Na região onde resido, circulam dependentes químicos – mulheres e homens, mocinhas e mocinhos -, de expressão fisionômica opaca e sem vida. Alguns se tornam conhecidos pela permanência e outros chegam por um dia e vão embora. Não se sabe de onde veem e muito menos para que lugar se dirigem. Possuem em comum o desejo de uma pedra de crack ou de um pino de cocaína sem perspectiva de construção. Aos moradores, quando questionados, contam histórias diferentes ou desviam das perguntas. Há, ainda, aqueles que, talvez pelos delírios ou pelo cansaço, oferecem respostas que não condizem com as indagações. Os moradores reagem de várias maneiras: existem os que os temem; outros que os repudiam pelos pequenos furtos, cujos produtos são transformados em uma porção de entorpecente; aqueles que, furtados, planejam vingança; os que se comovem; os que tentam interpretar a história de cada um, que leva à dependência química, e os que procuram um caminho para levá-los ao tratamento adequado.
Não se pode dizer que é cômodo morar na rua, sujeito ao mau tempo, à violência, à fome, às doenças, à falta de higiene pessoal e na angústia para conseguir o seu próximo quinhão de prazer e desvario.
Não se pode dizer que é confortável aos moradores saber que, na madrugada, desconhecidos rondam as nossas casas, observando qualquer ponto frágil que possa lhes servir de porta de entrada. Levam objetos que, em determinado lugar, se transformam em “moeda”. Paira no ar um sentimento de medo e inconformação.
Dentre essas criaturas, há uma pessoa que foi piloto com experiência de viagens internacionais. Conhece as paisagens brasileiras e de outros continentes. Carrega com orgulho o seu brevê. Os idiomas que domina, atualmente com palavras e construções truncadas, comprovam a sua capacidade anterior de se relacionar com passageiros de várias nacionalidades. Oferecida ajuda para internação, não aceitou. Justificou-se com a conclusão de que se encontra no caminho da morte.
Cada vez mais me conscientizo que o problema da dependência química, a qual cresce a cada dia e alimenta a indústria perversa e informal do tráfico, está muito mais na perda do gosto pela vida que na falta de conscientização sobre as sequelas do uso de drogas ou na oferta de vagas para tratamento.
Que pode levar um homem, com competência e experiência em voos, a optar pelo pouso definitivo em área contaminada, que arruína os seres humanos, a não ser a derrota de sonhos antigos e a descrença em ideais renovados?
Creio que estamos atrasados para refletir, de maneira profunda, sobre os “valores” que alicerçam a sociedade contemporânea e sugam do ser humano a capacidade de, sem perder a vida, resistir com dignidade nas dores, nos tropeços, nos tombos...
Maria Cristina Castilho de Andrade
Educadora e coordenadora da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala, Jundiaí, Brasil
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