Fiquei pensando sobre as referências a DOM JOSÉ RODRIGUES DE SOUZA, Bispo Emérito de Juazeiro da Bahia, que faleceu aos 86 anos no último dia nove, qual seria a melhor como título desta crônica: Bispo dos Excluídos, ou Profeta do Semiárido, ou Pequeno Grande Homem. Optei pelo último porque os grandes homens, não importa a estatura, possuem olhos para os marginalizados e são profetas.
Todas as criaturas de Deus merecem respeito, sejam elas quem for, mesmo os nossos desafetos. Com algumas, contudo, menor ou maior número de afinidades nos coloca em comunhão. Foi assim que nasceu a amizade com Dom José, em 1985, quando lhe escrevi para saber mais sobre o trabalho, em Juazeiro, com mulheres aliciadas pelo comércio do sexo. A Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena, em nossa Diocese, dava os seus primeiros passos e desejávamos conhecer a caminhada de outros grupos da Igreja no submundo da prostituição. Depois disso, comumente, além da correspondência que trocávamos, passava conosco o dia livre da Assembleia dos Bispos em Itaici. Era simples, verdadeiro, de inteligência brilhante e comprometido com os mais pobres dos pobres. Certa vez, da janela aqui de casa, observando o morro do São Camilo, me disse que, por certo, Deus nos conduzira a habitar no morro em frente, para que nunca me esquecesse dos que se acotovelam na periferia das grandes cidades e olhasse para eles com misericórdia.
Três pontos nos uniam: o amor a Jesus Cristo, a compaixão pelas mulheres excluídas, o gosto pela literatura. Dom José, nascido em Paraíba do Sul (RJ), ingressou no Seminário dos Redentoristas em 1938. Foi nomeado Bispo de Juazeiro em 1974, onde ficou até 2003, após pedir a renúncia pela idade. Passou a viver no Convento Redentorista de Trindade (GO). Em Juazeiro atuou com firmeza e coragem em defesa dos direitos da população pobre das caatingas, beira do rio e periferias urbanas. Lutou contra os aspectos políticos que sustentavam a indústria da seca no semiárido brasileiro. Reagiu aos projetos governamentais, como exemplo ao da Barragem de Sobradinho, a fim de que as populações residentes não ficassem sem as indenizações. Implantou, naquela Diocese, sete pastorais sociais, Círculos de Cultura com Paulo Freire, um setor diocesano de comunicação, uma biblioteca de 45 mil volumes. Realizou uma campanha pioneira pelas cisternas familiares de água de chuva.
Dentre os acontecimentos de sua vida que me comoveram está a de se trocar, por um bebê, na ponte que ligava Juazeiro a Petrolina, quando do sequestro do gerente do Banco do Brasil. Sob a mira de armas, ele e a família do gerente por vários dias percorreram as caatingas. Em um dos dias, o sequestrador que estava do lado dele adormeceu e ele, com acesso à arma, o acordou. Disse-me que não faria o mesmo que aquele homem. Mais tarde, visitou, por algumas vezes, os infratores em presídio em Brasília e fez o casamento de um deles.
Partiu, com Deus que passou na brisa, como viveu, despojado de bens materiais e levando na alma, como bagagem, palhas da gruta de Belém.
Maria Cristina Castilho de Andrade
Coordenadora Diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala, Jundiaí, Brasil
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