“Pois, senhor meu marido, eu não entendo a vida sem harmonia!”. E assim separou-se de um oficial da Marinha Mercante, após casamento arranjado pelos pais dela, em 1863. O pedido de escolha entre ele e a música selou o que a musicista tanto desejava...
A música e a busca incessante pela liberdade deram o tom à vida de Francisca Edwiges Neves Gonzaga, nascida em 1847, no Rio de Janeiro, filha de um tenente com a mestiça Maria.
Após o feito da separação e grávida do terceiro filho, o pai a considerou morta.
Amiga do grande compositor e flautista Calado – principal figura do choro – passou a conviver com músicos populares, fato nada popular à época, especialmente para uma mulher.
Foi enfrentando as adversidades e os preconceitos que Chiquinha Gonzaga tornou-se célebre, admirada e respeitada por seu talento e sua coragem.
Enquanto maestrina foi pioneira; autora da primeira canção carnavalesca; foi também a primeira pianista de choro, introduzindo a música popular nos salões elegantes da sociedade da época.
De suas mãos nasceram, além das 77 peças musicadas (quase todas encenadas) e das centenas de músicas pautadas nos mais variados gêneros – como polca, tango brasileiro, valsa, habanera, maxixe, lundu, fado, serenata, schottisch, mazurca e modinha – a iniciativa para fundação da SBAT, em 1917, sociedade pioneira na arrecadação e proteção dos direitos autorais.
A intensidade que empregava em tudo o quanto acreditava era um marco de sua personalidade e não hesitava ao investir em fatos que a pudessem colocar numa situação delicada. Dedicou-se à campanha abolicionista ao lado de Quintino Bocaiúva e José do Patrocínio.
Com o dinheiro obtido na venda da partitura de sua obra “Caramuru” comprou, em 1888, a alforria do músico (e então escravo) Zé Flauta.
Parece-nos tão longe um tempo em que uma peça teatral musicada pudesse ser vetada em razão de ter sido composta por uma mulher. Isto ocorreu em 1883, com “Viagem ao Parnaso”, uma parceria com Artur Azevedo.
No entanto, persistente, dois anos depois, ainda compondo operetas, obteve grande sucesso com “A Corte na Roça” e, então, conquistou reconhecimento no meio teatral.
Quando compôs a marcha de carnaval “Ó Abre Alas” (obra inaugural da produção carnavalesca), em 1899, por encomenda do “Cordão Rosa de Ouro”, Chiquinha Gonzaga já era uma artista consagrada. Ao que tudo indica, foi esta marchinha que garantiu ao Cordão o primeiro lugar no desfile daquele ano.
Um dos momentos históricos na carreira da maestrina foi o sucesso do tango “Gaúcho”, também conhecido como “Corta-jaca”, e sua execução, ao piano, por Nair de Teffé, esposa do então Presidente da República, Hermes da Fonseca, em recepção oficial no Palácio do Catete, gerando escândalo político e crise ministerial.
Sua precocidade fez com que estivesse à frente de seu tempo, abrindo alas a tantas conquistas posteriores, que só se tornaram factíveis devido a todo caminho anteriormente percorrido por Chiquinha.
Compôs pela primeira vez, aos 11 anos, a “Canção dos pastores”. E foi de maneira improvisada que nasceu seu primeiro sucesso, a polca “Atraente”, em meio a uma festa em que se apresentava.
A “madrinha de todos os valores novos” atuou na música e na política, foi detentora de sensibilidade arrebatadora e de força inesgotável; emprestou seu talento e sua inteligência a uma época que não tinha na figura da mulher alguém capaz de pensar por si só ou de realizar algo que se acreditava ser exclusivo de mentes e atitudes masculinas.
Foi às vésperas da festa popular que tanto amava – o carnaval – que, em 1935, Chiquinha Gonzaga ouviu os últimos acordes em vida, transcendendo à harmonia terrena e compartilhando com outros merecedores, em outras plagas, sua genialidade.
Renata Iacovino, cantora, escritora e poetisa, membro das Academia Jundiaiense de Letras, Academia Feminina de Letras e Artes de Jundiaí, Academia Infantil de Letras e Artes de Jundiaí, Sociedade Jundiaiense de Cultura Artística e do Grêmio Cultural Prof. Pedro Fávaro. reiacovino.blog.uol.com.br / reval.nafoto.net / reiacovino@uol.com.br
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