Algumas vezes eu tenho a impressão de que foi ontem mesmo que deixei de ser criança. Em alguns aspectos, na realidade, nunca deixei. Em outros, parece-me que, tal como acontece com muitos adultos, esqueço-me de que um dia eu também fui criança. O tempo, afinal de contas, furta de nós muitas coisas, embora traga outras tantas, mas não raramente leva nossa própria percepção sobre o passar dele.
Dia desses, enquanto conversava com uma das crianças da família, filho de primos, acabei prometendo que daria a ele um presente especial, no dia das crianças. Eu de fato prometi algo que me ofereci a tanto e que nunca tive a intenção de não cumprir. Não gosto de quem promete as coisas e não cumpre, diga-se de passagem. Assim, ele me disse o que queria e ficamos combinados.
Dias depois, enquanto eu entrava no facebook, meu priminho me perguntou se eu já havia comprado o tal boneco. O detalhe é que, para o dia das crianças faltavam ainda uns três meses e nem se passara uma semana desde que conversáramos. No dia seguinte, lá veio ele com a mesma pergunta e isso se repetiu praticamente todos os dias. Lembrei-me, de cara de outra criança...
Quando eu tinha 5 anos, todos os dias, invariavelmente, eu atormentava meus pais para poder ganhar um cachorro. Minhas lembranças são de que fiz isso por quase uma eternidade, embora possam ter sido semanas ou meses. O fato é que venci pelo cansaço e minha mãe me avisou, uma certa tarde, de que poderia ficar com um dos cachorrinhos que iriam nascer, na casa de uma vizinha, dentro de dois meses.
Talvez eu tenha imaginado que dois meses passariam em uma semana, mas passei a atormentar a pobre mulher, diariamente, perguntando se já os cães já haviam nascido. Mil anos depois, eu soube que enfim chegara o dia. Nascidos, passei a ir, novamente, todos os dias, perguntar se já podia pegar o meu... Sorte da vizinha que não havia facebook naquela época. No quesito insistência, deixei meu priminho para trás fácil...
De volta para o presente, acabei de comprar o tal boneco e nem é preciso pensar muito para imaginar que já recebi mil vezes a pergunta “o dia das crianças demora?” ou “não dá para mandar pelo correio, agora?”... Ele vai ter que esperar, contudo. A duras penas (alheias, é claro, rs) eu esperei dois meses para conhecer meu tão sonhado cachorrinho, aquele que seria meu companheiro por incríveis 14 anos. Esse boneco, com certeza, até o Natal já será até assunto velho, como são passageiros muitos dos desejos infantis. Tenho certeza, entretanto, que vou adorar vê-lo receber o brinquedo...
Por minha vez, em uma análise crítica, sou obrigada a confessar que ainda guardo essa característica em mim. Ainda sou uma insistente por natureza. Não consigo me conter, sobretudo quando alguém me promete algo. Uma criança que nem faz muita conta de se esconder, habita em mim, tal qual uma criança que, agora, acreditem, enquanto escrevo esse texto, está me chamando no facebook. O que será que ele quer saber, hein???
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA -Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo
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