Você daria seu aval para pessoas que estão habituadas a viver de dinheiro emprestado, e que chegam ao ponto de pedir emprestado para pagar dívidas vencidas? Eu, pelo menos, não. Mas é isso que o resto da Europa está pedindo para que a Alemanha faça.
A hipótese dos “eurobonds” (títulos sobre a dívida da União Europeia, que não existe ainda como país, mas apenas como bloco comercial e econômico) cada vez mais está sendo apontada como a melhor solução no longo prazo para a crise financeira na Europa. Tais títulos representariam a assunção conjunta das dívidas de todos os 17 países membros da ‘eurozona', como se fossem da dívida de um só país, que ainda não existe. Tal dívida seria também garantida por todas as nações da zona do euro, o que permitiria que todos esses países desfrutassem o mesmo status creditício que goza a Alemanha, e os custos de empréstimos para países como Grécia, Portugal, Itália e Espanha despencassem. Mas os custos de empréstimos para a Alemanha subiriam substancialmente. Como diria o carioca: “É ruim, hein?”
Isto, na verdade, significaria, segundo recentes estimativas do Banco Central Alemão, que a Alemanha teria que arcar com um custo extra de 50 bilhões de euros ao ano em despesas com juros e ‘spreads'. Assim, numa década, tal custo totalizaria algo em torno de 500 bilhões de euros. Não é preciso dizer que os alemães não estão nem um pouco entusiasmados com tal ideia.
Mas o novo presidente francês, o socialista François Hollande, está defendendo à velas desfraldadas os ‘eurobonds', e ele tem o apoio da OECD, do FMI e de muitos dos principais políticos italianos. No final das contas, isto pode ser a chave para o futuro da União Europeia e da zona do euro. Caso os alemães concordarem e decidirem que estão dispostos a subsidiar profundamente seus perdulários vizinhos indefinidamente, então o euro poderá ser salvo. Caso contrário, tal assunto poderá determinar o fim da União Europeia, do euro e fragmentar a Europa como antes, não sem levar um grande número de seus componentes ao empobrecimento demorado e de difícil recuperação.
É fácil pintar a Alemanha como a vilã dessa estória, mas tente se colocar no lugar dela por um minuto. Se você tivesse uns parentes, ou mesmo uns amigos, vivendo de forma perdulária e gastando aos borbotões à custa de dinheiro de crédito e já estivessem devendo ao cartão de crédito cem mil reais ou algo por aí, você lhes daria o seu aval para conseguir novos cartões? Claro que não, pois ninguém é maluco de fazer isso. Afinal, amigos, amigos, negócios à parte...
Mas as recentes eleições na França e na Grécia deixaram perfeitamente claro que os povos desses dois países rejeitam a austeridade econômica. Ao contrário, querem o retorno à falsa prosperidade movida pelo crédito subsidiado do qual eles sempre tiraram proveito no passado.
Infelizmente, esses países precisam da ajuda alemã para isso. É por isso que o no presidente francês, François Hollande, defende tanto os ‘eurobonds'. Ele quer que o resto dos países da eurozona seja capaz de ser “carregado nas costas” pela excelente classificação de crédito da Alemanha de modo que cada um deles possa retornar aos dias de empréstimos e gastos à vontade. Como bom socialista o novo presidente da França pensa exatamente assim.
Mas os alemães têm muito medo de que tal coparceria na dívida da zona do euro possa no final das contas significar. Não apenas isso encareceria dramaticamente os custos creditícios da Alemanha, mas há também a preocupação de que o resto da eurozona possa eventualmente não apenas mudar o seu comportamento e prosseguir rumo ao abismo e levar a Alemanha junta com eles. Áustria, Finlândia e Holanda também são, claro, contra os tais ‘eurobonds', mas o país chave é a Alemanha.
Por hora, a Alemanha não está engolindo essa estória de ‘eurobonds' de jeito nenhum. A Primeira Ministra alemã Angela Merkel fez a seguinte declaração durante um discurso recente em Berlim: “Trata-se exatamente de não se gastar mais do que se produz ou que se ganha. É impressionante como um fato tão simples possa produzir tanta celeuma”... E ela está absolutamente certa. Por que tanta controvérsia em insistir que os povos não podem gastar mais do ganham?
Mas este é o problema que se cria quando as pessoas se acostumam a um falso estilo de vida alimentado por dívidas que são ‘roladas' por décadas. As pessoas ficam acostumadas a tais falsos padrões de vida e partem com tudo de punhos cerrados quando as contas começam a chegar para serem eventualmente pagas.
Os alemães são sóbrios e comedidos e aprenderam com sangue, suor e lágrimas a não acreditar mais em socialismos e não desejam mais fazer grandes sacrifícios porque gregos, franceses e italianos estão desejosos de voltar a se endividar e a gastar de forma perdulária o dinheiro que não é deles. Arranjem meio motivo para os alemães quererem isso! Não há.
Os políticos alemães, como citou um recente artigo da CNN, acreditam que os ‘eurobonds' estão, de qualquer forma, explicitamente banidos dos existentes tratados da União Europeia: “É inadmissível a introdução de ‘eurobonds' sob os atuais tratados (da UE). Na verdade, existe uma proibição explícita para isso”, disse um veterano funcionário alemão, acrescentando que Berlim não deixará de se opor a isso num futuro previsível. “Esta é uma convicção firme que não será mudada em junho próximo”.
Mas, políticos como Hollande se queixam de que a austeridade poderia seriamente causar danos nos padrões de vida pela Europa afora. E Hollande está certo com relação a isso. Quando se infla o padrão de vida não em decorrência de um enriquecimento real, mas pedindo dinheiro emprestado e rolando-se as dívidas indefinidamente, chega a hora em que, eventualmente, as contas terão que ser pagas e a um preço muito maior. Qualquer um que já esteve no vermelho em seu cartão de crédito sabe o quão doído isso pode ser. É vergonhoso, para o resto da Europa, estar a implorar que a Alemanha o ajude. Devia cuidar melhor de si mesmo.
Como já disse em outros escritos, a Grécia ficaria muito melhor, no longo prazo, se saísse da zona do euro, lambesse suas feridas, e tratasse de reorganizar sua economia com base em princípios econômico-financeiros saudáveis. Todavia, o que se lê na maioria da mídia financeira mundial são apelos para que haja algum ‘plano' de ‘salvamento' da Europa.
Como exemplo, segue um trecho de uma recente publicação do Jornal americano The Wall Street Jounal : “ Tem havido duas respostas principais à crise: austeridade e ‘botar para quebrar'. A austeridade, caso não se tenha notado, parece estar sendo repelida. Isto significa que a menos que algo seja feito, algum outro plano abrangente, a outra principal resposta, ‘botar para quebrar', vai acabar derrapando para fora da estrada”. Exatamente porque a maioria apoia a ideia dos ‘eurobonds', exceto os alemães, e desde que eles são os únicos que estão com quase todo o dinheiro, então são eles os únicos que detêm o único voto válido. Assim, é hora de apelar para um plano B. Só existe um plano B, e não há mais tempo, tampouco.
Caso os alemães não concordem em subsidiar o resto da eurozona, isto, no frigir dos ovos, significa que a eurozona será forçada a se romper? Provavelmente. E isso causará muita dor no curto prazo, mas o euro nunca foi mesmo uma boa ideia, a não ser que houvesse, de fato, um forte desejo de transformar a Europa numa espécie de Estados Unidos da Europa, coisa que ficou provada não ser aceito pelo exacerbado nacionalismo de seus países membros. Foi uma suma besteira esperar que uma união monetária funcionasse afinadamente na ausência de uma união econômica, fiscal, e política. Como bloco econômico, a União Europeia pode trazer alguns benefícios aos seus membros, desde que todos ajam de modo razoável e pratiquem os saudáveis princípios do capitalismo privado e abandonem as funestas práticas do capitalismo estatal. Como nação, a União Europeia é um aborto.
Para ser honesto, o mundo inteiro estaria melhor com menos integração europeia, que se transformou num pesadelo burocrático horroroso e seria maravilhoso se ela explodisse por inteiro. Mas, por hora, a única coisa que corre perigo é o euro. Pouco a pouco, parece que a Grécia será o primeiro país a sair da zona do euro. O futuro dos remanescentes será determinado pelo modo como a nação helênica vai se recuperar ou não e a que dose de sacrifícios terá que impor a si própria para conseguir tal objetivo.
FRANCISCO VIANNA - Médico, comentador político e jornalista - Jacarei, Brasil.
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