seguem suas vidas, donas do céu, protegidas das gaiolas nas quais a humanidade aprisiona tudo aquilo que não entende e tudo aquilo que não pode ser...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
RENATA IACOVINO - LEMBRANDO CARTOLA

Não há como mencionar o samba e não lembrar de uma figura emblemática, que tanto lirismo e melodia colocou em suas canções.
Há 35 anos, aquele que atribuiu as cores e o nome à segunda escola de samba fundada no Rio de Janeiro, foi compor em outras plagas, deixando verdadeiras pérolas musicais, eternizadas em nossa história cultural.
Inúmeros sambas foram criados por Cartola em homenagem à Estação Primeira de Mangueira, que teve sua origem no Bloco dos Arengueiros, o qual este compositor e seu parceiro - Carlos Cachaça - fundaram.
Aos 15 anos já vivia na boemia, tendo concluído o curso primário e passando a trabalhar em tipografias.
Mas foi seu ofício como pedreiro que lhe rendeu o apelido, pois para impedir que o cimento sujasse sua cabeça, tinha como fiel escudeiro um chapéu.
Após alguns shows realizados em São Paulo, em 1941, juntamente com Paulo Portela e Heitor dos Prazeres, Cartola desapareceu, sendo-lhe rendidas, inclusive, homenagens por meio de sambas.
Nesse meio tempo, em 1948, a Mangueira sagrou-se campeã do carnaval, tendo como samba-enredo a música Vale do São Francisco, dele e Carlos Cachaça.
Finalmente em 1956 o sambista foi encontrado pelo jornalista Sergio Porto, que o viu lavando carros no bairro de Ipanema.
Porto trouxe Cartola de volta à cena e o levou para cantar na Rádio Mayrinck Veiga e a partir daí passou a trabalhar no Diário Carioca.
O Zicartola, de vida breve, mas intensa, lendário restaurante de sua propriedade e de dona Zica (com quem se casara na década de 1960), tornou-se o ponto de encontro dos melhores sambistas do morro e também de compositores da jovem geração. Seu samba O sol nascerá, em parceria com Elton Medeiros, por iniciativa de Nara Leão, integrou o repertório do show Opinião, espetáculo que se tornou um marco por sua ousadia estética, sua proposta diferenciada e por trazer canções de protesto num cenário político de repressão.
Mas foi somente aos 66 anos, em 1974, que gravou seu primeiro LP.
Em 1976, após lançar seu segundo LP, realizou o primeiro show individual.
Suas canções nos enchem os ouvidos de poesia. "Ai, essas cordas de aço/Este minúsculo braço/Do violão que os dedos meus acariciam/Ai, esse bojo perfeito/Que trago junto ao meu peito/Só você, violão, compreende porque/Perdi toda alegria".
RENATA IACOVINO, escritora, poeta e cantora / reiacovino.blog.uol.com.br /
reval.nafoto.net / reiacovino@uol.com.br