Dois leitores perguntaram-me qual era a minha opinião sobre o Acordo Ortográfico, estranhando que, até agora, eu nada tenha dito sobre um assunto tão importante. O facto de sempre ter escrito sem respeitar esse Acordo, ao contrário do que já se faz em quase todos os jornais e em toda a TV portuguesa, com uma pressa que se pode considerar abusiva, já é revelador da minha opinião – não sou nada apologista desse tal Acordo. Sinto-me feliz por não ser obrigado a aplicá-lo nem estar na obrigatoriedade de o ensinar.
Entendo que esse Acordo não corresponde à necessidade de aperfeiçoar a nossa língua, e que, num eventual acordo, quaisquer normas só serão legítimas se forem a ratificação do que já está consagrado pela espontânea evolução popular. Sempre se tem dito que O POVO É QUE FAZ A LÍNGUA, mas os diversos acordos ortográficos, feitos por intelectuais que, em algures, disseram isso mesmo, querem que a língua seja fixada por decretos. Isso deve ser uma das causas por que os vários acordos têm uma já longa história trágico-cómica. Convém saber que:
1º.– A primeira grande reforma ortográfica ocorreu em 1911, oficializada por decreto de 1 de Setembro. Foi estudada pelas principais sumidades da época, como Adolfo Coelho, Cândido de Figueiredo, Gonçalves Viana, Carolina Michaëlis e seu marido Leite de Vasconcelos. Esta reforma foi feita por nós, portugueses, como legítimos proprietários da língua. Não foi feita para agradar a ninguém. Em 1915 a Academia Brasileira de Letras aderiu a este acordo, mas em 1919 essa adesão foi revogada!
2º. – Para contemporizar as coisas, lá foi tentado o acordo do Brasil, até que em 1931 foi conseguido o primeiro Acordo Ortográfico entre os dois países, mas esse acordo nunca foi posto em prática! Vigorou apenas no Brasil.
3º. – Em 1945 entrou em vigor um novo Acordo Ortográfico, com as normas que para já ainda estão em vigor entre nós, mas na verdade o Acordo não chegou a ser Acordo, porque nunca foi ratificado pelo Brasil!
4º. – Trinta anos depois, em seguimento de tentativas de aproximação da ortografia brasileira à ortografia portuguesa e da ortografia portuguesa à brasileira, foi elaborado novo projecto de acordo entre as duas Academias, que não foi aprovado oficialmente!
5º. – Depois de muitas conversações culturais e memorandos entre as duas Academias, lá se chegou a este NOVO ACORDO, assinado em Lisboa em 16 de Novembro de 1990. Parece ter sido feito para “agradar a gregos e a troianos”, donde resultou que o Brasil foi politicamente o grande vitorioso. Foi aprovado por resolução da Assembleia da República em 4 de Junho de 1991, para entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1994, “após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados (além de Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné, Moçambique, e São Tomé e Príncipe) junto do Governo da República Portuguesa”. Ora, acontece que (tanto quanto sei) isso ainda só foi feito por Portugal, Brasil e Cabo Verde. Por isso, já começaram as complicações. Assim, foi celebrado um Protocolo Modificativo, que eliminou as principais datas: a de entrada em vigor do Acordo, e a que tinha sido estabelecida para a publicação em cada país de um vocabulário comum da Língua Portuguesa. Como parece que há um excepcional interesse em ver este Acordo oficializado e cumprido, foi celebrado um Segundo Protocolo Modificativo, onde se estabelece que basta a ratificação por parte de três países para que ele entre em vigor! Este “segundo protocolo” foi aprovado em Maio de 2008 pela Assembleia da República, ano em que o Presidente da República também promulgou o Acordo. Nesse ano de 2008 foi estabelecido pelo Governo um prazo de seis anos para a plena entrada em vigor, pelo que, verdadeiramente, o Acordo só será “obrigatório” em 2014.
O que foi exposto, mais pormenor menos pormenor, é um resumo da odisseia que rodeia este assunto. É certo que a estrutura da nossa língua exige algumas normas ortográficas e de acentuação, para que haja uma língua-padrão, que seja de uso e orgulho dos lusitanos e base para os africanos e brasileiros que queiram ter o orgulho de ter como sua língua a língua portuguesa. É uma tarefa extraordinariamente difícil, que exige muita sensatez e subordinada a muitos limites. Veremos porquê.
LAURENTINO SABROSA - Senhora da Hora, Portugal.
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