Estão no noticiário local as duas cracolândias, uma em São Paulo e a outra em Jundiaí, nos arredores do Jardim São Camilo, com usuários se estendendo no entorno para conseguir como pedintes, em pequenos serviços ou através de furtos, a quantia ou o material de troca que possibilite a próxima pedra. É a busca do prazer de imediato que não escora a felicidade. Provoca, após os segundos de êxtase, de plenitude, em decorrência da droga, um vazio com sobressalto, que pede mais uma, duas, três...
E a que “avanço” chegamos, a ponto de usar, na denominação do espaço, onde os usuários desse entorpecente se concentram, o sufixo -land (do inglês), que significa terra, territórios de determinados povos. O sufixo –ia, de origem latina, usado para formar locativos pátrios, designa igualmente terra, país, região. Cracolândia, portanto, terra dos usuários de crack. E quem instituiu oficialmente essa terra, onde as personagens aumentam e a droga – mistura da pior parte da cocaína com bicarbonato de sódio - é utilizada livremente? E quem gerou esse povo adoecido pelo vício, de todas as idades, que provoca dano a si mesmo, aos seus familiares, a alguns que passam ou residem na proximidade? E quem deu às trevas essa gente que, ao amanhecer, abandona o cachimbo e perambula pelas ruas, em busca de uma marquise que acolha, por poucas horas, os seus pesadelos. Moro na região e os vejo passar como vultos ao encontro de alguém que, pela insistência na súplica, lhes forneça a possibilidade de manter acesas as brasas de seu desejo numa latinha qualquer. Vendem-se e comercializam o que surgir para que, por instantes, enquanto dura a fumaça, não se sintam espectros. Uma das dependentes químicas, moradora de rua, contou-me que denominam o local de toca. Que coisa! O significado de toca é um pequeno buraco, no qual animais ou peixes se escondem de seus predadores. Abrigo ou esconderijo de animais, covil. Quem seria o predador de cada um deles?
Há propostas e discussões incontáveis sobre o tema. Para curar uma inflamação é essencial conhecer o que a provoca. A cracolândia se sustenta em dois pilares: o consumo e a oferta. Aquele que consome, com raras exceções, é de vida negligenciada desde a infância, de família desestruturada, de desequilíbrio emocional e/ou de transtornos psíquicos não detectados no tempo certo para tratamento. A responsabilidade da oferta é sempre do ilícito. Portanto, por maior empenho que exista nos projetos sociais, enquanto sobreviver o mercado delituoso, a maioria dos usuários resolverá sua fissura na compra. Quando não houver mais resposta para o desejo incontrolável, para os desatinos, para o comércio de ilusões, a vontade que restou procurará ajuda na verdade.
Maria Cristina Castilho de Andrade
É educadora e coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher/Magdala, Jundiaí, Brasil
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