Entro no quarto e ao colocar minha roupa no mancebo, ao lado do aparelho de som antigo (antigo porque tem toca-discos, discos, gravador de fita K-7... enfim, elementos de minhas reminiscências), deparo-me com alguns plásticos que protegem minhas relíquias em forma de vinil, levemente triturados e as capas que os acompanham também levemente puxadas para fora do compartimento onde ficam guardados.
A quantidade é grande, o espaço entre eles é nenhum. Supõe, pois, algum esforço – que não apenas o sobrenatural – para deixá-los naquele estado, salientes.
Então lembro que outro dia já havia me deparado com tal mistério, porém... olhei e não observei. A correria, os zil problemas rondando a cabeça, talvez tenham sido responsáveis por essa distração, que já se tornou tão corriqueira, tão companheira.
Eis, então, que a cena se repete. E aí sim, o sobressalto sobrepôs-se à distração.
Quem o teria feito, já que nem ninguém, excetuando eu, habita esta casa? Certamente alguém que, como eu, ainda cultua vinis!
Tento averiguar se há algum faltando... não, tudo devidamente com seu espaço apertado, sem folga, com a essencial dificuldade para se desprender, digamos... sozinho!
Neste momento adentra o quarto meu companheiro mais do que fiel, meu gato! E a ficha cai. Como não lembrei que há mais que um habitante neste lar? Então, indago-o: “Dimitri, você por acaso viu alguém entrar aqui? Viu alguma mão pousar sobre ou entre esses objetos que à vista da contemporaneidade são chamados de não identificados???”. Nem uma palavra, apenas um miado rouco, mas que nada revelou.
Empurrei os discos para o lugar. Comecei a ajeitar minhas roupas e as tralhas que costumo levar e trazer nessas idas e vindas de São Paulo para Jundiaí. Então... ouço um barulhinho de plástico, olho para o aparelho de som, lá está ele, Dimitri a puxar um dos vinis. E para minha surpresa, aquele que foi um marco em minha vida: o primeiro disco da Elba Ramalho, de 1979, intitulado “Ave de Prata”. Sinto-me aliviada duas vezes e dou uma risada abraçando meu gato.
Lágrimas tolas me vêm aos olhos. Talvez por crer que só nos animais vejo humanidade hoje em dia. Talvez pelo reconforto em sentir um momento de alegria proporcionado de uma forma tão inusitada. Talvez por me flagrar viva e perceber que nem tudo está perdido.
Renata Iacovino, escritora, poetisa e cantora / reiacovino.blog.uol.com.br /
reval.nafoto.net / reiacovino@uol.com.br
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