O menino apegou-se à mamãe à primeira vista. Amor de bisneto à bisavó. Estava com seis anos e ela com 82. Passou a tratá-la de Vozinha. O menino se fez para ela, nos dois dias da semana em que ensinava artesanato, experiência de acalanto. A tal ponto que chegava a abdicar de brincadeiras infantis para permanecer ao seu lado. E teimava em ser seu aluno. A mamãe lhe trouxe uma tela de tapeçaria, com a figura do Mickey, que ele bordou com esmero. É o quadro que possui na cabeceira da cama.
Intenso na afetividade, mas também nas peraltices. Ao se aproximar a adolescência, considerava-se com direito a ser livre, no horário de volta para casa, na frequência ou não à escola, nas amizades com garotos mais velhos, envolvidos com a clandestinidade. Passou a se rebelar ao ser corrigido por um adulto, alguém mais próximo ou mais distante. Não o perdíamos de vista, por crermos que é possível, sem deixar de insistir nos limites, trazer de volta ao equilíbrio pelo fio da afeição.
As ruas possuem becos escuros. O acesso é facilitado, todavia há riscos do regresso ser interrompido pela morte. Quantos meninos de vida tragada pela droga, pelo crime, pela arrogância por possuir uma arma de fogo. Existe para diversos, nessa idade, que têm acesso fácil à rua e possuem autoestima rebaixada, uma atração por desvendar o que existe por trás dos lugares sombrios. Pensam que serão bem sucedidos em algo e se transformarão em adultos antes do tempo, sem dar satisfação em casa.
Nos anos retrasado e passado, ele se inseriu e se distanciou por algumas vezes do projeto Casa da Fonte - CSJ. Faltava às aulas ou se comportava inadequadamente. Era convidado a retornar somente com a presença da mãe. Ficava um tempo sem aparecer e depois insistia, chorando, para que fosse matriculado de volta. Educar exige paciência, tolerância, proximidade e obstinação para indicar o correto. Embora com oscilações tantas, ao adentrar o espaço, nos dias das aulas de artesanato, era sua Vozinha que buscava primeiro.
Neste ano voltou decidido a mudanças. Alguns resquícios de atitudes anteriores são mais fáceis de corrigir. Aceita conselhos e reprimendas. Afastou-se dos desvios e a frequência na escola é satisfatória. Gosta de futebol e de outros jogos. Interessa-se pelas atividades que propomos por considerá-las adequadas. Nem que seja por um instante, porém, saúda carinhosamente a Vozinha. Fez 13 anos e ela 89. A distância no tempo, creio que pela ternura, não os afasta. Semana passada, chegou até ela com uma mão em concha e a outra cobrindo algo. Desejava que adivinhasse o que trazia em proteção. Comentou que ela, que defende os animais e abomina qualquer tipo de violência, se alegraria. Um grilo que amparou ao encontrá-lo no campo de futebol. Em seguida, colocou-o em um canto seguro.
Quando se percebe que a vida faz diferença, a própria e a que se encontra em seus caminhos, é sinal de que a luz impera sobre as trevas.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - É coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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