Ela, normalmente, considerava a sim mesma uma pessoa normal. Ao menos na maior parte do tempo, de fato, ela era normal, dentro da média das pessoas normais. O problema é que, no fundo, no fundo, ninguém é completamente normal. Primeiro por que a própria definição de normal não é um consenso e, segundo, porque ser muito normal, de alguma forma, é também ser um pouco esquisito...
É a tal história. Alguém pergunta: o que você acha da fulana? E outro alguém responde:_ ah, ela é bem normalzinha... Enfim, típica coisa esquisita... A questão é que, de perto, ninguém bate bem e compete a cada qual, dentro das suas esquisitices, esconder as mais severas e revelar as inofensivas, até para não ser um normalzinho qualquer da vida...
Ela, assim, por óbvio, tinha suas esquisitices, as quais conseguia disfarçar o necessário não levantar grandes suspeitas ou desconfianças por parte de amigos e familiares. No mais das vezes, estava atenta para seus comportamentos. Nada exagerado, mas uma certa patrulha particular, um certo senso de vigília necessária.
Costumava falar sozinha, fosse para chamar a própria atenção, fosse para “refletir” com seus próprios neurônios. Caso alguém a surpreendesse, ela fingia estar cantando e seguia adiante, sem maiores constrangimentos. Em geral, inclusive, gostava dos papos que tinha consigo mesma, melhores até do que as conversas com algumas pessoas.
Vez ou outra, entretanto, ficava “encasquetada” com certas coisas, assim, de uma hora para outra, sem razões especiais. E foi numa dessas que, ao se olhar no espelho, espantada, acho que seus cotovelos tinha crescido. Inexplicavelmente, haviam ficado pontudos! Examinou-se de todas as formas, por todos os ângulos e a certeza só fazia crescer e tomar corpo. Seus cotovelos estavam irremediavelmente esquisitos!
Apertou, apalpou e cutucou o quanto pode. Nada aparentemente fora do normal na constituição, na consistência. Nada vermelho ou de qualquer outra cor que não sua pele. Seria possível que ela nunca tivesse reparado e que eles fossem, em verdade, esquisitos desde todo o sempre? Ela vasculhou seus arquivos mentais e físicos, na tentativa de se lembrar se possuía alguma foto de seus cotovelos, mas achou mesmo improvável que tivesse tais registros. Anotou, por via das dúvidas, mentalmente, a ideia de fotografar-se em vários ângulos, até para futuras conferências.
Pesquisou, por fim, ainda sem comunicar com ninguém, eis que sem coragem e incerta sobre revelar tal percepção, na internet, sobre possíveis causas de alterações “cotovelonísticas”. Encontrou algumas síndromes, algumas doenças sérias até, mas todas vinham acompanhadas de muitas dores nessa região. Ela tinha dor de cotovelo?? Decididamente, não apresentava tal sintoma.
O dia foi passando e ela não conseguia se esquecer dos benditos. Resolveu colocar uma blusa de manga comprida, a qual os cobria, tudo na tentativa de fazê-la mudar de foco. O que seria dela? Nunca mais poderia usar uma blusa de mangas curtas? Teria que passar por alguma raspagem, algo que diminuísse aquela coisa esquisita? Que estranho mal a estaria dominando?
Quando sua irmã chegou do trabalho, chamou-a de lado, arregaçou as mangas e perguntou: _ Olhe bem e me diga. Você já tinha reparado o quanto meus cotovelos estão pontudos???
A irmã, sem entender direito do que se tratava, olhou para ela e, de forma direta, respondeu: _ Sim!
_ Desde quando, pelo amor de Deus???
_Ah, desde que você nasceu... A propósito, bem esquisitos eles, assim como você...
Aliviada, ela suspirou e concluiu que, no fim das contas, ela estava mesmo na média entre os loucos e os normais do mundo. Ou não...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
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