Uma sociedade que não vive o amor e o respeito ao próximo está longe de aprender a viver em harmonia. Relatório apresentado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos mostra que a situação é grave: há uma manifesta incapacidade de conviver com o diferente e as formas encontradas para solucionar os problemas de convívio social se afastam do diálogo, da comunicação direta e honesta, alcançando os próprios familiares e pessoas próximas das vítimas.
Homens, gays, negros, entre 15 e 29 anos, agredidos dentro de casa por familiares e vizinhos. Esse é o perfil da maioria das vítimas de homofobia no país. Por dia são feitas 19 denúncias de violência motivadas por homofobia, segundo relatório da Secretária Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República que divulgou pela primeira vez dados oficiais sobre o tema, segundo matéria assinada por Natália Cancian e publicada pelo jornal “Folha de São Paulo” (23/07/2012- C-3).
O estudo usou dados coletados em 2011 pelo Disque 100, que recebe e verifica relatos de abusos aos direitos humanos, somados a registros da ouvidoria do SUS, da Secretária de Políticas para Mulheres e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Ao todo, foram computadas 6.809 denúncias. Em 62% dos casos o suspeito era conhecido da vítima – familiares e vizinhos respondiam por mais da metade das agressões. As ocorrências supostamente cometidas por desconhecidos foram de cerca um terço do total. Em 9% dos casos, o suspeito não teve a identidade informada. Grande parte delas se efetivou na casa da vítima (42%), sendo a rua palco de 31%.
O documento ainda traça um perfil dos suspeitos: a maioria é homem, heterossexual e tem de 15 a 29 anos. “Mostra que os jovens são as maiores vítimas e também os maiores agressores”, diz o coordenador de direitos LGBT, Gustavo Bernardes, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que crê que o número de agressões seja maior porque nem todos denunciam. O delato predominante foi de violência psicológica (42,5%), como humilhações e ameaças. Em seguida, discriminação (22%) e violência física (16%), sendo que a maioria aponta mais de um agressor. Para a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB, Maria Berenice Dias, a ausência de uma lei que criminalize a homofobia faz a maioria das denúncias ficar impune. “Acaba condenando à invisibilidade todas essas agressões”, diz.
Esses resultados trazem novas perspectivas para o debate em torno da tolerância relativa aos comportamentos, relevantes e atuais. Vivemos um momento de desafios, de reflexões, de pensar o passado e de, enfim, chamar atenção para aqueles grandes erros que a nossa história, seja pessoal ou coletiva, produziu. Um desses equívocos parece que veio para ficar, o que quer dizer que se fixou como base de boa parte de nossa conduta. Trata-se da nossa incapacidade de conviver com o diferente e as formas encontradas para solucionar os problemas de convívio social onde o que menos importa parece ser o diálogo, a comunicação direta e honesta, sem truques, golpes, violências, onde o respeito pela vida do outro e sua forma específica de manifestação e expressão fosse considerado.
Sabemos que a lista de tipos sociais que são alvos de discriminação e exclusão que nossa sociedade construiu é grande. Não podemos mais admitir o preconceito e a violência que ele gera, receosos de comprometermos os rumos e as escolhas da história, para quem procura roteiros menos cruéis para as futuras gerações, para quem aposta na experiência humana como um lugar onde as ideias se transformem e possam orientar-se por valores pautados pelo respeito e aceitação plena.
Vale invocarmos algumas palavras que deveriam prevalecer no relacionamento humano: amor, reflexão, solidariedade, afeto, ajuda a quem sofre e, finalmente, vida. Parece impossível não se sensibilizar pelo descaso com a cidadania, pela fome e sede, pela dor e sofrimento. Mas uma sociedade que não vive o amor e o respeito ao próximo está longe de aprender a conviver com os semelhantes. Enquanto isso, alguns humanos continuarão a se sentir mais humanos do que outros e continuarão a acreditar que as suas vidas são as únicas que valem a pena serem vividas.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor, professor universitário, mestre em Direito Processual Civil pela PUCCamp e membro das Academias Jundiaienses de Letras e de Letras Jurídicas.
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