Aluna de meu tempo de magistério, que retornou há alguns anos como presença, por suas indagações a respeito da morte trágica da mãe, partiu sem que eu soubesse que adoecera. Na época de seu luto, encaminhei-a para conversar com Sacerdotes amigos e lhe ofertei livros de reflexão, que poderiam ajudá-la. Embora não nos víssemos com frequência, continuava em minhas preces e no meu desejo de que a chama de seu coração se acendesse e a afastasse das sombras.
Menina ainda, de uniforme azul-marinho, caderno impecável, chorava demais para não se manter em sala de aula. Caso a mãe ficasse no corredor, se acalmava. Invertera os papéis: sentia-se responsável por preservar a mãe. Talvez a sua rebeldia, em certas situações, fosse uma maneira de que se ocupassem com ela e, dessa forma, desviaria a atenção sobre a mãe, em seu conceito: desprotegida. E aconteceu exatamente assim: faltou segurança para que a mãe não se fosse.
A morte dela doeu em mim e, por compreender um pouco de seu íntimo, me ocorreu de imediato o soneto “Eu” de Florbela Espanca: “Eu sou a que no mundo anda perdida,/ Eu a que na vida não tem norte,/ Sou a irmã do Sonho, e desta sorte,/ Sou a crucificada... a dolorida.../ Sombra de névoa tênue e esvaecida,/ E que o destino amargo, triste e forte,/ Impele brutalmente para morte!/ Alma de luto sempre incompreendida./ (...) Sou talvez a visão que Alguém sonhou,/ Alguém que veio ao mundo pra me ver,/ E que nunca na vida me encontrou!”. Era um pouco de sua história.
Embora o consumismo tente encobrir, estamos no Advento, época de preparação para celebrar uma história diferente, a história do Natal de Jesus. Os pastores, excluídos naquele século, que guardavam rebanhos na monotonia da noite, envoltos pelos gritos das aves agourentas, avistaram um resplandecer estranho, que venceu a escuridão e trouxe com ele os anjos no anúncio do nascimento do Salvador. Deixaram tudo e se dirigiram à gruta de Belém. Os reis também, pelo sinal dentre planetas e astros, notaram o grande acontecimento para a humanidade e saíram em viagem. São histórias repletas de vida.
A história de minha ex- aluna foi de busca incessante pela estrela que leva à Belém do Menino e, nessa procura, tombou inúmeras vezes. Não cabe a ninguém julgá-la. Somente ela e Deus sabiam o quanto sangrava o emaranhado de espinhos que a sufocavam por dentro. Somente ela e Deus sabiam aquilo que lhe dificultara os passos para caminhar sem titubeios de naufrágio.
A outra história, a do Natal, é a de Quem aportou no mundo para se encontrar com você, com ela, comigo. As trevas, às vezes disfarçada de luz, fecham as portas a Ele e entortam caminhos. As trevas, infelizmente, atravessam gerações. Faltam coragem e vontade para clarear a noite e ouvir o cântico dos anjos.
Desejo que a menina, da década de setenta, esteja, com seu sorriso aberto e seu olhar de brilho e ternura, diante dAquele que veio ao mundo também para vê-la e, embora ela não percebesse, a encontrou desde o ventre materno.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE -É coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.
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