Surpreendeu-me a reação dela. Temerosa por um reencontro, aproximava-se da entidade quando a pessoa por ela agredida e as que testemunharam não se achavam. Fazia tempo. Na época carregava o poder da agressividade. Seu jeito valente, ao se deixar possuir pelo álcool ou pelas drogas, atemorizava os que vagavam, como ela, pelas ruas. Porte altivo, gíria da malandragem, fala com som estridente e faca na cintura intimidavam a ponto de lhe entregarem valores e objetos. Chegara a cobrar pedágio das mulheres que se prostituíam na praça. A quantia era estipulada para o início da madrugada. Procuravam um jeito, mesmo que a noite fosse deserta, a fim de “honrar o compromisso”. Promessa desfeita poderia se transformar em sangue. Seus olhos embaçados declaravam que era capaz de qualquer coisa se tivesse sua “autoridade” arranhada.
Naquele dia distante foi assim: uma mulher lhe prometera uma porção em dinheiro que não possuía, para fugir do cerco do perigo. Não cumpriu. No dia seguinte, foi em busca do débito em reunião da Igreja. Esperou-a na saída da sala, enquanto uma a uma foi obrigada a lhe entregar certa quantia, às vezes o correspondente à passagem de ônibus. A devedora encolheu-se, enquanto ela proferia palavras de ordem e de vingança. Tentaram proteger a verdadeira vítima. Vieram os primeiros bofetões sem destino determinado, que prosseguiram na escada, na rua... Apanhou a mulher e quem tentava resguardá-la. Um homem, de vida marginal anteriormente, interrompeu sua fúria, estancou a perversidade que aflorara em sua mente insana e a colocou em fuga na lucidez.
Depois do acontecido, por alguns anos não se soube mais dela. Diziam que fora assassinada em uma briga ou por dívida no tráfico. Não faz muito que ressurgiu. Os sentimentos acalmados. A vida continua dura, mas enfrentá-la ao lado do companheiro que a tirou da situação de sarjeta é preferível ao incerto. Sobraram-lhe poucos locais, fora de casa, para um convívio no equilíbrio. Retornou, portanto à entidade, mas em horário em que não corresse o risco de desforra. Conhecia bem o mundo e o submundo, que condena e pune, sem espaço para indulto.
Naquela manhã, chegara ao local carregada de medos. Assustou-se ao ver quem agredira. Maior, contudo, foi seu espanto ao se perceber perdoada. A instituição acredita que é possível o reconstruir-se para todo ser humano, por mais danificado que esteja, e que, para isso, são indispensáveis pedir perdão, ser perdoado e perdoar a si e aos outros.
Na entidade, se fez presença o sonho de Deus e a moça regressou para casa vestida de esperança do céu.
Maria Cristina Castilho de Andrade
Coordenadora da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala, Jundiaí.
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