PAZ - Blogue luso-brasileiro
Domingo, 23 de Outubro de 2011
LAURENTINO SABROSA - O TEMPO

 

 

 

Há pouco tempo, um amigo meu desabafou comigo a dizer-me que andava há 37 anos a pedir a Deus certa benesse, e ainda não tinha sido atendida. Eu disse-lhe: “Podes crer que Deus “ignora” o que seja essa coisa de 37 anos”. Porque, para Deus, não existe o Tempo tal como nós o imaginamos e sentimos. Apesar de tudo, como temos a tendência de atribuir a Deus atributos humanos, a Bíblia diz em qualquer lado mais ou menos isto:”o que para os homens é um século, para Deus será apenas um segundo”, e deve ser por isso que Deus fez demorar, pelos cálculos humanos, vários séculos o regresso dos judeus à sua amada Jerusalém.

O Tempo é, na verdade, qualquer coisa misteriosa em que devíamos meditar. Quem quiser meditar sobre o Tempo para tentar atingir a sua essência, natureza e transcendência, tem em Santo Agostinho um grande mestre. No seu livro CONFISSÕES, a secção XI é na sua quase totalidade uma longa dissertação sobre o Tempo: fala na eternidade, no movimento dos corpos relacionado com o tempo, a relação tempo-espaço,  a sucessão dos momentos do tempo e a sua duração, o antes e o depois, o que é pretérito e o que é futuro, como medir o tempo. Mas Santo Agostinho, que nos seus SERMÕES é relativamente acessível, nesta sua divagação perscrutadora sobre o Tempo, é ao mesmo tempo filósofo e teólogo, nada fácil de assimilar e compreender nos seus raciocínios e deduções. Para ele o Tempo é qualquer coisa de características imponderáveis, incompreensíveis, que se fosse uma divindade não seria equiparável a Deus só porque Deus é anterior a todos os tempos, e o Tempo era a coisa que Ele próprio fazia quando a terra era massa vazia e informe. Mesmo sem atingirmos as lucubrações de Santo Agostinho, ficamos a saber que o Tempo, mesmo sem ser uma divindade, merece a nossa veneração e respeito, mesmo como simples sucessão de instantes separados, minutos, horas, etc. que se escoam com proveito ou sem proveito na nossa vida. Esta definição de tempo como sucessão de instantes é demasiado simplista ou ingénua que não satisfaz ninguém, muito menos a Filosofia e a Teologia. O problema permanece insolúvel já desde os filósofos da Antiguidade, que, segundo parece, chegaram a consultar a Esfinge, a qual nada lhes respondeu, talvez por ser ela o próprio Tempo feito estátua de silêncio. O tempo não se deixa agarrar e, pelo contrário, tal como a lendária esfinge, parece devorar todas as teorias a seu respeito, porque nenhuma delas o sabe explicar.

Com o desenrolar do tempo, desenrolam os acontecimentos e se observa a deterioração e envelhecimento das coisas e dos seres vivos. É coisa em que, mesmo sem termos lido Santo Agostinho, sem teologias ou filosofias, devemos reparar para lhe dar o devido valor. Será um factor de felicidade ou de infelicidade conforme o uso que lhe dermos.

Podemos matar o tempo, perder tempo se deixarmos que ele deslize como água por um esgoto com grande prejuízo na vida; mas podemos tirar dele grande proveito se em tudo chegarmos a tempo e horas, se soubermos bem aplicar os tempos livres, se sempre chegarmos a tempo, se soubermos dar tempo ao tempo para fazermos as coisas a seu tempo e nunca antes do tempo.

É uma riqueza que Deus nos dá de graça mas difícil de administrar. E, todavia, dele nos virá a pedir contas pelo uso que lhe dermos. É o sentido deste soneto, que vejo atribuído a um certo Frei Castelo Branco, século XVII, pessoa acerca de quem nada pude colher nas minhas enciclopédias 

 

              

                                                                   

 

Deus nos pede do tempo estreita conta!                

Para fazer, a tempo, a minha conta,                        

Dado me foi por conta muito tempo.                     

Mas não cuidei do tempo e foi-se a conta              

                                                                   

 

É forçoso dar conta a Deus do tempo

Eis-me agora sem conta, eis-me sem tempo!

Mas como dar, sem tempo, tanta conta

Se se perde sem conta tanto tempo?

                                                                

 

Ó vós que tendes tempo e tendes conta,             

Não o gasteis, sem conta, em passa-tempo.        

Cuidai, enquanto é tempo, em terdes conta.       

 

Ah! Se quem isto conta do seu tempo

Tivesse feito a tempo, apreço e conta

Não chorava sem conta o não ter tempo

 

Vê-se aqui um lamento de alguém que nesciamente não aproveitou o tempo. É o que sucede com quase todos nós, principalmente na juventude. Muito mais tarde, notam-se os efeitos na falta de preparação para enfrentar a vida, pelo estudo, pelo desporto –  tempo gasto inutilmente em dissipações,  companhias nada recomendáveis, divertimentos  fúteis, às vezes com deterioração da saúde.  Um dia em que procure uma saída de vida, chega a qualquer lugar mesmo a tempo de não fazer nada. E, então, é demasiado tarde. Já não há possibilidades de recuperar o tempo perdido. Não se pode malbaratar ou desprezar o tempo.

O homem é o único ser a ter noção ou consciência de que existe o tempo. Assim, o tempo desliza no irracional; o homem desliza no tempo e o tempo desliza nele: “o tempo é a escola em que aprendemos, o tempo é o fogo em que ardemos”.

Numa meditação sobre o Tempo, o que menos importa é o tempo atmosférico, mas também ele pode ser causa ou pretexto de o aproveitarmos bem ou mal.

A própria Bíblia nos adverte que nos convém gerir bem o tempo, e, então, diz:” há uma hora para nascer e uma hora para morrer; uma hora para semear e uma hora para colher; uma hora para construir e uma hora para demolir; uma hora para rir e outra hora para chorar; uma hora para falar e outra hora para calar”  (Eclesiastes 3, 1-8) . Quer-se dizer que tudo, pela própria natureza das coisas, tem o seu tempo próprio. Assim, uma grande sabedoria da vida é aproveitar o tempo de tal maneira que tudo nos ocorra na hora própria: há um tempo para descansar e um tempo para trabalhar; há um tempo para rezar e um tempo para divertir; há um tempo para estudar e um tempo para namorar; um tempo para dizer sim e uma tempo para dizer não. 

 

 

 LAURENTINO SABROSA   -   Economista, Senhora da Hora, Portugal

 



publicado por Luso-brasileiro às 18:26
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