Hoje tenho certeza de que, ao me aproximar de um grupo de pessoas, que tem em comum dores e temores, às margens da sociedade onde sobrevive, é preciso, de início, ligar o meu coração ao delas, sem preconceitos e discursos, a fim de entendê-las. E é na compreensão, muito além das aparências, que se consegue acender com eficiência, no ponto de trevas, a chama da claridade e do calor.
Essa aprendizagem iniciei há décadas. Antes, acreditava que a Palavra e a convivência poderiam produzir seres semelhantes. Era mínima a minha noção sobre a força das diferenças individuais e o que a história de cada um, desde o ventre materno, esculpe em seu ser. Meus discursos anteriores escorreram pelas sarjetas do submundo, mas o olhar atual, que me liberta de julgamentos, traz à Palavra, embora ela seja eterna, um sentido novo. Diante de histórias repletas de tragédias, com danos provocados pela promiscuidade sexual, pela miséria, pelos desencantos, pela falta de chance para a dignidade, pelo consumo de drogas lícitas e ilícitas, interpreto, lamento e convido ao atrito das pedras que gera uma faísca. Considero que a faísca é do sopro de Deus. Não posso, entretanto, dizer o que devem iluminar. O discernimento das trevas é singular. As minhas sei bem quais são. Sobre o sopro de Deus, porém, é preciso anunciar Sua misericórdia, Seu mistério de Amor, que acolhe, perdoa, reconstrói, e vem pela brisa.
Mas voltando à tradução da pessoa e ao que nos torna próximas. Um dia desses, uma das integrantes da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala, de mais de 60 anos, comentou sobre uma música que lhe tocava profundamente na voz de Agnaldo Timóteo, no tempo da Jovem Guarda: “Os Verdes Campos da Minha Terra”. Versão de “Green Green Grass of Home” de Curly Putman. Aqui no Brasil, para alguns, é considerada música brega, de cabaré. Não importa. Sensibilizou-me sua voz dorida ao cantarolar: “Se algum dia/ À minha terra eu voltar/ Quero encontrar/ As mesmas coisas que deixei./ Quando o trem parar na estação/ Eu sentirei no coração/ A alegria de chegar./ De rever a terra em que nasci/ E correr como criança/ Nos verdes campos do lugar...” Havia algo muito forte, mais do que a saudade: a volta à infância, ao tempo em que não a corrompera a nódoa do uso pelo aproveitador que explora o trabalho escravo na força do seu braço ou de seu corpo macio para saciar instintos.
Comunguei com ela “os verdes campos de sua terra” e, ao retornarmos ao cotidiano, percebi que dos atritos tantos se desprendera uma centelha: sua esperança centrada em Deus e sua grandeza em perdoar o passado.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - É coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil
OS MEUS LINKS