Quando os elétricos circulavam na cidade do Porto, havia constantes reclamações – dizia-se: que além de serem barulhentos, os carris rompiam os pneus dos automóveis.
Resolveu-se, então, modernizar a cidade. Os velhos e rancheiros elétricos foram substituídos pelos tróleis. Eram bonitos, cómodos e silenciosos.
Todos quiseram experimentar a novidade. Começou-se, porém, a sentir-se saudade dos velhinhos elétricos: os tróleis eram silenciosos, pareciam gatos. Eram por isso perigosos, podiam causar fatais atropelamentos.
Então, disseram: os que circulam na cidade são os mais modernos e os melhores da Europa. Iguais aos de Viena de Áustria.
A murmuração cessou. Se eram iguais aos de Viena, eram bons.
Mas rapidamente se verificou que os tróleis, tinham muitos lugares sentados, mas poucos de pé.
Pensou-se aumentar os de pé.
Onda de protestos se levantou. Mas logo se acalmou, quando afirmaram ser iguais aos de Londres.
Se na Capital Britânica, os ingleses, viajavam nessas modernas viaturas, o zé-povinho, pensou: se lá fora se usa, – concordamos e aprovamos.
Vem a lengalenga a propósito da bacoquice nacional, de concordar com tudo que se faz e se usa lá fora.
Os responsáveis, sabedores desse fenómeno psicológico, usam-no sempre que lhes interessa impor conceito ou pratica – lá fora já se faz.… e se faz, cá dentro também se deve fazer...
Desconheço se o mesmo acontece noutros países. No Brasil aprecia-se tudo que é de fora. O que é importado é bom. Será por ser país irmão ou filho de Portugal?
O curioso é que lá fora, já se usa muitas coisas e benéficas, e não se copia nem se ventilam.
Escuso-me de as citar, já que são assaz conhecidas. Apenas duas vou mencionar: Por que não se aproxima os salários e pensões dos países mais adiantados da Europa?
Por que não se copia o que melhor se faz lá fora? E só se discute: o aborto, gestação de substituição, vulgo: “barrigas de aluguer”, eutanásia e drogas leves?... E casos e casinhos, para entreter, como faziam em Roma, com os gladiadores?
Por que será?
HUMBERTO PINHO DA SILVA
Disse bem Jardiel Poncela, quando disse: “De lejos, todo parece más pequeno, a excepción del hombre inteligente, que de lejos parece mayor."
Disse bem, porque o sábio, o intelectual, é sempre mais admirado, se vive afastado, apartado no gabinete de trabalho.
A familiaridade, a intimidade, minimiza-os, quer seja – cientista, professor, artista ou escritor.
Aprecia-se o que não se conhece.
Raras vezes os familiares dão-lhes o devido valor. Para os filhos e para o conjugue, é quase sempre um excêntrico, " maluquinho", que usa o mesmo alojamento e os mesmos utensílios domésticos.
Por vaidade, orgulham-se de lhes correr nas veias o mesmo sangue, mas só por vaidade!...
Jesus não foi capaz de realizar milagres na Sua terra, porque sabiam de quem era filho, e conheciam-No desde a adolescência – Mt.13:55; Mc6:3
Poucos conheciam Guerra Junqueiro, quando a RTP foi a Freixo de Espada à Cinta. O repórter desceu à rua, e perguntou se sabiam quem era Junqueiro.
Uns sabiam que fora o dono da Quinta da Batoca. Velhinho, que o conhecera, disse – “que era baixinho, de enormes barbas, quase sempre trajado modestamente: Como pobre!..." Mas poucos o conheciam como poeta e escritor.
Já Jesus lembrava: " Não há profeta admirado na sua terra." - Mt13:57
Velhinha risonha, que fora criada de Alexandre Herculano, dizia muito divertida ao ser-lhe perguntado se conhecera o escritor. " Conheci, conheci, era um grande preguiçoso!..."
"Preguiçoso", admirado por Pedro II do Brasil, que prezava de o ter como amigo, chegando a almoçar em Vale de Lobos.
Por se dar muito valor ao que está longe, é que licenciados procuraram doutorar-se fora do seu país. O vulgo, admira e acredita mais, o que se obtêm no estrangeiro.
A rainha do Sabá não foi ouvir Salomão? Todavia os judeus tinham no seu seio quem foi maior que Salomão – Jesus. Mas não acreditaram Nele, porque era um deles – Lc11:31
Não escreveu Erasmo: " Duas coisas, sinto-o, se me tornam verdadeiramente necessárias: em primeiro lugar ir à Itália, para dar à minha cienciazinha a autoridade desta ilustre estadia; depois, obter o grau de doutor: ambas as coisas são igualmente absurdas: ninguém muda de espírito por atravessar o oceano, como diz Horácio, e não regressarei com mais sabedoria, nem como um cabelo. Mas os tempos são assim; ninguém, mesmo as pessoas mais sensatas, acredita no nosso mérito se não vos pode chamar Mestre?”
E o velho adágio, não diz: Que o pão da tia é sempre melhor do que o da mãe?
HUMBERTO PINHO DA SILVA
Naquele tempo Jesus andava por terras de Israel, e o povo maravilhava-se com Suas palavras, e dizia: " Fala com autoridade e não como os escribas." – Mt.7:29
Muitos eram os milagres: os surdos ouviam; os cegos viam; os paralíticos andavam; os leprosos curavam-se...; e até os espíritos malignos obedeciam. – Lc.7:22
Mas uma noite, quando repousavam os discípulos, chegou a desgraça. - A Escritura avisara, mas os sacerdotes e os sábios, não sabiam interpretá-Las – M.14:43,46
E o príncipe dos sacerdotes e o conselho, no sinédrio, condenaram Jesus, levando-O à presença do procurador romano. – Mt. 26:57,68
Pilatos tentou inocentá-Lo; mas os brados da massa humana, que dias antes O aclamavam, queriam, agora, condená-Lo. -Mt.27:11,26
O procurador de Roma receou prejudicar a sua carreira política. O cargo valia mais do que a morte de um justo!...
Levaram-No para o pretório e os soldados escarneceram-No
Pilatos convocou os sacerdotes, os magistrados e o povo, na intenção de O soltar – Jo.18:38,40
Mas os gritos, os brados, cresceram, com eles a ameaça temida de não ser amigo de César. – Jo.19:12,13
No nosso conturbado tempo, também, os brados atordoam os ouvidos do Poder.
Basta clamar, gritar, para que se tenha razão, mesmo que não se tenha. Basta a mass-media dizer em parangonas, isto ou aquilo, para o vulgo acreditar, e o Poder ceder, se não encontrar força para o calar.
Aquilino, em " Um Escritor Confessa-se", referindo-se ao seu País, baseado na experiência de vida e de político, declara:" Na nossa terra basta esbracejar, dar murros na mesa, romper contra a corrente do bom senso, armar em teso, para ganhar fama de valente ou de superioridade e fama, que não é fácil de estripar com duas razões no bestunto do nosso próximo."
Assim faz o sindicalista papagaio, o político populista, e o presidente do clube desportivo, para entusiasmar os adeptos, e até o trabalhador espertalhão, quando pretende passar por inteligente.
Tentam convencerem – e quase sempre convencem, – que a ideia, a razão, o Projeto que apresentam, é o melhor.
O vulgo, que os ouve assim falar de cátedra, acredita ou teme, e "democraticamente", escancara a boca e diz: - " Como é inteligente!..."
Assim como os brados condenaram Jesus, no nosso século, os brados fazem calar os educados, e quem quer pensar pela própria cabeça.
HUMBERTO PINHO DA SILVA
Durante a minha adolescência, conversei, várias vezes, com Mário Cal Brandão. Foi amigo de infância de meu pai.
Em pequeno, meu pai, pela mão de minha bisavó Júlia, ia brincar para a larga varanda dos Clérigos, que defrontava o Largo dos Loios, (Porto,) enquanto os adultos proseavam.
Tanto brincou, que certa ocasião ia rachando a cabeça. Ia, não chegou a tal. Ficou com "galo" monumental, que havia de o marcar para sempre.
Para os da minha geração não será necessário dizer quem foi o famoso advogado, mas para os jovens leitores – se os tenho, – devo esclarecer que foi deputado e viveu em Gaia. Na sua casa apalaçada, cercada de jardins, na Avenida da República, realizaram-se as primeiras reuniões secretas, do futuro Partido Socialista, ainda em embrião.
Com ele percebi o que quer dizer – socialismo e social-democracia.
Era filho de pais crentes, mas tornou-se ateu na Universidade. Respeitava as opiniões dos antagonistas, fossem quais fossem, e o direito dos crentes manifestarem a sua fé, em público.
Que o digam os católicos de Águas Santas e Corim, que o conheceram e conviveram com ele.
Para Jean-Jacques Rousseau, a plena democracia: " nunca existiu nem existirá, a verdadeira democracia é contra a ordem natural, que o maior número governe, e o menor seja governado. - Contrato Social – Cap. IV
Soube, que corre pelas Terras de Santa Cruz, semeado por " democratas" que o conceito de democracia é relativo. Para se ser democrata, dizem, basta que se realize eleições!
Ora há ditaduras do passado e do presente, que realizaram e realizam eleições, e nem por isso se tornaram ditaduras democratas!
A não ser que se concorde com Millôr Fernandes, quando disse: " Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim."
Sem liberdade de expressão, sem livre troca de ideias, e livre acesso à mass-media, não há liberdade nem democracia, porque democracia é plena liberdade.
Voltaire dizia: " Discordo do que você diz, mas defenderei até à morte seu direito de dizê-lo." Dizem, com razão, que a célebre frase é afinal de Evelyn Beatrice Hall, mas para o caso pouco importa.
A concluir esclareço que tenho sido convidado para militar em partidos políticos. Sempre declinei. Prezo a independência, e não tenho espírito de rebanho.
Atitude que me foi nefasta na vida profissional, e até no valor da reforma.
Permite-me, todavia, com orgulho, afirmar: nunca precisei de "cunhas" ou "pistolão", como diz o brasileiro; Felizmente sempre senti a proteção de Deus, ainda que não fosse, nem seja, merecedor.
HUMBERTO PINHO DA SILVA
Manchado de vermelho e tons doirados,
o chão é tapete de folhagem
que, somado à beleza da paísagem,
mais embeleza o quadro de aloirados.
Os canteiros de outrora, estão mirrados
em tons de cor castanha; e, na aragem,
bailam plantas secas, de estiagem,
numa luta de bichos acirrados.
O céu, é inda azul; o sol, é morno;
a lua, é cor de oiro; aragem, fria;
os braços nús, das árvores, são lanças
que alisa a mão do vento, como um torno,
Vagueia pelo parque, em correria,
um punhado garrido de crianças...
Palácio de Cristal,
28 de Outº de 1978
PINHO DA SILVA – (1915-1987) – Nasceu em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Frequentou o Colégio da Formiga, Ermesinde, e a Escola de Belas Artes, do Porto. Discípulo de Acácio Lino, Joaquim Lopes , e do Mestre Teixeira Lopes. Primo do escultor Francisco da Silva Gouveia. Vilaflorense adotivo, por deliberação da Câmara Municipal de Vila Flor.
Tem textos dispersos por várias publicações, entre elas: “O Comércio do Porto”, onde mantinha a coluna “ Apontamentos”, e o “Mundo Português”, do Rio de Janeiro, onde publicou as “ Crônicas Lusíadas”. Foi redator do “Jornal de Turismo”, membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, e secretário-geral da ACAP. Está representado na selecta escolar: " Vamos Ler", da: Livraria Didáctica Editora, com o texto : " Barcos e Redes"
Tarde outonal, tão morna e tão doirada!
Desfolham-se arvoredos, lentamente!...
Os sons, são em surdina; o sol, dolente;
a própria cor do céu é magoada...
Já toda a minha rua está "folhada":
fofa de folhas secas!... Brandamente,
Inverno vai chegando, e tristemente,
às àrvores despidas, quase em nada...
No Verão, são folhas, frutos, passarada
na música dos ninhos; depois, isto,
este quadro bucólico, de ar triste:
paisagem de ternura, emoldurada
em grandes ramos secos!...Nunca visto
Painel a tinta de oiro, e paus em riste...
PINHO DA SILVA – (1915-1987) – Nasceu em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Frequentou o Colégio da Formiga, Ermesinde, e a Escola de Belas Artes, do Porto. Discípulo de Acácio Lino, Joaquim Lopes , e do Mestre Teixeira Lopes. Primo do escultor Francisco da Silva Gouveia. Vilaflorense adotivo, por deliberação da Câmara Municipal de Vila Flor.
Tem textos dispersos por várias publicações, entre elas: “O Comércio do Porto”, onde mantinha a coluna “ Apontamentos”, e o “Mundo Português”, do Rio de Janeiro, onde publicou as “ Crônicas Lusíadas”. Foi redator do “Jornal de Turismo”, membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, e secretário-geral da ACAP. Está representado na selecta escolar: " Vamos Ler", da: Livraria Didáctica Editora, com o texto : " Barcos e Redes"
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