O grande desafio atual é estabelecer os limites mínimos à lógica da verdadeira prestação jurisdicional, levando-se em conta o contexto momentâneo, seus graves reflexos e a enorme desigualdade na distribuição de renda que prevalece no país, precavendo-se para não ser condizente com o crime, nem promover a sua apologia, mas também para não se afastar das causas que o determinam.
Como ensina Arnaldo Vasconcelos, “a base da norma é o fato, sem dúvida, mas o fato axiológicamente dimensionado. Essa apreciação, que se dá quando do surgimento da norma, renova-se todas as vezes que ela é aplicada: os fatos e os valores originais são trazidos a compatibilização com os fatos e os valores do momento presente. Esse processo evidencia o dinamismo do Direito e responde por sua vitalidade” (Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1981, p. 38) (os grifos são nossos).
Também sabemos que não há nem pode haver algum Direito individual; todo o Direito é social. As leis devem ser sociais e, em seu sentido mais amplo, são relações necessárias que derivam da natureza, das coisas e, nesta esteira, todos os seres têm suas leis; a divindade, o mundo material, os animais e evidentemente, os homens. Esta é a lição de MONTESQUIEU, no seu consagrado “Do Espírito das Leis”. No entanto, todas as manifestações repousam na premissa de que estas normas legais em seus mundos reflitam a consciência do justo; justiça é instinto e sentimento; não pode ser concebida apenas como conceito.
Por outro lado, em todas as áreas do Judiciário, os profissionais não devem tomá-las como simples empregos ou forma de amealhar patrimônio, mas antes como uma convicção de vida, como uma verdadeira causa que merece ser servida. Elas representam, antes de tudo, tarefa social, tarefa política. Mesmo porque, toda ação judicial é um evento, algo que se introduz no mundo da realidade e que, como tal, fica sujeito às incertezas e aos riscos que caracterizam a esfera do real, a espera de posicionamentos firmes que possam ao menos, adequá-las aos acontecimentos.
Após tais ponderações, constata-se que nem sempre a letra fria do diploma legal deva ser absolutamente considerada, suscitando a intervenção de métodos interpretativos, plenamente admitidos, para aproximá-la da realidade.
Com efeito, a circunstância de uma mulher permanecer reclusa por quatro meses em função do roubo de um pote de manteiga ganhou recentemente projeção nacional e manifesta repugnância. O flagrante de sua prisão, ao que parece, foi tecnicamente perfeito tendo o Juízo aplicado corretamente a legislação ao caso em tela. Então, qual a razão de tanta indignação? A população, de maneira geral, entendeu que a solução foi incompatível com a situação apresentada e embora previsto e aplicado dentro dos parâmetros legais, o castigo se mostrou nitidamente desproporcional ao delito praticado, sobrando frieza, faltando sensibilidade.
Assim, o desafio no momento é estabelecer os limites mínimos à lógica da verdadeira prestação jurisdicional, levando-se em conta o contexto atual, seus graves reflexos e a enorme desigualdade na distribuição de renda que prevalece no país, precavendo-se para não ser condizente com o crime, nem promover a sua apologia, mas ao mesmo tempo, não se afastar das causas que o determinam.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI, é advogado, jornalista, escritor e professor universitário.
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