Moro em uma daquelas ruas de um único quarteirão, tão comuns em São Paulo. Pena somente não ser uma rua fechada, como tantas vielas charmosas que há na redondeza. Quando saio para caminhar, sempre fico maravilhada por descobrir, bem escondida, mais uma delas. Quase todas são floridas, com sobradinhos de fachada mais antiga, bem pintados e, da rua, pode-se ver lá dentro crianças jogando bola ou pessoas lendo, sossegadas, em cadeiras nas varandas. É como se, naquele lugar, o tempo tivesse dado uma pausa ou então corresse mais devagar. Tenho a sensação de que são legítimos refúgios de paz e tranqüilidade.
A rua onde moro padece somente do mal de não ter portões que a isolem, mas, ainda sim, conquista aqueles que por ela passam. Florida, sempre limpa, é praticamente só residencial, não fosse por um escritório que ali se esconde, sem placa ou identificação. Muitos dos moradores são idosos que ali vem se estabelecendo há mais de trinta anos. Nos últimos dois anos, no entanto, a cegonha andou dando o ar da graça por aqui e deixou uma leva de bebês. Até entrega de gêmeos ela fez. Assim, o silêncio habitual é intercalado com uma dose ou outra de chorinho, mas, de fato, o som que mais altera a rotina do lugar é o dos cães.
Pelas minhas contas, por aqui, há um cão para cada duas casas. Não sei de praticamente nenhum desses ilustres moradores, mas gosto de observar seus hábitos e, com base neles, acabei apelidando quase todos. Duas casas abaixo da minha, mora um cãozinho pequeno, cujos donos até hoje não identifiquei direito. Na verdade eu poderia até jurar que ele mora sozinho lá, porque só vejo um carro na porta, mas nunca sei quem é que o dirige. O dito cãozinho é da raça Fox Paulistinha, sendo branco com manchas marrons e pretas. Eu o chamo de Cuco, pois ele somente é visto quando saí na sacada, para latir e, segundos depois, desaparecer. Acho que o Cuco é tímido ou, vai saber, vive ocupado cuidando sozinho da casa.
Ainda um pouco mais para baixo, mas do lado oposto da rua moram o Trovão e o François. Eu descobri que eles contam com serviço vip de passeio e que saem quase diariamente com sua personal trainer. O Trovão é um husky siberiano, branco dos olhos azuis. Ele fica sempre na janela do sobrado em que mora e, pontualmente, antes das oito da manhã, quase me faz enfartar, porque, mesmo sabendo que acontecerá, sempre me assusto com seu latido tão grave quanto a batida de um surdo. Ele late somente nessa hora, mas é algo perturbador. Daí eu o apelidei de Trovão. O companheiro dele, um cachorro cuja raça não sei precisar, é peludo, de porte médio, branco com manchas marrom claras. Talvez seja por conta do lenço vermelho que ele leva amarrado ao pescoço, mas o fato é que eu o acho com a maior cara de francês. Daí o François! Enquanto o Trovão é mansinho, exceto pelas trovoadas matinais, o François fica na janela, sorrateiro, esperando alguém passar para latir inesperadamente. Se alguém me dissesse que o humano daquela casa era médico, eu arriscaria o palpite de que seria cardiologista...
Bom, claro que os meus cachorros não podem ser excluídos da lista dos ilustres moradores da minha rua. A diferença é que sei os nomes deles e não preciso pensar em apelidos. Só não sei se algum outro morador, assim como eu o fiz com os cachorros alheios, também não os tenha apelidado. Meus dois pentelhinhos, Peteco e Floquinho, em princípio, segundo eu pensava, não eram de muito barulho, até que descobri que, tão logo eu fecho a porta de casa para sair, os dois iniciam, em muitas das vezes, uma serenata de uivos lamentosos... Poderiam até mesmo formar uma dupla sertaneja, algo como Nhô Chato e Carrapato, sei lá...
Na casa vizinha, agora subindo a rua, moravam três cachorras. Uma delas era bem agitada e brava. Bonitinha, enganava qualquer um que, crente de sua mansidão inerente, arriscasse uma passada de mão. Segundo relatos dos próprios donos, já mordera Raimundo e todo mundo. Talvez sofresse de fixação na fase oral, vai saber. No fim do ano, enquanto a família viajava, a Brabeza morreu. Estava desfeito o trio das Três Marias.
Ainda subindo a rua, do mesmo lado da minha calçada, mora o Lobo Sofredor. O pitbull cor de caramelo, cujo dono, creio, é um estudante, passa vários fins de semana sozinho, uivando sem parar. Tenho muita pena e já tive até vontade de ligar para a polícia ou alguma sociedade protetora dos animais, mas quando o dono volta e eu os vejo caminhando juntos, noto que o Lobo Sofredor está muito bem cuidado e que parece feliz.
Por fim, há também o Xerife. O Xerife é um boxer que vive na garagem de um prédio. Com cara de mau, no fundo ele é um bom sujeito. Só late quando acha que algo ou alguém é suspeito e, encontrado fora de serviço, ou seja, fora das grades da garagem, só se importa com cheirar as coisas e fazer o xixi de demarcação. Eu o chamo de Xerife porque tenho a sensação de que ele patrulha a rua, estrategicamente colocado no início dela. Se a rua tivesse um chefe canino, seria ele.
Há gatos também por aqui. Grandes, peludos e sonolentos, vivem nas janelas, deitados, contemplando a vida, bem aristocráticos. Enquanto os cachorros trabalham, eles existem, doce e tranquilamente. São os “Bon Vivants”...
Curioso é que cães e gatos, por aqui, coexistem na paz, embora cada um no seu galho. Desconfio, contudo, que isso se deve muito mais a esperteza dos gatos, do que propriamente a tolerância dos cachorros. É só ver, por exemplo, que, aqui em casa, o Peteco até caça ratos... Talvez, no fundo, os gatos é que sejam os manda chuvas do pedaço... Olhando bem, acho que o gatão persa acinzentado que mora na terceira casa depois da minha, subindo rua, tem mesmo a maior cara de Poderoso Chefão... Sei não...
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