Não sei se há alguma explicação para isso, mas sempre me senti atraída por ovos. Gastronomicamente eu também os aprecio e muito, mas nem é disso que escrevo. Na verdade, o que eu gosto, até hoje, diga-se de passagem, é de encontrar, de recolher ovos.
Quando eu tinha cerca de uns seis anos, ganhei dois periquitos e praticamente todos os dias eu olhava a caixinha que colocáramos para ninho, na esperança de encontrar ovinhos lá. Alguns meses depois, descobri que, sendo dois machos, isso seria meio impossível... Ganhei uma fêmea e a mesma foi levada para o viveiro de um primo, para ver se lá a coisa ia, e, de fato, pouco tempo depois, cinco ovinhos estavam sendo chocados, até que minha prima soltou a periquita, inadvertidamente, deixando órfãos os ovos...
Mesmo eu tendo implorado, ninguém me deu aqueles ovinhos pequenos, brancos e redondinhos. Os pobrezinhos foram colocados de enfeite no quarto dos meus primos, mas ninguém atendeu o meu pleito, justo, por sinal. Talvez tenha sido esse o primeiro passo para eu me tornar advogada, a verificação de que meu direito havia sido desrespeitado...
Na casa das minhas avós sempre houve galinhas e não havia um só dia em que, se lá eu estivesse, não pegasse emprestado o chapéu do meu avô materno ou usasse minha blusa, que fazia dobrar para cima, em um tempo que expor a barriga era algo sem muitos riscos (rs), para lá colocar todos os ovos que conseguisse recolher. Adorava encontra-los nos locais mais improváveis, desvendando os ninhos das pobres galinhas. Se eu percebe que haviam vindo para o mundo recentemente, se estavam quentes ainda, eu os colocava no rosto, para melhor sentir o calor. O bom de ser criança é que elas não se detêm sobre de onde os ovos saem...
Ninhos de passarinhos, ocultos pelas folhas e galhos também me encantavam. Eu jamais mexi nos ovinhos, pequenas pérolas vivas, sementinhas de futuras fadinhas aladas. Eu dava um jeito de subir na árvore e ficar o mais próxima possível, só para admira-los, contá-los. Seguia nas minhas observações até que os filhotinhos dessem as caras, ou melhor dizendo, os bicos. Nunca deixei de me admirar essa mágica de ver ovos transformados em avezinhas.
Até ovos de lagartixa eu gostava de encontrar. Na casa da minha avó paterna havia um armário velho no qual sempre eu podia “garimpar” ovinhos dos mini jacarés domésticos. Eu os reunia em uma caixinha forrada com algodão, a qual deixava fechada até que fosse a hora de fazer a conferência diária. Pouca coisa se compara ao susto que tomei quando, ao abrir, um belo dia, a tal caixinha, vi de lá pular meio milhão de pequenas lagartixas, loucas para conhecer o mundo e suas paredes.
Ovos de pombas, ovos de pato, ovos de codorna estão entre os que colhi, cuidei ou coloquei para chocar. Mesmo na feira, quando vou comprar os mais simples, para consumo, não consigo deixar de pensar que faz falta o chapéu do meu avô, o quintal da minha avó e os misteriosos e encantados ovos que jamais voltei a recolher....
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
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