Do Haiti nos chegam notícias da tragédia geológica cujo sangue escorre na humanidade.. Mas não sangra tanto quanto no povo que lá habita. Vimos, através de imagens, os corpos na superfície das ruínas e os que residem em Porto Príncipe, ao encontro de cadáveres conhecidos/desconhecidos, enquanto experimentam o coração massacrado por perdas de todos os tipos. O presságio, a respeito dos que não foram localizados, é sempre fúnebre.
Cidade devastada. Acampamentos construídos sob o odor de corpos enfileirados à espera de uma vala comum. Edificações que desmoronaram como castelos de cartas. A partida de Da. Zilda Arns, que, com sua fé na prática, é símbolo de que a solidariedade pode mudar os caminhos dos desprezados. É referência de virtude para os séculos XX e XXI.
Comovem-me todas as situações. Crianças órfãs vagando pelas ruas. Brigas e saques motivados pela fome. E tudo isso em um dos países mais pobres e voláteis do mundo, onde as pessoas não possuíam condição alguma de utilizar placas de metal na construção de suas casas, de acordo com as regras sísmicas. As edificações eram inadequadas para um lugar onde há lajes rochosas que estão em permanente deslocamento, acumulam energia e é ela liberada em terremotos.
Em tragédias assim há o êxodo dos mais atingidos, dos que gostariam de ficar, dos que sonham em retornar. Estavam ali as raízes de muitos, o seu teto, roupas, fotos, lembranças... Passam a se ver como um deserto cercado de mortos e mortes.
Lamento por tudo. Lamento pelas 37 mil mulheres grávidas, de acordo com a Ong Care, que estão espalhadas pelas ruas, expostas às falta de atendimento médico. Pelas mães que acabaram de dar à luz e por seus recém-nascidos sem berço. Pelas mães que amamentam seus filhos em meio a entulhos e por aquelas, próximas ao parto, que tentam, sem sucesso, um leito de maternidade.
Que triste! Alguns perguntam onde estava Deus e eu me pergunto onde estávamos nós, que éramos indiferentes aos riscos que o povo pobre de lá corria? Sofremos um impacto ao vê-los mortos ou necessitando de água, comida e roupas, mas e a placa de metal, para as casas, que lhes ofereceria uma segurança maior numa calamidade como a que ocorreu? Seríamos capazes de oferecê-la, abrindo mão de nossos acúmulos?
O povo do Haiti caminha pela amargura. Quando colônia mais rica da França foi escravizado. Montesquieu explicou: “O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção”. Passou por mãos de ditaduras sanguinárias. Concordo, portanto, com o escritor uruguaio, Eduardo Galeano, autor do livro “As veia abertas da América Latina”, quando ele diz em seu artigo “Os pecados do Haiti”, que a história daquele país é também uma história do racismo na civilização ocidental. E os frutos do racismo e do preconceito, creio eu, estão sempre envoltos em desgraças.
MARIA CRISTINA CASTILHO DA ANDRADE- É coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher e autora de “Nos Varais do Mundo/ Submundo” –Edições Loyola
OS MEUS LINKS