A criança de hoje sofre mais do que a de ontem. É o que parece ocorrer de fato, nada obstante as conquistas científicas e tecnológicas facilitadoras da aventura humana sobre a face terrestre. Tudo aparentemente preordenado a tornar a vida mais fácil. E não estou pensando na criança abandonada, aquela que mais cedo colhe os frutos da imprevisão e da insensatez.
Penso é na criança de um lar estruturado, cujos pais estão imersos naquela cultura da competição e que pretendem se realizar nos filhos. Li um artigo recente de filósofo escocês que, ao participar de uma reunião de pais na escola do filho de 6 anos, ficou sabendo que o rebento era chegado a desenhar. Já imaginou ser pai de um futuro Picasso.
Sem perguntar para o filho, matriculou-o numa escola de artes. Para desgosto da criança, que via o desenho como diversão, não como compromisso. Algo semelhante ocorre com muitas outras crianças. A competitividade é a regra e os pais acreditam preparar sua prole para os desafios futuros se eles forem exímios polivalentes. Têm de dar conta de escolas de requisição crescente.
Não se preocupam tanto em fazer feliz o aluno, mas em prepará-lo para vestibulares. Agora, então, com o sistema de avaliação permanente, essa vocação foi significativamente enfatizada. Mas isso é insuficiente. Ainda é preciso se devotar aos esportes, dominar outro idioma, enfronhar-se na informática. As requisições contemporâneas são crescentes e intensas. A cobrança é externa, mas não deixa de existir no próprio lar. Os pais se espelham nos filhos e querem sublimar aquilo que não conseguiram a seu tempo.
Com o intuito de propiciar futuro melhor, atormentam a cria. Querem-na perfeita, vitoriosa, à frente de todos os da mesma faixa etária. Nem sempre se perguntam se a pessoa que estão a construir será feliz, contente consigo mesma, equilibrada e resignada com as insuficiências próprias à condição humana. Sim.
O homem é um ser frágil, finito, efêmero. Tem mais imperfeições do que atributos. O incomensurável é o sonho. A realidade está mais próxima e palpável. Decepciona. Por isso é que a melhor lição a ser ministrada ao filho seria ensiná-lo às derrotas. Estas são certas. As vitórias costumam ser incertas.
José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.
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