Todos os anos ela vestia a fantasia. Escolhia os tecidos com meses de antecedência. Tudo era meticulosamente pensado, tais como as cores, as texturas, o viés e mesmo as linhas. Ela mesma desenhava, fazia os moldes, cortava os panos, juntava tudo como quem pinta um quadro sonhado e, com as linhas da vida, ia tecendo sua fantasia.
Se nada fora como ela tinha imaginado, ao menos no Carnaval ela podia se libertar. Não havia justificativas, frustrações, sofrimento ou decepções. Estava tudo ao seu alcance, eu seu poder, tudo como nunca seria, pois não havia mais tempo para ser. Ela sabia que o tempo havia escoado à revelia de suas aspirações, do que ela imaginara que seria.
Com ela, contudo, nada se deu como de costume, como esperado. Ela fazia parte das exceções e odiava isso com todas as forças de sua alma. Em algum lugar a vida deveria ter um rascunho, algum ensaio. Só que as cortinas já estavam quase cerradas e ela sequer havia participado do número de entrada, sem que, assim, pudesse ter a chance de participar do número principal.
Decidira, para não enlouquecer, que, a sua forma, seria feliz, mesmo que fosse por poucos dias a cada vez. Tomou, por fim, as rédeas imaginárias que poderiam levá-la a lugares que ela sabia que nunca iria, mas que, ainda assim, queria saborear. No Carnaval, vestia suas fantasias, criadas em seu coração e arquitetadas em sua alma.
A vida podia não ter ensaio, mas ela criara outro mundo; um mundo no qual ela era igual a todos os outros, no qual ela não precisava explicar suas escolhas ou suas ausências de escolha. Não precisava colocar um falso sorriso no meio do rosto, não precisava se arrepender do que não fora, do que não pudera ser.
No Carnaval, enquanto os outros vestiam máscaras, ela tirava a sua. Mostrava o que era, o que sempre deveria ter sido, o que nunca poderia ter sido diferente. No Carnaval, ela era plena, repleta da juventude que não tinha, dos sonhos que ainda poderia viver, da vida que deveria sido e não foi.
No Carnaval, ela era princesa, era rainha, era amada, era amante, era colombina, era purpurina... No Carnaval, os confetes lhe pertenciam, os aplausos também. No Carnaval, ela não era diferente, mas sim, normal. No Carnaval, no meio da folia, ela vestia, por fim, a fantasia, a fantasia da vida que ela queria poder viver e não vivia..
Na quarta-feira, feita em cinzas, ela ressurgia como a fênix invertida, de volta ao arremedo do que chamava vida...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
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