Quando a vejo, contente, da torneira,
cair aos gorgolejos na bacia,
tenho pena da pobre prisioneira,
e não me espanta que ela seja fria.
Longe da luz do sol, a vida inteira,
a correr labirintos, noite e dia,
conquista a liberdade na torneira,
e canta, alegre, embora seja fria...
Mas lógo a toma o esgoto, escancarado;
o nojento canudo emporcalhado,
muito mais negro e sujo do que o antigo,
que a conduz aos dejectos da cidade!...
Àgua: eu tive ambições de liberdade,
e, por isso, comparo-me contigo.
PINHO DA SILVA – (1915-1987) – Nasceu em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Frequentou o Colégio da Formiga, Ermesinde, e a Escola de Belas Artes, do Porto. Discípulo de Acácio Lino, Joaquim Lopes , e do Mestre Teixeira Lopes. Primo do escultor Francisco da Silva Gouveia. Vilaflorense adotivo, por deliberação da Câmara Municipal de Vila Flor.
Tem textos dispersos por várias publicações, entre elas: “O Comércio do Porto”, onde mantinha a coluna “ Apontamentos”, e o “Mundo Português”, do Rio de Janeiro, onde publicou as “ Crônicas Lusíadas”. Foi redator do “Jornal de Turismo”, membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, e secretário-geral da ACAP. Está representado na selecta escolar: " Vamos Ler", da: Livraria Didáctica Editora, com o texto : " Barcos e Redes"
Se a gente advinhasse o que há-de vir,
o que há-de suceder, talvez, um dia,
antecipadamente, então, morria
com receio dos males do porvir.
Mas prouve a Deus que a gente se deixe ir,
assim, ppela vida fõra, na alegria
de não saber de nada: em letargia;
sonhando sonhos lindos; a dormir.
Bendito seja Deus por tanto bem!...
E bendito seja Ele por, também,
nos dar esquecimento do passado!...
Não fora ser assim nosso destino,
nem havia brinquedos de menino:
- era sempre um viver amargurado!...
PINHO DA SILVA – (1915-1987) – Nasceu em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Frequentou o Colégio da Formiga, Ermesinde, e a Escola de Belas Artes, do Porto. Discípulo de Acácio Lino, Joaquim Lopes , e do Mestre Teixeira Lopes. Primo do escultor Francisco da Silva Gouveia. Vilaflorense adotivo, por deliberação da Câmara Municipal de Vila Flor.
Tem textos dispersos por várias publicações, entre elas: “O Comércio do Porto”, onde mantinha a coluna “ Apontamentos”, e o “Mundo Português”, do Rio de Janeiro, onde publicou as “ Crônicas Lusíadas”. Foi redator do “Jornal de Turismo”, membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, e secretário-geral da ACAP. Está representado na selecta escolar: " Vamos Ler", da: Livraria Didáctica Editora, com o texto : " Barcos e Redes"
Amor?!...Que fantasia!...Que ilusão!...
Família?!...Que família?!... Digam, qual!
É tudo, tudo, tudo um carnaval!;
é tudo, mesmo tudo uma traição!...
Lá no fundo, não passa de ambição,
de cobiça, de interesse bem venal,
a farça, do amor que cada qual
representa,forçando o coração...
É tudo calculado, é tudo falso:
arrebanha quem pode e quanto pode;
estendem sempre a mão, com um sorriso!
Pode a gente ir até ao cadafalso
que nunca surgirá quem se incomode:
tratar da rica vida, é que é preciso!
PINHO DA SILVA – (1915-1987) – Nasceu em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Frequentou o Colégio da Formiga, Ermesinde, e a Escola de Belas Artes, do Porto. Discípulo de Acácio Lino, Joaquim Lopes , e do Mestre Teixeira Lopes. Primo do escultor Francisco da Silva Gouveia. Vilaflorense adotivo, por deliberação da Câmara Municipal de Vila Flor.
Tem textos dispersos por várias publicações, entre elas: “O Comércio do Porto”, onde mantinha a coluna “ Apontamentos”, e o “Mundo Português”, do Rio de Janeiro, onde publicou as “ Crônicas Lusíadas”. Foi redator do “Jornal de Turismo”, membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, e secretário-geral da ACAP. Está representado na selecta escolar: " Vamos Ler", da: Livraria Didáctica Editora, com o texto : " Barcos e Redes"
Um solitário antigo, c' uma rosa
chá, solitariamente, a desfolhar-se;
um fim de tarde, roxa, a terminar-se,
já, na penumbra doce e vaporosa!...
Ao longe, a cantoria descuidosa,
sim, de quantos vão, agora, amar-se;
ao perto, um violino a torturar-se,
assim como quem chora a dor da rosa!...
Eu...sou um solitário antigo, velho,
onde se fina a rosa de mim mesmo,
em cada sonho que se desfolha;
e ao próprio violino me assemelho:
porquanto choro lágrimas, a esmo,
na tarde cor de lírio, que se abrolha!...
PINHO DA SILVA – (1915-1987) – Nasceu em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Frequentou o Colégio da Formiga, Ermesinde, e a Escola de Belas Artes, do Porto. Discípulo de Acácio Lino, Joaquim Lopes , e do Mestre Teixeira Lopes. Primo do escultor Francisco da Silva Gouveia. Vilaflorense adotivo, por deliberação da Câmara Municipal de Vila Flor.
Tem textos dispersos por várias publicações, entre elas: “O Comércio do Porto”, onde mantinha a coluna “ Apontamentos”, e o “Mundo Português”, do Rio de Janeiro, onde publicou as “ Crônicas Lusíadas”. Foi redator do “Jornal de Turismo”, membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, e secretário-geral da ACAP. Está representado na selecta escolar: " Vamos Ler", da: Livraria Didáctica Editora, com o texto : " Barcos e Redes"
Nem se chega a viver : o tempo é breve;
nem se chega a ser velho : o tempo é pouco;
- e quem mede esse tempo, é porque é louco
e julga a vida bem de ânimo leve...
E' - se agora menino, como deve:
a palrar; lógo velho cego e mouco!
Se aquele só gorgeia, este está rouco;
se aquele estuga o passo, este já cede...
Quase o tempo não passa - é um instantre:
menino ou velho, é tudo a mesma coisa,
pois quase se não sente esta passagem.
É'-se recém-nascido ou vacilante
ancião: depois... um nome numa loisa:
- que a vida passa breve, como a aragem...
Neste berço dormi, em pequenino,
palmo e meio de gente ou pouco mais;
nele se debruçaram os meus pais,
sorrindo, ternamentre, ao seu bambino
Neste berço, também, quis o destino
se criassem meus filhos. Já são tais
as razões de lhe querer, que nem pensais
como lhe quero, ao pobre!... Um desatino!...
Pois tenho-o aqui, na frente, a restaurar.
Até parece novo!...Fica um brinco,
o venerável berço obsoleto.
Estão-no,, agora mesmo, a envrernizar,
e com mais umas coisas ( quatro ou cinco)
fica poronto a servir para o meu neto.
Afirma-se, sem pensar, que a classe politica é corrupta, como se fosse constituída por desonestos, o que não é verdade.
Em todas as profissões há gente honesta e desonesta.
Infelizmente até no clero há casos reprováveis. São, como disse Frei Bartolomeu dos Mártires: “Os que tosquiam as ovelhas para usarem a lã", mas ceio que a maioria dos Ministros de Deus, são tementes ao Omnipotente.
Estando em Roma, num Convento Franciscano, o Irmão que me acolheu, apresentou-me humilde frade, com hábito desbotado e remendado, e cochichou-me: - " É verdadeiramente servo de Deus. Tudo que possui é esse hábito!..."
Nas andanças da juventude, conheci pobre diabo no extinto Café Chave D’Ouro, que não parava de se lamentar por não conseguir vantagem do seu trabalho na Igreja.
Correra várias, inclusive a Católica, mas nunca obteve compensação financeira, dizia desolado.
Esperava, ansiosamente, resposta de Igreja Evangélica, à qual oferecera seu grupinho, em troca de remuneração, como pastor!...
Devo esclarecer, que nem todos "trabalham" por dinheiro, v.g. o pastor que pastoreia Igreja da minha cidade.
Ao conversar com crentes, revelaram-me que o pastor da sua paróquia não recebia os honorários devidos, porque sendo professor, declarou não necessitar de onerar os fiéis. Confirmei, mais tarde, a veracidade.
Corruptos somos quase todos. Quem não tentou corromper com uma " cunha"? No Brasil, o "jeitinho" é uma instituição nacional. Todos pedem, e quase todos prometem: digo "prometem", mas nem sempre cumprem...
Com tantos "jeitinhos" seria de admirar que os escolhidos pelo povo, não façam e peçam jeitinhos...
Creio que há políticos honestos, como em qualquer profissão, – mas por vezes, é como diz o rifão: " A ocasião faz o ladrão".
HUMBERTO PINHO DA SILVA
Na década oitenta, do século transato, assistindo na “Globo,” animado programa de variedade, senti de repente, forte e aguda dor no cotovelo do braço esquerdo, que se propagava até aos dedos da mão.
Como a dor fosse intensa e não passasse, dirigi-me preocupadíssimo ao médico assistente.
Após examinar-me, tateando cuidadosamente o braço, recomendou-me, que seria melhor consultar o ortopedista.
Receoso, fui. Comunicou-me a triste nova, que seria necessário operar urgentemente. Havia um nervo trilhado na articulação do cotovelo.
Para se poder realizar a cirurgia, tinha de realizar vários exames, entre eles, submeter-me a dolorosos choques elétricos, para se conhecer bem o grau de incapacidade.
Escolhido o clínico, aguardei numa elegante e bem decorada sala de espera.
Chegada a minha vez, deparei com medica, já velhinha, que me tratou carinhosamente, e de modo familiar.
Durante o exame, conversava animadamente, sorrindo, sobre casos curioso, passados na sua família, no propósito – segundo disse, – de me distrair, enquanto aplicava os penosos choques.
Atrevidamente, abusando da extraordinária simpatia da senhora, arrisquei perguntando-lhe, quando terminei o exame:
- O que acha que devo fazer?
- Seu médico é que sabe. - Respondeu secamente.
- E se fosse seu filho, que faria?
- Ah!... Se fosse meu filho, não operava. Não! Há casos que passam sem nada fazer.... Se a dor for intensa e continuar...é caso de operar. Quer um conselho: não se apoie nos cotovelos, nem guie com o braço de fora.
Semanas depois, a dor desapareceu, da mesma forma como surgiu.
Casos há, como este, que se resolvem por si. É, todavia, de louvar a honesta atitude da médica, que indiferente à ética, revelou-me seu parecer, poupando-me assim dinheiro e tratamento doloroso.
Por vezes os diagnósticos dos médicos são bem diferentes, quando se lembram que também são pais e mães.
HUMBERTO PINHO DA SILVA
Estava mergulhado em fofa poltrona cor de palha, assistindo a movimentada novela, daquelas que são produzidas para inculcarem nefastas ideologias e fomentar a malfadada Nova -Moral, quando assaltou-me um sono imperioso.
Enfastiado, peguei na " Vida de Frei Bartolomeu dos Mártires" de Frei Luís de Sousa, livro que repousava esquecido sobre o regaço, para possível releitura.
Abri-o ao acaso, folheei-o, e deparo com a seguinte texto, que despertou a indolência preguiceira:
" Dura jurisdição, por não dizer tirania, exercita hoje muitos pais, sobre as condições e natureza dos filhos. Em nascendo, já fazem a um clérigo, a outro frade, a outro soldado; de espreitar a inclinação e jeito que cada um tem para as cousas, não há tratar. Assim fica mal letrado o que fora bom sapateiro, e não é bom soldado o que fora um religioso - Lº1, Cap:II.
Esse parecer faz-me recordar, senhora, que visitava a casa de meu pai, que tendo dois filhos, logo lhes talhou o destino – um seria doutor; outro, padre.
Se o médico foi excelente clínico, o padre, não digo que fosse mau sacerdote, mas ordenou-se sem vocação. Duvido que fosse feliz.
Ouço, por vezes, mães asseverarem rijamente: " Quero que meu filho seja o que eu nunca fui!", como se o filho não tenha o direito incontestável de escolher livremente a vocação e o destino.
Conheci, também, no Porto, costureirinha que casou com pequeno industrial. Eram pais de garotinha esperta e inteligente.
Certo dia alguém recomendou-lhe que, durante as férias escolares, colocasse a menina a trabalhar na empresa, para melhor conhecer a fabrica, que um dia seria sua.
Abespinhou-se indignada, declarando quase irada: " Minha filha não tem necessidade de trabalhar. Será doutora!"
Cai bem aqui, igualmente, o que escutei quando era rapazote, a senhora de fartos bens: que a filha havia de casar com um médico, porque dinheiro já o tinha, faltava-lhe ter médico na família!...
No tempo que correm, frequentam a Universidade muitos jovens, porque seus pais exercem a tirania (para usar o termo de Frei Luís de Sousa,) para saciarem o prazer de terem filho doutor.
Aconselhem a criança, mostrem-lhe a vantagem de prosseguirem nos estudos, mas deixem-na escolher livremente a profissão. Caso contrário, teremos médicos que seriam excelentes advogados e professores que seriam ótimos agrónomos.
HUMBERTO PINHO DA SILVA
Nas férias – grandes, abalava no ronceiro comboio do Douro, para Trás – os – Montes, na companhia de meus pais. Aí, ouvia com espanto, expressões e linguarejar desconhecido e estranho, que jamais escutara na escola.
Meu pai achava graça a certos termos e apontava-os, religiosamente, num bloquinho verde, para não os esquecer. A gente da aldeia, agastada, ficava acobardada, e tentava exprimir-se à moda da cidade.
Mais tarde, já homem feito, ao ler os clássicos, topei as mesmíssimas palavras, em: Frei Luís de Sousa e Francisco Rodrigues Lobo.
Camilo – Mestre dos Mestres – enxameou os magníficos romances com termos usados pelo povo simples e analfabeto. Colhia-os, escutando o prosear de lavradores ou em seroadas à lareira, enriquecendo assim seus escritos.
Ouvi, com magoa, no Brasil, semicultos, que se gabavam de respeitados letrados, rirem-se de nordestinos que desceram à Pauliceia, por empregarem vocábulos a que chamavam, depreciativamente, de caipiradas. Rapidamente constatei, que se entroncavam em boa cepa da língua – Camões e Bernardim.
Em " Enfermaria do Idioma", João de Araújo Correia, aborda o tema, recordando que o letrado reconhece no analfabeto: " Preciosa mina de ensinamentos. Índole da língua, frases expressivas, imagens claras."
E Castilho, assevera, também, em: " O Presbitério da Montanha": "Troca-se mais português de lei, mais riqueza de vocabulário, fraseado e construção, numa seroada de inverno ou num palrar de sesta de segadores entre carvalheiras rústicas, ao estridor das cigarras amadas de Anacreonte, do que entre o ranger dos prelos e o resfolegar das balas, num ano inteiro da melhor tipografia de Lisboa."
E confirma Aquilino em: " Arcas Encouradas": " Fala-se ainda na Beira uma língua viva, buliçosa e branca como água que sai da rocha, que deve entroncar em Fernão Lopes, passando por cima de renascentistas, trabalhadores ao torno, e de toda a casta de literatos que se venderam à francesia. É cheia de expressões breves e diretas, admiráveis quanto a traduzir cor, estado de alma."
Não admira, portanto, que Antero de Figueiredo, escreva em: " Jornadas em Portugal" – " Com que gosto vou partir para aprender, ouvindo-a (a língua portuguesa,) arejada e leal, da boca livre do povo, onde espontaneamente, acodem termos incisivos e esbeltos modos de dizer."
Infelizmente, com a difusão da mass-media, os " doutores “ da província começaram a falar chique, à moda de Lisboa. Agora catedraticamente marchetam o palrar com vocábulos anglo-saxónicos, para passarem por eruditos e ilustres intelectuais; desprezando belas e castiças expressões, bebidas na infância, de mães e avós analfabetas, mas sábias.
Hoje, tudo e todos se igualam, infortunadamente, pela ralé: na forma como se exprimem, na educação, e conduta de vida.
Assim se perdem os bons costumes e a boa linguagem, assim como os valores que sempre enobreceram os nossos avós, e orgulhosamente nos diferenciavam dos demais povos.
HUMBERTO PINHO DA SILVA
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