Não só as relações de hoje em dia se revestem da ditadura da superficialidade.
Tudo parece ser conduzido pelo condão da efemeridade.
Produtos que antes adquiríamos e chamávamos de bens duráveis eram, de fato, duráveis. Hoje este conceito está ultrapassado. Não é possível classificarmos um bem como durável ou não durável. Nenhum é durável.
E como as relações humanas também se tornaram um bem (ou um mal?!), uma coisa – denominação justa e apropriada a tudo o que é inanimado ou não –, são descartadas como a bateria do celular, o despertador de R$1,99, os óculos vendidos em ambulantes, ou os livros de conteúdo duvidoso lançados a mancheias.
Uma necessidade sucessiva de substituição de coisas colocou-me em desespero momentâneo, e aí percebi: não pertenço à geração do descarte, sou de outra época. Adaptar-me à forçada troca de objetos é contra minha natureza.
Resmungo, afinal nem bem algo chega, está indo embora.
Por isso não temos mais memória. Como criar um vínculo com algo se nem bem nos acostumamos e isso já nos é subtraído? Como conhecer, compreender, interagir, se a regra é descartar, é se relacionar apenas de forma utilitária?
Após ver minha máquina de lavar, adquirida há menos de três anos, ser vítima de um mau súbito, soube, pelo técnico, que isto é comum. “Isto” o quê?, indago, sem entender. A quebra da dita cuja nesse prazo. E devo me conformar, pois as que estão sendo lançadas agora não possuem tal durabilidade.
Meu computador, que quando da aquisição, há oito anos, apresentava um desempenho exemplar, faleceu, pifou, cansado. Ouvi que sua vida útil correspondeu ao previsto. E eu que mantenho roupas, discos e objetos de alguns bons anos atrás... Cada um deles contribuiu para os valores dos quais me sirvo para pensar, ouvir e ter senso crítico. E agregam uma história – outro quesito em extinção.
Então... o mundo anda atrás de afetividade. O mesmo mundo que a expurga. Não estou fora dele.
Vazios de sentimentos e diálogos, o sangue que corre em nossas veias é frio e se coaduna com as telas de cinema a mostrar filmes que primam pela ação e por efeitos especiais desprovidos de cunho reflexivo, emburrecendo-nos e consumindo-nos dia a dia.
A mediocridade desapercebida e a prepotência alienada alimentam a apatia necessária à submissão ao universo da automação.
Renata Iacovino, escritora e cantora, reiacovino.blog.uol.com.br/reval.nafoto.net/ caju.valquiriamalagoli.com.br
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